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domingo - 05/05/2024 - 10:30h

A indignidade da vida e a apologia da morte

Por Marcos Araújo

Ilustração IA/Web

Ilustração IA/Web

Dinamogênese é uma expressão que os doutos utilizam para falar sobre a dinâmica da evolução dos seres humanos ao longo da história, especialmente na formação dos seus direitos (sociais, econômicos, culturais, humanos etc.). A partir do processo de consolidação de determinados valores morais e éticos que emergem na sociedade, criamos normas e instituições que se tornam eixos fundamentais no respeito à paz, à convivência e à dignidade humana.

A partir dos acontecimentos que vêm se sucedendo neste primeiro quartel do Século XXI, sociólogos e estudiosos do mundo inteiro têm afirmado que está em curso um processo involutivo civilizatório, comprovado pela degradação daquilo que é a busca maior das sociedades: a dignidade e o respeito à pessoa humana.

Um retrato criminológico da nossa região na semana passada, infelizmente, é uma prova cabal de que há uma visível razão no pensar científico da involução. Em Assú, um assassinato brutal de uma psicóloga apenas para obtenção de uma informação privada; em Fortaleza, a crueldade de uma decapitação dentro de um hospital; em Recife, um porteiro do hospital morto apenas porque o assassino queria chegar logo em casa…No aspecto nacional, uma cobrança de uma dívida, fez uma mãe e dois filhos (um deles formado em Medicina) se arvorarem de justiceiros e invadir uma residência e matar dois idosos. Fico no exemplo brasileiro para não me reportar ao plano internacional, onde povos belicamente desenvolvidos, travam batalhas irracionais como se ignóbeis mentais fossem.

Os sinais que a sociedade planetária lança são preocupantes. Estamos meio a uma crise fundamental, entrando em uma era de barbárie, onde os direitos essenciais se desvanecem (inclusive o de se alimentar). Hoje, milhões de pessoas estão privadas de água potável e de alimento, sem qualquer gritaria da comunidade internacional.

O planeta agoniza com muitas crises simultâneas. Os problemas são comuns às nações, como: o conflito entre as religiões; a ameaça das democracias; o crescimento assustador dos movimentos conservadores e ultranacionalistas; a indiferença e o isolacionismo dos países pobres; as guerras civis e aquelas travadas entre países confinantes… Seres humanos que não reconhecem os outros como humanos.

Estamos no meio de uma emergência humanitária. Contam-se os mortos aos milhares, ou aos milhões? Quem pode calcular as vidas perdidas na guerra entre Israel e a Palestina? Quantos outros milhares morrem diariamente nas águas do Mediterrâneo, tentando chegar à Europa, ou nas trilhas da América Latina para os Estados Unidos? E os conflitos no Haiti, e as vidas perdidas nos países da África subsaariana?

NO ANTIGO TESTAMENTO, a valorização da pessoa humana pode ser percebida na crença de que o homem seria o ápice da criação divina, na medida em que fora criado à imagem e semelhança de Deus. No Novo Testamento, o próprio Cristo ensina que o maior dos mandamentos é amar o próximo como a si mesmo. Pensar que o outro também é fruto da criação de Deus e que isso nos torna fraternalmente irmãos, foi um equalizador social por séculos. Não mais.

Escutamos todos os dias esta reprodução bíblica nas pregações televisivas e nos discursos apologéticos de líderes religiosos, que inexplicavelmente mantêm-se inertes e silentes aos crimes coletivos cometidos pelos governantes e agentes capitalistas da dominação econômica.

A fraternidade universal nos adverte que a vida em comum é uma construção que depende de nós, uma realidade originaria e ideal a alcançar. A desobediência ao direito natural de viver e conviver em paz compromete o que é mais emblemático na existência humana: a dignidade. Não pode ser considerada digna uma vida que se baseia na cultura da morte. Todos os dias descemos um degrau no patamar do mínimo civilizatório.

Viramos expectadores do crime, rezando a Deus para que não sejamos expostos a um dos seus dantescos cenários. Tenho minhas dúvidas se ainda conseguiremos a formação de uma consciência moral coletiva acerca da retomada da evolução da humanidade.

Resta-nos a esperança. E a contribuição individual que musicou Ivan Lins: 

“Depende de nós

Quem já foi ou ainda é criança

Que acredita ou tem esperança

Quem faz tudo pra um mundo melhor

(…)

Depende de nós

Se esse mundo ainda tem jeito

Apesar do que o homem tem feito

Se a vida sobreviverá”

Marcos Araújo advogado e professor da Universidade do Estado do RN (UERN)

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. VITAL NOGUEIRA DE SOUZA diz:

    Excelente o artigo do Professor Marcos Araújo. Ele nos alerta sobre a falta de humanismo que está em desenvolvimento neste primeiro quartel do século XXI. As guerras e os crimes brutais em curso comprometem a imagem do ser humano como alguém civilizado e racional. As pessoas de bem precisam agir em defesa da paz e da boa convivência humana para evitar que a barbárie derrote todos nós.

  2. Carlos Araújo diz:

    Concordo em gênero, número e grau, à exceção de que o conservadorismo está radical. Ele está sendo buscado das entranhas da libertinagem extrema, da exarcebação sexual, da falta de caminhos para a família. A esquerda não é mais esquerda para combater o coronelismo, o farcismo, a tirania. Ela está lutando hoje para fazer valores extravagantes e sem significado da vida, a exploração do corpo mais que do espírito.

  3. ODA GLECIA FERNANDES DE ARAUJO diz:

    Texto perfeito! Uma análise acurada, do que vivenciamos na atualidade.

  4. Marcos Ferreira diz:

    Parabéns, meu querido xará.
    Você às vezes demora a dar o ar da sua graça neste espaço, mas quando vem, vem com tudo, sempre com algo que vale a pena cada instante de nossa leitura. Aqui, a exemplo de outros textos seus, você nos oferece uma abordagem pertinente quanto necessária. Partilho da sua visão de mundo e de sociedade. Sinto essa mesma apreensão (profunda decepção) no tocante aos resquícios de uma civilização tão voltada, tão vocacionada para a barbárie. Na verdade, meu amigo, tenho dúvidas de que a criação do bicho-homem foi uma boa ideia, uma coisa que deu certo. Este lindo planeta sofre horrores por conta de nossas ações predatórias, destrutivas. Que o Todo-Poderoso tome as rédeas e, como supostamente fez no tempo daquelas outras trevas, mostre quem é que manda. Porque as triviais orações do sumo pontífice não têm resultado em absolutamente nada.
    Forte abraço, saúde e paz.

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