domingo - 12/06/2011 - 08:26h

A ciência da incerteza

Por Francisco Edilson Leite Pinto Júnior

“A medicina é a ciência da incerteza e a arte da probabilidade” (Dr. William Osler)

O Dr. Bernard Lown – professor emérito de cardiologia da Escola de Saúde Pública de Harvard e médico do Hospital Brigham para Mulheres, em Boston – recebeu em 1985, o prêmio Nobel da Paz em nome da Associação Internacional de Médicos para a Prevenção da Guerra Nuclear, entidade da qual é co-fundador.

Em seu livro “A Arte Perdi da de Curar”, o Dr Lown faz um relato extremamente corajoso e sincero: “Grandes mestres moldaram minhas ideias sobre a tarefa do médico, destacando-se principalmente o Dr. Samuel Levine… embora ele fosse fadado a ser meu mentor e paradigma profissional, permiti que minha arrogância juveni l me dominasse e concluí que o velho Levine tinha pouco a me oferecer… Mas, logo se tornou difícil evitar admitir a minha inércia como clínico. Era óbvio o contraste existente entre a reação dos doentes do Dr. Levine e a dos confiados aos meus cuidados.

Ele, com pequeno conhecimento da fisiopatologia aplicável, receitava poções não testadas e o paciente melhorava, se recobrava e recuperava a saúde, ao passo que eu, repleto dos últimos descobrimentos relatados no New England Journal of Medicine, não conseguia tais resultados”. Que interessante!

Como pode “Poções não testadas”- não submetidas a teste de significância estatística, aos rigores da ciência-, servirem melhor aos pacientes do que os conceitos verdadeiramente determinados pelo método científico? Será que estes pacientes não sabiam que o que a ciência comprova e publica em revistas científicas é lei, é verdade, e deve ser seguido à risca sobre pena deles não se curarem?

Ora, é claro que se Pilatos conhecesse o método científico, a pesquisa, os testes t de Student, as regressões logísticas, as análises multivariadas, etc. etc. ele não teria perdido tempo perguntando a Cristo: “Que é verdade?”

A verdade é a ciência e pronto! Ela é tão verdadeira, que até 1980, os médicos tinham certeza de que a principal causa da úlcera péptica gastroduodenal era o estresse. Havia até um aforismo aprendido por todos: “Sem ácido, não há úlcera!”.

E inúmeras foram as dissertações de mestrados e teses de doutorados, publicadas em revistas de renome internacional, fazendo a apologia ao tratamento cirúrgico da úlcera péptica.

Eu mesmo (que Deus e, principalmente, os meus pacientes me perdoem), durante a minha residência de cirurgia, operei diversos doentes ulcerosos… Mas, um dia, a verdade, cientificamente comprovada e publicada, foi ousadamente questionada por dois médicos australianos, os Drs. Barry M arshall e Robin Warren:

– Nada do que se sabe da origem das úlceras é verdade; elas são causadas por uma bactéria, o H. Pylori.

É claro que os dois foram ridicularizados na época; suas palestras e comunicações eram motivos de chacotas e risos.

No entanto, do ceticismo inicial – a ponto de nenhuma revista ligada a medicina ter aceitado os seus trabalhos-, hoje, após uma lenta e difícil batalha, tratamos os ulcerosos não mais com cirurgia e sim com anti bióticos. Veja caro leitor, como as verdades cientificamente comprovadas na medicina são sólidas… O que ontem era lei, hoje é lixo; o que hoje é ridicularizado, amanhã pode ser lei. Portanto, a pergunta agora não é mais “Que é verdade?”, mas sim, “Quem está com ela, com a verdade?”.

Os devoradores de artigos médicos? Os professores universitários assoberbados de conhecimentos, capazes de ler toda a biblioteca de Alexandria, mas incapazes de saber o significado da palavra AMOR? “Os arrogantes que acham que só têm um ponto de vista que vale: o dele?” Quem?! Por favor, se alguém souber quem é o dono da verdade, envie o nome para meu o e-mail (edilsonpinto@uol.com.br), pois adorarei conhecê-lo.

Afinal, por saber tão pouco – aliás, assim como Sócrates: “Só sei que nada sei!”-, só sei que entre o céu e a terra há mais mistérios do que pode imaginar a nossa vã filosofia, como alertava Shakespeare. Mistérios, que estão além do nosso alcance, da nossa limitada consciência.

Mistérios, que não explicam como um doente pode melhorar apenas com um bom dia, com um aperto de mão, com uma música ou livro lido na sua cabeceira.

Mistérios, citados no artigo do Dr. Sigwart Ulrich, publicado na revista Science, mostrando que doentes operados de vesícula se recuperavam melhor quando a janela do seu quarto hospitalar abria para um bosque, ao invés daqueles cuja janela dava para um estacionamento… Mistérios! Não é à toa, caro leitor, que o julgamento de Hipócrates inicia-se assim: “Juro por Apolo Médico, por Esculápio, por Higéia, por Panacéia e por todos os deuses e deusas, tomando-os como testemunhas…”.

Ele sabiamente percebeu que a fé, a crença, é algo tão importante quanto um bisturi ou um quimioterápico poderoso… Por isso que o Dr. Lown, aquele que ganhou o prêmio Nobel da Paz, certa vez disse: “A melhor cura será aquela que casar a arte com a ciência, quando o corpo e espírito forem examinados juntos”.

Francisco Edilson Leite Pinto Junior é professor, médico e escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. jb diz:

    Por na Harvard School of Public Health, não sei se “Os devoradores de artigos médicos? Os professores universitários [ de MEDICINA ] assoberbados de conhecimentos, capazes de ler toda a biblioteca de Alexandria, mas incapazes de saber o significado da palavra AMOR? vão gostar.

    Medicina do futuro Imprimir E-mail

    Qui, 10 de março de 2011

    Folha de S.Paulo
    Jornalista: CLÁUDIA COLLUCCI

    Como deve ser a formação dos profissionais de saúde nas próximas décadas? Como aproximar os médicos das demais áreas da saúde? De que forma as novas tecnologias de informação vão ajudar pacientes e instituições?

    O debate em torno dessas questões já começou nas mais renomadas universidades do mundo, como Harvard e Cambridge.

    Em artigo publicado no fim de 2010 na revista “Lancet”, 20 pesquisadores afirmam que o atual modelo de formação, que consome anualmente US$ 100 bilhões em todo o mundo, não funciona mais.

    Em junho, a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), entidade que gerencia uma série de unidades de saúde, como o Hospital São Paulo, promoverá um seminário internacional sobre o assunto.

    As propostas vão desde mudanças na graduação – estudantes de medicina cursando disciplinas com alunos de enfermagem, por exemplo-, até a criação de sistemas híbridos de saúde, em que o trabalho em equipe seja mais valorizado.

    DIVISÃO DE TAREFAS
    Algumas iniciativas já delegam atividades, hoje restritas a médicos, a outros profissionais. O Conselho Internacional de Oftalmologia, órgão máximo da área, defendeu em dezembro que médicos treinem técnicos para operar catarata em países pobres. O modelo já está sendo testado na África.

    Na China, há 250 milhões de pessoas com catarata. Para operá-las, seriam necessários 250 mil oftalmologistas no mundo, há 150 mil.

    “É preciso discutir qual será o profissional de saúde do século 21. O modelo da medicina do século 20, hospitalar e fragmentada, talvez não possa mais ser aplicado”, diz o médico Rubens Belfort Júnior, professor Unifesp e presidente da SPDM.

    Hoje, afirma ele, há muitos conflitos entre os diferentes profissionais da saúde. “A única forma de melhorar isso é fazer com que, desde a formação, haja uma cultura de trabalhar juntos em função do paciente em comum.”

    Para Julio Frenk, professor da Harvard School of Public Health e um dos autores do artigo no “Lancet”, os problemas são sistêmicos e se ancoram na formação acadêmica deficiente e na valorização da medicina hospitalar em detrimento dos cuidados preventivos.

    “Os esforços para corrigir isso não prosperaram, em parte em razão do “tribalismo” das profissões, que agem de forma isolada e concorrem umas com as outras.”

    Cláudio Lottenberg, presidente da Sociedade Israelita Albert Einstein, explica que, por causa do excesso de informações, é importante o médico trabalhar com profissionais que tenham competências específicas.

    “Mas é difícil para o médico entender que ele não é o dono do processo. Não é simples para ele, até por traços de formação, saber dividir e admitir que precisa de mais gente para oferecer o que há de melhor para o paciente.”

    Oftalmologista, Lottenberg cita o próprio exemplo: “Parte do tratamento de uma catarata é comigo, mas tem parte que é de uma tecnóloga. Ela liga o aparelho, mede o grau do implante que vai ser colocado etc. ”

    Para Belfort Júnior, só haverá uma real mudança na formação em saúde quando os gestores (como o Ministério da Saúde) colaborarem, informando universidades sobre o perfil de profissional de que a sociedade precisa.

    “Continuamos a ter mais de 90% das vagas de residência em ambiente hospitalar. Falta médico capaz de exercer medicina fora do hospital. Também falta suporte tecnológico para ele atuar.”

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