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domingo - 31/10/2021 - 13:22h

A revolução da fruticultura irrigada e o papel científico de uma instituição

Por Josivan Barbosa

Faltam menos de 30 dias para a realização da Feira Internacional da Fruticultura Tropical Irrigada (EXPOFRUIT) 2021. Uma questão que vamos precisar explicar para os nossos visitantes é como a região polarizada por Mossoró conseguiu se tornar competitiva no negócio de frutas tropicais ao ponto de conquistar mercados exigentes como o dos EUA e da União Europeia.

O sucesso da nossa agricultura irrigada passa por muitas mãos, mas não podemos esquecer do pioneirismo de empresas como a MAISA, Frunorte, Agro Now, Fazenda São João e o grupo dos japoneses que saiu de São Paulo para Petrolina e depois veio para a região de Baraúna.

Esam, que viria a se transformar na Ufersa, foi referência importante na revolução da fruticultura irrigada (Foto: Web)

Esam, que viria a se transformar na Ufersa, foi referência importante na revolução da fruticultura irrigada (Foto: Web)

Muitas pessoas perguntam quais as razões do sucesso da agricultura irrigada nas microrregiões do Médio Jaguaribe (CE) e Médio Oeste (RN) e outras circunvizinhas. No início dos anos 80, havia apenas uma agroindústria de sucesso na fruticultura, a MAISA (Mossoró Agroindustrial SA) que cultivava caju.

Na microrregião do Vale do Rio Açu (RN), as experiências com a fruticultura estavam apenas se iniciando, pois a região apresentava sérias limitações com água, o que melhorou a partir da inauguração da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves no ano de 1982. Nas microrregiões do Médio Jaguaribe (CE) e Médio Oeste (RN), não havia experiências de êxito ligadas à atividade de produção de frutas irrigadas.

O papel da ESAM

Sem querer atribuir o sucesso unicamente aos esforços da então Escola Superior de Agricultura de Mossoró (ESAM), hoje, Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), é preciso reconhecer que, obrigatoriamente, esta instituição teve importância ímpar no processo.

Em 1979, a direção da antiga Esam conseguiu aprovar, juntamente com mais cinco universidades do Nordeste, que tinham competência instalada na área de Ciências Agrárias (UFC, UFPI, UFRPE e UFPB), um importante projeto de desenvolvimento tecnológico dentro do Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Nordeste (PDCT). A instituição foi contemplada com recursos da ordem de 45 milhões de dólares por um período de cerca de seis anos.

Os recursos eram provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Governo Brasileiro, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na proporção de 1:1. Foi o maior projeto da história dessa instituição de ensino superior. Os principais benefícios para o desenvolvimento da nossa instituição foram esses:

  • Contratação de 110 profissionais de nível médio e superior (laboratoristas, engenheiros agrônomos, trabalhadores de campo, motoristas, técnicos de informática e técnicos agrícolas)
  • Construção dos Laboratórios de Água, Solos e Hidráulica
  • Construção da Biblioteca Central Orlando Teixeira
  • Aquisição de inúmeros equipamentos científicos de apoio à pesquisa
  • Ampliação do Laboratório de Sementes
  • Ampliação dos Laboratórios de Alimentos
  • Instalação de módulos demonstrativos de irrigação nos municípios de Touros, João Câmara, Mossoró, Baraúna, Gov. Dix-Sept Rosado, Pau dos Ferros, São Miguel, Zé da Penha e Rafael Fernandes. Os módulos eram instalados em áreas particulares, após rígido trabalho de seleção dos beneficiados feito pelos pesquisadores.

Experimentos da Esam

A instituição instalou experimentos de pesquisa em várias microrregiões do Estado. Cada módulo demonstrativo era composto de uma área irrigada (2 a 4 hectares de fruteiras – banana, mamão, goiaba, graviola e maracujá), apicultura, sequeiro (capim buffel) e caprinos (10 matrizes e um reprodutor).  Após três anos de instalação dos módulos, eram feitas avaliações. A área de sequeiro mostrou-se ineficiente. A única área de sequeiro que revelou bom rendimento para o produtor foi o plantio de abacaxi no município de Touros (RN).

O abacaxi foi testado na área do Sr. José Joventino.  Aquele produtor cultivou o abacaxi com sucesso por vários anos. Em Touros já havia uma experiência de sucesso de um produtor oriundo do município de Sapé (PB). Na época, a região plantava apenas 180 hectares de abacaxi. Após os trabalhos de pesquisa desenvolvidos pelos técnicos da antiga Esam houve um considerável aumento da área cultivada com abacaxi, atingindo o pico de cerca de três mil hectares no início da década de 2000, incluindo os municípios de Ielmo Marinho, Pureza e Touros.

Nas áreas de sequeiro com capim buffel e algaroba não houve registro de nenhum caso de sucesso. A apicultura foi regular e o destaque ficou por conta das áreas irrigadas, nas quais o produtor conseguia excelentes rendimentos. Um bom exemplo de sucesso foi o plantio de bananeira em consórcio com tomate. Uma das culturas que, também, mostrou excelente rendimento foi o mamão formosa. A cultura que se mostrou mais rentável para o produtor foi a banana, seguida de goiaba, graviola, mamão e maracujá. O sistema de irrigação utilizado era o xique-xique (mangueira de polietileno com furos e vazão de 45 – 50 L/h).

Pesquisas de sucesso

O sucesso obtido nos experimentos da Esam com a cultura do mamão, é, em parte, responsável pelo incremento no cultivo desta fruteira nos últimos anos nos Estados do RN e Ceará.  O cultivo do mamão formosa ampliou-se das microrregiões de Mossoró (RN) e, mais especificamente, no município de Baraúna e no Baixo Jaguaribe (CE), incluindo os municípios de Quixeré e Limoeiro do Norte, para as microrregiões do Vale do Açu, Upanema, Apodi, Felipe Guerra, entre outras.

Um dos maiores produtores dessa fruta em Baraúna (RN), era o engenheiro agrônomo Wilson Galdino de Andrade, agrônomo egresso da antiga Esam e, não por coincidência, o técnico executor das pesquisas nos módulos instalados no projeto piloto em 1979.

Na região Agreste (RN), no município de Ceará Mirim, no início dos anos 2000 se instalaram três conceituadas empresas produtoras de mamão papaia (Caliman, Gaia e Batia) cuja produção era predominantemente exportada pelo Porto de Natal para a Europa e Estados Unidos. A agroindústria Caliman chegou a se instalar, também, na região de Baraúna, com infraestrutura para exportar mamão formosa para a Europa.

O mamão Formosa produzido no Polo de Agricultura Irrigada RN – CE possui qualidade diferenciada (formato do fruto, cor e teor de açúcar).

Banana

No caso da banana, as áreas produtoras do Vale do Açu e Chapada do Apodi (Baraúna, Quixeré e Limoeiro do Norte) possuíam antes de 2012 uma área instalada acima de cinco mil hectares. Na primeira predominava o cultivo de bananeira para o mercado externo (Mercosul e Europa) e na segunda o cultivo era direcionado para o  mercado interno. Antes de 2012, somente uma agroindústria (Frutacor) instalada em Quixeré produzia individualmente, 1.200 hectares e mais 600 hectares, terceirizados, de pequenos produtores agregados.

Atualmente, o cultivo de banana para exportação foi reduzido tanto no Vale do Açu quanto na Chapada do Apodi.

No Vale do Açu, os problemas de cheias e ventos provocaram a redução das áreas e na Chapada do Apodi (Limoeiro do Norte) a redução deu-se em função da limitação de água do canal de irrigação do Distrito Irrigado Jaguaribe-Apodi (DIJA). Os problemas hídricos comprometeram a qualidade da banana para o mercado externo e foram responsáveis pelo deslocamento das empresas para áreas.

Outras fruteiras

As outras fruteiras (goiaba e maracujá), como demonstrado nas pesquisas feitas pela Esam começam a ganhar importância na região. A goiaba é uma fruteira muito cultivada em Petrolina (PE), mas os pomares instalados naquela região têm sido dizimados por nematoides.

O maracujazeiro amarelo foi plantado em grande escala, no final da década de 80 pela Maisa, mas devido a alta incidência de pragas, principalmente fusariose, a empresa foi obrigada a erradicar a cultura. No Rio Grande do Norte a cultura do maracujá está em expansão. Há vários cultivos novos instalados nos últimos anos nas microrregiões de Baraúna, Assu e Upanema.

A graviola ainda é pouco cultivada e há poucos plantios nessas microrregiões. O cultivo é direcionado para a produção de polpa para atender ao mercado regional.

Evolução da Agricultura Irrigada

  • Anos 1960 / 70 / 80: Incentivos do Estado para o estabelecimento de grandes empresas produtoras (projeto modernizador), através de crédito subsidiado, investimentos em infraestrutura e projetos de irrigação.
  • Anos 1960 / 70 / 80: Surgimento e desenvolvimento de grandes produtores em Mossoró e no Vale do Açu, com fortes incentivos do Estado através de créditos altamente subsidiados;
  • Anos 1980: início da produção de melão na região, que consegue ótima adaptação, rapidamente disseminando-se entre os grandes produtores;
  • Anos 1980: Chegada à região da tecnologia de fertirrigação por gotejamento, proveniente de Israel, que rapidamente difunde-se entre os produtores locais;
  • Anos 1990: Intensificação do processo de modernização e da integração do Polo ao mercado internacional.
  • Anos 1990: Aumento do número de produtores de médio porte atuando no Polo, utilizando-se da subcontratação para exportação, por intermédio das grandes empresas.
  • Anos 1990: novas exigências de qualidade e padrões produtivos no mercado internacional, através da exigência de certificações para exportação.
  • 2002 / 03: Encerramento das atividades da MAISA, Fazenda São João e FRUNORTE.
  • 2002 / 03: NOLEM passa a ocupar a liderança na produção de melão no Polo.
  • Década de 2000: Através da absorção de conhecimentos oriundo da rede formada pelos diversos agentes que atuavam na atividade nessa região, produtores de médio porte expandem capacidade de exportação direta, reduzindo dependência de subcontratação de grandes empresas.
  • Década de 2000: Expansão dos negócios da Agrícola Famosa.
  • Década de 2000: Atuação conjunta de alguns grupos de produtores de médio porte no intuito de viabilizar a exportação direta.
  • 2008 / 09: Encerramento das atividades da NOLEM e da Del Monte e reposicionamento da Agrícola Famosa como empresa líder na produção e exportação de melão do Polo.
  • Década de 2010: Agrícola Famosa assume a liderança no Polo. Demais exportadores são considerados, em sua grande maioria, de médio porte.
  • 2013: Retorno das exportações de melão e melancia para os Estados Unidos
  • 2020: Liberação comercial para exportação de melão para a China.

Ramal do Salgado

Há poucos dias, o Governo Federal lançou a obra do Ramal Salgado no nosso vizinho Ceará e que será uma ramificação do canal Apodi-Mossoró, última etapa do Projeto de Integração do São Francisco (PISF). O Ramal do Salgado encurtará em cerca de 150 quilômetros a viagem das águas do São Francisco até o açude Castanhão.

O Ramal do Apodi/Salgado é o trecho final do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco e terá 115,3 quilômetros de extensão. A água será transportada por gravidade a partir do Reservatório Caiçara, na Paraíba, até o Reservatório Angicos, já no Rio Grande do Norte. A vazão será de 40 m³ por segundo até o quilômetro 26, de onde deriva o Ramal do Salgado, que levará as águas para o estado do Ceará. Após essa derivação, a vazão será de 20 m³ por segundo.

Ramal do Apodi beneficiará 48 cidades no Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba (Foto: Adalberto Marques/MDR)

Ramal do Apodi beneficiará 48 cidades no Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba (Foto: Adalberto Marques/MDR)

O Salgado é um rio de nascente no Cariri Leste (município do Crato) com vários afluentes na nascente. Do Sul do Ceará o rio segue até o município de Aurora onde é beneficiado com uma barragem e em seguida passa por Icó (beneficiado com uma ponte) e, entre Icó e Orós o rio Salgado entra no Rio Jaguaribe. A partir daí as águas do Rio Salgado passam pelo município de Jaguaribe e seguem para o Castanhão.

A construção do Ramal do Salgado encurta em cerca de 150 km a chegada de água no Rio Jaguaribe em relação ao eixo Norte do projeto original e, assim, reduz também as perdas por infiltração que ocorrem ao longo dessa extensão.

O projeto do Ramal do Salgado

O Trecho III é o Ramal do Salgado que será outra alternativa de entrega de água para o Ceará pelo rio Salgado. Ele é derivado do Trecho IV, o Ramal do Apodi, que é o Trecho que beneficiará a bacia hidrográfica do Apodi/Mossoró onde se situa o seu município. O Ramal do Apodi desenvolve-se próximo à divisa dos estados da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, partindo do reservatório Caiçara, componente do Trecho II do Eixo Norte, localizado no município de São José de Piranhas na Paraíba, e seguindo em direção ao Estado do Rio Grande do Norte.

As obras deste trecho têm uma extensão aproximada de 115,3 km até o ponto de entrega no Açude Público Angicos (em José da Penha-RN), já na bacia do rio Apodi, no Rio Grande do Norte. Sua função se concentra no atendimento da bacia do Rio Apodi, nas suas regiões do Alto, Médio e Baixo Apodi (microrregiões: Serra de São Miguel, Pau dos Ferros, Umarizal, Médio Oeste, Chapada do Apodi e Mossoró), além das demandas difusas distribuídas ao longo do traçado entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

O Trecho em questão teve alterações de projeto em relação ao Projeto Básico com mudança da vazão máxima de 20,0 m3/s em toda a sua extensão, para, no trecho inicial, até o km 30,2, transportar no máximo 40,0 m3/s. Desta forma, todas as obras concebidas no Projeto Básico para este trecho inicial do Trecho IV (26,6 km de comprimento) até a tomada de início do canal do Trecho III foram reprojetadas passando a comportar a vazão de 40,0m³/s. Neste ponto, são derivados 20 m3/s para o Trecho III (Ramal do Salgado) e o Ramal do Apodi segue com as dimensões originalmente projetadas para a condução da vazão máxima de 20 m3/s até o final de sua extensão, em seu deságue no Reservatório Angicos.

Josivan Barbosa é professor e ex-reitor da Ufersa

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. A de Andrade diz:

    Faltou prolixo na sua qualificação. Uma síntese melhora o texto, fica menos chato.

  2. Joacir Rufino de Aquino diz:

    Ótimo artigo! Todavia, vale lembrar 2 pontos: i) a inauguração da barragem Armando Ribeiro foi em 1983 e não em 1982; e ii) a Del Monte não interrompeu suas atividades no Vale do Açu em 2008-09, mas apenas parou de exportar bananas, encerrando quase completamente suas operações na microrregião recentemente. Finalmente, sem entrar nas importantes questões sociais e ambientais, talvez seja pertinente relativizar o “sucesso econômico” da fruticultura potiguar. Isto porque, historicamente, o fechamento sucessivo de empresas (ou a saída do nosso território) tem sido um aspecto recorrente.

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