domingo - 31/05/2020 - 11:00h

A mulher e o isolamento social

Por Zildenice Guedes

Anteriormente discutimos como a pandemia tem diversas dimensões (veja AQUI). Hoje, o propósito desse artigo é discorrer sobre como esse momento de distanciamento e isolamento social tem impactado diretamente às mulheres.

Nós mulheres, comumente somos desenhadas como frágeis, delicadas, fracas e indefesas, contudo, isso é distante para a realidade da maioria das mulheres. Em geral, somos nós que ficamos sempre quando os outros decidem partir. Somos nós que cuidamos dos nossos até o último suspiro.Somos nós que todos os dias enfrentamos duras jornadas sem nos dar o privilégio de questionar se realmente suportamos essa sobrecarga. Os dados por si já provam que a realidade para as mulheres é completamente distante desses estereótipos. Vamos lá.

Referente à população, somos a maioria em números, representando 51,7% da população brasileira, e 70% no número de profissionais da saúde que estão na comissão de frente no combate ao COVID-19 (VIEIRA; GARCIA; MACIEL, 2020).

São as mulheres que chefiam 28,9 milhões de lar no Brasil. Sobre o fator sobrecarga, há um acúmulo de atividades para as mulheres, pois há uma desigual divisão das tarefas, colocando em evidência a invizibilização e não remuneração das atividades realizadas pelas mulheres (OXFAM, 2020).

As mulheres são brutalmente mais afetadas pela crise ocasionada pela pandemia por muitos fatores, dentre eles: além da atuação em hospitais e frentes de trabalho, são as mulheres cuidadoras de idosos, empregadas domésticas, e lamentavelmente, submetidas a abusos e violência doméstica. Vale lembrar que a primeira vítima de Covid-19 no Brasil foi uma mulher que aos 65 anos de idade percorria 120km para trabalhar como empregada doméstica.

Assim, esse momento, tem imposto às mulheres uma jornada dupla ou tripla de trabalho, pois é relegado a mulher zelar pelo lar, sendo isso sinônimo de lavar, passar, cozinhar, cuidar dos filhos, etc. Assim, o isolamento social tem configurado para as mulheres uma sobrecarga de trabalho, ao passo que muitas economicamente, continuam dependentes dos homens.

Muitos problemas têm se intensificado nesse cenário. Dentre eles, o aumento da violência doméstica contra mulheres e meninas. As denúncias em diversos países triplicaram, exemplo da China, França, Itália e Espanha (VIEIRA, GARCIA; MACIEL, 2020).

No Brasil, o cenário não é muito diferente, os dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos apontam que houve crescimento de 18% no número de denúncias. No RN houve um aumento alarmante, o aumento foi de 258,7%, enquanto que as ações criminosas aumentaram 300% (OBVIO-RN).

Outro dado apresentado pela OXFAM e ONU Mulheres, aponta que na América Latina 54% das mulheres estão trabalhando na modalidade informal. Segundo a OIT 14 milhões de mulheres trabalham como domésticas, nesse momento, elas correm o risco ao não terem a opção de parar de trabalhar (OXFAM, 2020).

Uma citação em especial me motivou a escrever esse texto, trata-se de Éstes (2018, p. 15), ela diz: “A mulher moderna é um borrão de atividade. Ela sofre pressões no sentido de ser tudo para todos”. Eu olho para essa frase e não encontro nada mais propício a esse momento que estamos vivendo da história da humanidade.

Há muito que nós mulheres somos relegadas às lutas e batalhas, cuidar, proteger, prover, aquecer e trazer sombra, são sempre expectativas que giram ao nosso redor e alimenta os que estão a nossa volta no sentido do que podemos dar. A forma predatória com que nós mulheres somos tratadas é típica dos que não nos conhecem, desconhecem nossas essências, fragilidades, grandezas e potenciais também. Esse momento da história que estamos vivendo, é significativo nesse sentido.

É importante observar que esses problemas vindos à superfície nesse momento de pandemia e isolamento sempre estiveram diante de nós. Contudo, foi mais fácil ignorá-los. E é nesse momento que sentimos o quanto faz falta políticas públicas condizentes e coerentes que atendam a população.

O que a crise do coronavírus vem evidenciar é o processo histórico a que é subjugado a mulher, as desigualdades econômicas e de gênero.

Trata-se, portanto, de uma sobrecarga imposta histórica e socialmente às mulheres. Mudanças? Sim, precisamos. Contudo, ela não vem sozinha. Outras nos antecederam e nos mostraram que quando nos unimos, nos fortalecemos. Que mais vozes ecoem para denunciar e penalizar os que se levantam contra os direitos das mulheres.

Zildenice Guedes é professora-doutora em Ciências Sociais pela UFRN

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Lair solano vale / médico diz:

    Me acho um bom companheiro de Magnólia nesses 36 anos de casamento. A quarentena me ajudou a valorizar ainda mais a Enfermeira que sai para ser plantonista 3 x por semana.
    Aprendi a lavar roupa e cada vez mais ajudo na luta diária. Lavar louça é terapia antiga.

  2. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Excelente Artigo, Zildenice Guerra . Felizmente, em minha vida os afazeres são bem divididos. Na verdade, houve um divisor de águas, quando precisei quase me mudar de cidade para tratar do Inventário de meu pai. A partir daí, ficou muito visível e sensível o peso de minha ausência. Eu mesma fiquei impressionada com as responsabilidades sobre meus ombros. Não as sentia. Digo que foi divisor de águas porque cada um da casa foi cuidar de suas atribuições, o que eu amava fazer, sem sentir dor, muito feliz. Hoje, em meio à pandemia, há perfeita divisão de tarefas. Os médicos da casa cozinham, lavam louça e passam as roupas. As minhas tarefas foram reduzidas porque estou com suspeita de fratura na mão direita. Escorreguei numa faxina.
    No entanto, Zildene, durante toda minha vida exerci papel importante na condução da família. Minha palavra era quase lei, sempre com doçura e segurança. Independentemente de minha profissão, meu olhar controlador discreto era permanente sobre meus filhos, hoje grande orgulho em minha vida. Todos formados e concursados.
    Nunca fui autoritária, mas, sutilmente, segurei as rédeas no rumo da casa. Meu marido que trabalhava muito, jamais se acanhou diante da soberania de minha voz. Incentivava isso, até.
    Concordo que a união feminina derrube esse quadro de submissão antigo e atual. Mas, mesmo antes de qualquer união, vale dizer que há como nos impormos, desde o início de qualquer relacionamento e, se não conseguirmos, que mandemos às favas o macho opressor. Este último é dispensável em nossas vidas.
    Parabéns!

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