Por Marcelo Alves
Há uma frase que adoro e sempre repito: “Um homem de espírito nunca se sente só consigo mesmo”. Não sei por que cargas d’água, sempre atribuí essa danada a Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Talvez se deva ao fato de achá-la a cara de “Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister” (1796), que é, de par com “A montanha mágica” (1924) de Thomas Mann (1875-1955), um dos mais célebres “romances de formação” (“Bildungsroman”, em alemão) da história da literatura universal.
Talvez seja apenas porque, assim, lhe empreste o argumento da autoridade. Se a frase fosse ou for minha, disso, de autoridade, teria muito pouco ou quase nada.
Na realidade, não sei nem se o seu conteúdo é verdadeiro. Já passei por maus bocados, solitário, quando estudei/morei fora do Brasil. Bom, muito provavelmente, eu não seja um “homem de espírito” tal qual Goethe se definia. Certamente é isso.
De toda sorte, nestes tempos tão difíceis, eu vou utilizar a sentença do autor de “Afinidades eletivas” (1796) para falar de um excelente tipo de companhia para a solidão: os livros. Os homens de espírito são, de modo geral, muito afeiçoados a eles.
Muito se fala dos benefícios trazidos pelos livros e pela leitura. Castro Alves (1847-1871), em seu poema “O livro e a América”, disse: “Oh! Bendito o que semeia/Livros…livros à mão cheia…/E manda o povo pensar!/O livro caindo n’alma/ É germe — que faz a palma/É chuva — que faz o mar”. Cultura, educação, conhecimento. Coisas tão caras à civilização, mas que hoje, muito frequentemente, são desprezadas por alguns obscurantistas, aqui e alhures. E, para além do conhecimento, os livros, os bons livros, escritos por mentes iluminadas, durante os mais de dois mil anos da nossa história, também nos dão inspiração, sanidade e felicidade. Por fim, eles nos curam de muito males. Inclusive os males de que hoje estamos padecendo.
Por sinal, conheço um livro interessantíssimo, que trata precisamente disso: “Farmácia Literária” (Versus Editora, 2016), de Ella Berthoud e Susan Elderkin. Organizado em forma de dicionário, nele “os leitores podem simplesmente procurar por sua ‘doença’, seja ela agorafobia, tédio ou crise da meia-idade, e encontrarão um romance como antídoto”. E a chamada “biblioterapia” do livro “não discrimina entre as dores do corpo e as da mente (ou do coração). Está convencido de que tem sido covarde? Leia O sol é para todos e receba uma injeção de coragem. Vem experimentando um súbito medo da morte? Mergulhe em Cem anos de solidão para ter uma nova perspectiva da vida como um ciclo maior. Ansioso porque vai dar um jantar em sua casa? [Coisa quase impossível hoje, não?] Suíte em quatro movimentos, de Ali Smith, vai convencê-lo de que a sua noite nunca poderá dar tão errado”.
Nestes tempos bicudos, tão escassos de contatos pessoais, em que, tal qual o “Elefante” de Carlos Drummond de Andrade (1902-1907), estamos ávidos “para sair à procura de amigos”, num “mundo enfastiado, que já não crê nos bichos e duvida das coisas”, quando “não há na cidade alma que se disponha a recolher em si”, do nosso “corpo sensível, a fugitiva imagem, o passo desastrado, mas faminto e tocante”, sobretudo “faminto de seres e situações patéticas, de encontros ao luar, no mais profundo oceano, sob a raiz das árvores ou no seio das conchas”, a melhor companhia/remédio que podemos ter são os livros. Com efeitos colaterais mínimos, juro.
Na verdade, isso vale não só para agora. Na vida, nem sempre podemos ter nossas amadas conosco. Nem nossa família. Ou mesmo os nossos amigos. No frigir dos ovos, para termos qualquer dessas companhias, dependemos da vontade de outrem. E até já foi dito, por um tal Jean Paul Sartre (1905-1980), embora em outro contexto, que “o inferno são os outros”. Já na companhia de um grande livro, com suas narrativas e suas personagens, não dependemos de ninguém. Estaremos sempre bem acompanhados, mesmo estando sozinhos.
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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