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domingo - 18/06/2023 - 04:00h

A autoridade do desconhecimento

Por Carlos Santos

Ilustração de Diógenes de Sínope

Ilustração de Diógenes de Sínope

Há alguns meses, num bate-papo no rol de entrada de conceituado escritório de advocacia, em Mossoró, um dos interlocutores – de cultura estelar – me nomeou de instantâneo ao seu nível, deixando-me embaraçado: “nós, intelectuais, Carlos Santos…”

– Pelo amor de Deus, não me meta nisso – obstruí logo. “Não sou intelectual coisíssima nenhuma. Sei meu lugar e esse rótulo me causa problemas, meu caro. Li mais revistas em quadrinhos do que livros. Defina-me como uma pessoa que gosta de ler, gente com alguma leitura. Fico satisfeito e nem um pouco ofendido,” justifiquei.

Rimos juntos, sob o testemunho de outros, mas minha autodefesa foi convincente: “Veja bem… então está certo.”

Compreendeu-me e percebeu que não era caso de falsa modéstia, mas de bom senso. Posso provar. Esse fardo não carrego nem me ensejará punição por apropriação indébita.

Entender que todos têm direito à opinião e a expressar o que aspira, é o mínimo que a convivência civilizada e democrática ampara como princípio e dogma. E não importa, se é a palavra do homem de profundo saber ou de alguém de menor instrução que está em jogo.

Porém, separar o manifestação de vontade de opinião é uma das grandes dificuldades que testemunhamos nesses tempos de “lacrações”, em especial nas redes sociais. O ‘efeito manada’ é a repetição do célebre conceito do ‘maria-vai-com-as-outras’. Contudo, bem mais grave a partir dessa onipresença sem fronteiras e sem medidas que é a Net.

Por isso que notícia, versão, fato e fake news (informação mentirosa) se enroscam de tal maneira, que às vezes é difícil depurar, limpando tudo, para se chegar a um ponto de equilíbrio. A verdade é um achado para poucos.

O agravante é o exercício de autoridade por aqueles que são profundos desconhecedores do assunto tratado.

Nesse momento de polêmica em termos do Projeto de Lei Complementar 17/2023, que bota sindicatos, oposição e uma parte dos servidores municipais em choque com o Executivo mossoroense, é fácil identificar quem desconhece sobre o tema. Primeira reação é atacar o debatedor em vez do conteúdo. Vale o argumentum ad hominem (argumento contra a pessoa), a falácia de quem tenta desviar o foco do que é debatido vomitando agressões pessoais.

Se não destrói o argumento, a saída é tentar demolir o argumentador.

Tem quem fale com gênio colérico sobre algo que sequer leu ou folheou por alto. E, se o fizesse, provavelmente não entenderia bulhufas.

Talvez tenhamos que convocar o filósofo cínico, Diógenes de Sínope, com sua lanterna, para realmente localizar quem tenha o domínio do caso, para dissecá-lo com segurança. Nada de achismo ou ouvi dizer.

Carlos Santos é criador e editor do Blog Carlos Santos (Canal BCS)

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Rocha Neto diz:

    Matéria supimpa, amigo!
    No sexto parágrafo, você mostrou o resumo da ópera.

  2. Honório de Medeiros diz:

    Palmas. Muitas. Como estamos retornando lentamente, e, às vezes apressadamente, ao tribalismo, que alguns chamam de cultura de gueto, o que vale é pisotear a Razão, essa vetusta senhora tão sofrida. Não há argumentos, somente slogans, que quando esbravejados, lembram gritos de guerra de tribos da era arcaica da nossa história. E, assim, vamos retrocedendo a uma velocidade vertiginosa.

  3. Roncalli Guimarães diz:

    Grande texto amigo Carlos santo mas , humildemente queria não interpelando, apenas contribuindo pro debate e dizer que nós humanos somos diversos em nossa essência e um cara chamado Jung, habilmente nos classificou em arquétipos e nos definiu como seres com arquitetura comportamental mais previsível. Existe , segundo ele , o homem comum , o sábio, o ingênuo e existe o ” governante ” . Esse nasce com habilidade para comandar, manipular , organizar mas , é passível de se perder individualmente tornando se arrogante e por em risco o coletivo . A PL apresentada a Câmara que, não teve direito a amplo debate, mostra um ponto que vai além das retiradas dos direitos dos servidores, esse ponto vai além ate das leis divina. Quando alguém redige uma lei em que coloca uma escala por faixa etária para definir amor e afeto a uma criança, esse alguém desconhece completamente as emoções humanas. Uma lei que define 30 dias de convívio entre os pais e uma criança que passou no mínimo 4 anos institucionalizada, não está desrespeitando apenas servidores, está tratorando os direitos dessas crianças.

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BCS – Bom dia, meu querido. Escreva sobre Jung, escreva para dividir seu conhecimento e suas inquietações. Convite reiterado, já que foi feito muitas vezes. O debate, o bom debate, as diferenças, só fazem bem. Um abraço e um beijo também no Guilherme e Luciere. Hora do almoço e Rocha me chama.

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