• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
segunda-feira - 26/11/2007 - 01:56h

A grande obra

A multidão, que vê tudo isso confusamente e de fora, sem conseguir apreendê-lo, acha às vezes que esse grande homem é um bom homem e um simples. Espanta-se com o contraste…”.(O povo – Jules Michelet)

Os homens são seres nascidos para criar. Não sei quem disse isso, mas é a pura verdade. Pois, mesmo as almas mais medíocres e castradas da nossa sociedade, em algum momento de suas vidas, criam algo. 

Os homens, portanto, são artistas.

E os artistas, antes de tudo, são imitadores – pois a imitação gera prazer – e, nos seus estados lúdicos, ora jogando com os sonhos e ora jogando com a embriaguez, produzem obras trágicas e cômicas. Ou, às vezes, as duas: a tragicomédia.

Diferentemente de Aristóteles – que não conseguia enxergar nenhuma tragédia no cotidiano grego –, eu, vivendo neste espaço de mundo tão pequeno, confesso que, ultimamente, tenho visto mais tragédias do que comédias.

Por isso, neste momento, ao escrever este texto, eu choro. Até por que, como bem lembrava padre Antônio Vieira: se o agricultor quiser colher frutos, ele terá que regar as plantas; se o impressor quiser imprimir as letras, ele terá que molhar o papel e, deve fazer isto com lágrimas, pois imprimirá com os seus afetos e colherá os frutos de suas persuasões.

No entanto, mesmo chorando, tentarei descrever uma obra trágica que está sendo, “brilhantemente elaborada”, por uma artista local. Quem é a artista? Ninguém menos do que a pessoa mais poderosa do nosso estado: a governadora Wilma de Faria. Não! Não estou falando da obra grandiosa, a ponte de todos (??) – a ponte Newton Navarro – que, apesar dos numerosos recursos gastos, em torno de R$ 200 milhões dos cofres do erário público e mais ainda a “pequena” quantia de R$ 1.150.000, para a inauguração – afinal é preciso  espetáculo “pão e circo” para o povo –, não é dessa obra que eu falo.

Enganam-se quem pensa que a maior obra da Governadora seja esse poema de concreto. Existe uma obra, uma criação, que é o poema chamado de “A divina tragédia”, uma imitação perfeita da obra clássica do poeta Dante Alighieri, “A divina comédia”.

Aliás, justiça seja feita, o poema da Governadora Wilma é muito “melhor” do que a obra do poeta italiano, pois retrata, com extrema realidade, até aonde pode ir a crueldade humana… e, já que estamos falando de justiça, para o bem da verdade, temos que dar a César o que é de César: Não foi a Governadora que iniciou este poema, pois esta obra já vinha sendo escrita por outros “poetas criadores”… mas, a Governadora Wilma tomou para si a condução desta obra e, hoje, é impossível não aceitá-la como o autora principal deste poema.

Qual poema? A cópia do inferno de Dante: o corredor do Hospital Clóvis Sarinho – HCS (Meu Deus! O professor Sarinho não merecia isto).  “Deixai, ó vós, que entrais, toda esperança”, deveria ser esta a frase colocada acima da porta de entrada do HCS.

Não, não estou exagerando. Acessem o site do sindicato dos médicos (//www.sindmedrn.org.br) e lá, vocês verão o corredor ao vivo e em cores. Cores escuras, nebulosas e profundas. Ouvirão “o soar de prantos, de ais, de altos gemidos: Línguas várias, discursos insofridos, lamentos, vozes roucas, de ira os brandos, rumor de mãos, de punhos estorcidos”. Pois lá no HCS, “A clemência, a justiça os desdenharam”, desdenharam – e desdenham – dos que ali se encontram.

Os pacientes, agora em filas duplas nos corredores, perfilados nas sujas e enferrujadas macas, com certeza, “nunca tiveram a vida tão desgraçada, Sempre, nuas estando, as torturavam/ De vespas e tavões as ferroadas. Os rostos seus as lágrimas regavam, Misturadas de sangue: aos pés caindo… No chão caindo infectos odor faziam…

A verdade é que então na borda estava, Do vale desse abismo doloroso, Donde brado de infinitos ais troava”… Bem… Toda tragédia tem começo/meio/fim, portanto, não sei como terminará “a grande obra” da Governadora Wilma. O tempo. É claro, o tempo nos mostrará…

Palmas para a Governadora, ela merece…

Francisco Edilson Leite Pinto Junior, Professor, médico e escritor (edilsonpinto@uol.com.br)

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Categoria(s): Fred Mercury

Comentários

  1. Marcos Ferreira diz:

    Meu caro Edilson Pinto,
    Que beleza de ‘pedrada’ você deu nessa apoteose cretina da politicalha wilmiana em torno da inauguração da Ponte Newton Navarro. Ponte essa que a vaidade titânica da senhora governadora Wilma de Faria maculou irremediavelmente com o escroto prefixo ‘Ponte de Todos’, numa desavergonhada referência ao lema de sua escabrosa gestão — ‘Governo de Todos’. É muita náusea para um sartriano só, amigo. Há vários dias eu estava aqui com essa indignação revirando no estômago, mas eis que o seu texto veio suscitar no meu espírito um mínimo de conforto e sentimento de justiça. Parabéns pela excelente página e pelo ‘atrevimento’ de não fazer de conta que não enxerga esse tipo de patifaria que os políticos do Rio Grande do Norte adoram promover a expensas do contribuinte, do cidadão que trabalha, que sua a camisa e que paga os seus impostos.
    Um abraço fraterno,
    Marcos Ferreira.

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