segunda-feira - 11/05/2009 - 14:52h

A “potencialização” do “proibido” no caso Fátima Rosado-Ruth

Ao leigo (como eu), a discussão jurídica que coloca em jogo o mandato da prefeita reeleita Fátima Rosado (DEM) e da vice Ruth Ciarlini (DEM), parece um emaranhado de fórmulas químicas. Tudo é confuso e sombrio.

Difícil saber se há em jogo a busca de uma razão de justiça ou mera extensão do prélio político, carregado de interesses inconfessáveis.

Cada lado tem arguições próprias e o Judiciário em si oscila de um lado para outro, vacilante. Portanto como esperar que o cidadão comum compreenda o que realmente acontece?

A prefeita pode ser cassada por ter participado de um evento público em plena campanha eleitoral. Oposição e Ministério Público concordam que ela desobedeceu o artigo 77 da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições). A sanção, ou pena, é a perda do registro de candidatura.

Na primeira instância eleitoral o juiz da 34ª Zona Eleitoral, Francisco Seráphico, não titubeou. Para ele, era “incontroverso” (ou seja, sem dúvidas) que a candidata à reeleição infringira a norma e teria de perder o direito à disputa. Assim sustentou o magistrado em sentença no dia 16 de agosto de 2008.

No TRE, a compreensão foi diferente e a decisão terminou reformulada, com base na tese da “potencialização”. Implicitamente, os desembargadores eleitorais por 6 x 1 admitiram que teria acontecido o deslize – intencional ou não – de Fátima Rosado.

O relator do processo no TRE, Fábio Hollanda, utilizou uma espécie de “régua” virtual para medir os efeitos do incidente sobre o eleitorado. No entendimento dessa corte, a norma fora ferida, mas sem que significasse favorecimento à prefeita na briga pelo voto.

O artigo 77 não tem meio termo. É cristalino até para quem não entende o juridiquês: “É proibido aos candidatos a cargos do Poder Executivo participar, nos três meses que precedem o pleito, de inaugurações de obras públicas". 

O "proibido” não precisa ser traduzido. Ã‰ algo "vedado", fechado. Não existe atalho a outras deduções no documento normativo. Em seu parágrafo único, ele assinala o seguinte: “A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro.”

Inexiste qualquer ressalva que favoreça a quem o atropela. Cassação e pronto.

O Legislativo procurou tornar menos desigual a concorrência entre o detentor de cargo público e seu opositor, quando criou a norma. Se inoculasse alguma exceção no artigo, logo a negaria como um todo, dando brechas ao delito.

O argumento da potencialização ajuda a sedimentar a fama de que a legislação brasileira é um emaranhado de bizarrices e ambigüidades. Veio para confundir e não para se explicar, num bordão bem Abelardo Barbosa, “Chacrinha”, histriônico apresentador de TV – já falecido.

No universo jurídico, é sabido, alguns termos tem entendimento polissêmico e até em conflito com o mundo real aqui de baixo. Contudo vedar lá e cá tem o mesmo sentido.

Quando o cidadão contrata um encanador para tapar o gotejamento numa pia, lógico que está pactuado um serviço de excelência: não pode ser “meio vedamento”, a oportunizar que vaze algum líquido. É proibido continuar o pinga-pinga ou o jorrar diluviano.

Num laudo cadavérico, o médico-legista ao descrever perfurações à faca num corpo aponta que a lâmina transpôs a epiderme, derme e a hipoderme. Mas seria hilariante que não considerasse como facada, os sinais corpóreos que revelassem perfurações de menor profundidade no emprego desse tipo de arma.

Não existe “meia facada”.

Temos a figura da “lesão corporal”, que é o dano à integridade física de alguém, sem lhe causar morte. A ninguém é permitido esfaquear outrem. A menos que seja numa condição excepcional, como a legítima defesa. Eis a ressalva.

No caso do artigo 77, não há exceções. Nenhuma ressalva, por menor que seja. Porém no meio do caminho tem uma potencialização, tem uma potencialização no meio do caminho.

Acompanhando como leigo (lembro) esse lengalenga, não posso deixar de recorrer ao lendário coronel Chico Heráclito do sertão pernambucano e seu conceito sobre lei no Brasil: “Quando é forte a gente passa por baixo, quando é fraca a gente passa por cima”.

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Categoria(s): Blog

Comentários

  1. Marcos Lucena diz:

    E se Fafá for cassada, que na verdade precisa ser, e não passar por cima das leis, quem assume é o segundo colocado na eleição, pois a primeira colocada não obteve os 50% mais 1. Daí, a soma do segundo colocado mais o terceiro ultrapassa os 50% mais 1 e não haverá novas eleições.

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