Frequentemente, em contato com os jovens ou pessoas interessadas em desvendar os processos da criação, sou interrogado sobre os bastidores do meu trabalho, o que me leva a refletir permanentemente acerca deste complexíssimo assunto, sobre o qual, se somos capazes de levá-lo a sério, pensamos, pelo menos uma vez ou outra, como forma de autoconhecimento.
Geralmente respondo-lhes que não há receita, pois a criação é individual e depende, em vários graus, da cultura e do temperamento do escritor, que lhes motiva a visão do mundo e o modo particular e único que cada um tem de encarar os problemas da criação e da vida.
É claro que um aspirante a escritor, sem bagagem humanística variada e sólida, já começa evidentemente em desvantagem em face de outros que pesquisaram, buscaram, reuniram, acumularam informações e experiências, o que só podemos adquirir – como os autodidatas — com humildade e sacrifício.
Creio que Borges pensava nisso quando escreveu aquele formidável verso sobre a verdadeira estirpe do poeta, cuja obra seria o resultado de humilhações e angústia…
A propósito, lembro-me aqui do que Mário de Oliveira escreveu sobre o talento:
Em cada mil, cem;
Em cada cem, dez;
Em cada dez, um:
Mas esse um tem que suar
Como se dez; como se cem;
Como se mil.
Não me parece possível escrever com qualidade e pertinência, sem curiosidade, disciplina e esse suprimento básico de informações, sobretudo se considerarmos, como bem o disse Baudelaire, mestre de todos nós que escrevemos, que “os livros nascem dos livros”… E, a obtenção de informações custa não apenas em recursos materiais, mas em tempo, em renúncia e dedicação exclusiva.
Por que a arte, como sabemos, é tirânica e nunca se dá por satisfeita, o que, em principio, já seleciona previamente o número de aspirantes a escritores e artistas. Refiro-me àqueles para os quais a criação não é mero diletantismo de entediados que buscam dar vazão às frustrações íntimas através de escritos que acabam destinados à lixeira, pois não contém aquelas parcelas de experiência e de arte, necessárias à elaboração de uma obra digna de sobreviver ao seu autor.
Sempre, em todas as épocas, o número de diletantes superou o dos verdadeiros criadores, ou seja, daqueles escritores e artistas cônscios do que criam, o que requer um árduo trabalho, uma paixão ininterrupta e egoísta, às vezes, sem gratificação possível, pois – disse-o Baudelaire – o reconhecimento é um relógio que se atrasa em relação ao gênio. Por isso, quase todo grande artista, é póstumo.
Não se é grande escritor por decreto ou vontade alheia. Ele se faz na solidão e no silêncio, longe dos holofotes, dos coquetéis e confraternizações que afagam o ego e cevam a vaidade, mas constituem apenas manifestações de mundanidade superficial e improdutiva.
Nada têm a ver com a verdadeira arte literária, aquela que se faz de cultura, experiência e intuição. Afinal não podemos servir a dois senhores nem assoviar e chupar cana ao mesmo tempo. O escritor é, noutras palavras, um ser resignado à solidão.
Quem ultrapassa essa linha divisória é o diletante “que quer brilhar”, para satisfação do ego que se nutre do fátuo e do irrisório. Não o escritor autêntico, para quem as honras e as exterioridades são ouropéis inconsequentes.
Quem consagra, na verdade, é o Tempo.
Franklin Jorge, jornalista e escritor – franklinjorge@yahoo.com.br
muito bom, carlos santos, ler franklin jorge aqui neste Blog.