Por Marcos Ferreira
Falou-me que completou quarenta e quatro em maio. Sete anos mais novo e uns quinze centímetros mais alto que eu, que possuo um metro e sessenta e sete. Também está em guerra com a balança, no entanto não se furtou a comentar o meu sobrepeso, ele mesmo exibindo uma barriguinha saliente.
Encontrei-o na última terça-feira numa clínica localizada no Centro, quando fui a mais uma consulta com o meu endocrinologista. Ele fazia exames de rotina, aproveitando, como de costume, as férias da empresa, oportunidade em que retornou a Mossoró para revisitar familiares e amigos em sua terra de nascimento. Eu, entretanto, não tinha notícias dele há bastante tempo. E, de imediato, como não poderia deixar de ser, apercebi-me da sua atual condição de amputado.Esforcei-me para não transparecer o meu choque e estarrecimento. Por cerca de duas décadas fora meu vizinho no Conjunto Santa Delmira, além de um dos mais assíduos e competitivos atletas de voleibol amador do bairro. Magro, com boa envergadura e impulsão, era difícil pegá-lo no bloqueio.
— Você não perguntou, mas eu vou lhe dizer — começou ele. — Foi um acidente de carro. No dia 3 de outubro de 2015.
Estando a clínica quase cheia, tivemos uma boa conversa de uns trinta minutos, o suficiente para que eu me inteirasse de alguns acontecimentos da vida de Inácio. Sim, Inácio Luís dos Santos, seu nome completo. Contou-me, por exemplo, que na noite do acidente foi assistido pela própria esposa, que é médica socorrista do Samu. Alcoolizado ao volante, após confraternização com colegas do sindicato, ele capotou o carro nas imediações do Aeroporto Tancredo Neves.
— Amigo, fiz besteira! — admitiu.
Fiquei perplexo, sem palavras. Porque escritor também fica sem palavras. Enquanto isso, sem máscara, pois ele argumentou ter contraído o vírus em março do ano passado, cumprindo quarentena totalmente assintomático, Inácio Luís falava pelos cotovelos. A seguir, alargando aquele sorrisão:
— O pior de tudo foi a tatuagem!
— Como assim? — espantei-me.
Ele, risonhamente, explicou-me:
— Havia dois meses eu mandara fazer uma tatuagem com os rostos dos meus filhos e da minha esposa nessa parte toda, do ombro até o antebraço. Custou-me mil e oitocentos reais, mas ficou uma coisa linda.
— Que pena, Inácio — murmurei.
A perda do membro, amputado na altura do ombro, não lhe impôs nenhuma depressão ou desgosto diante da vida. Queixou-se tão somente, com um resquício de abatimento, do ponto final que aquele desastre pusera em sua presença nas quadras de vôlei. Em instante algum observei uma nota de tristeza em sua voz. Pelo contrário. Agora com um único braço, o esquerdo, pôs a mão sobre meu ombro e pareceu a mim pretender confortar pela desventura que era dele.
— Tudo bem. Deus sabe o que faz.
E eu, sem nada melhor a lhe dizer:
— Isso é verdade, Inácio. Ele sabe.
Durante aquele nosso inesperado encontro e esclarecedora conversa (suponho que grande parte era acompanhada com o rabo do olho por uma senhora ruiva e rechonchuda ali próximo, cuja expressão me fez crer que estivesse incomodada pelo fato de que Inácio não usava máscara), falamos sobre vários assuntos: esporte, amigos, saúde, pandemia, família, política, trabalho, etc.
Ele deixou esta cidade, segundo contou, em 2003, indo de mala e cuia para São Mateus, no Espírito Santo, ao ser aprovado em concurso da Petrobras para a função de operador de campo. Ali deitou raízes, contraiu matrimônio, gerou dois filhos e seguiu praticando vôlei em solo espírito-santense.
Relatou umas limitações e desafios:
— Tudo mudou drasticamente. Tive que aprender e reaprender um monte de tarefas básicas. Dificuldade para realizar as coisas mais simples do nosso cotidiano, como escovar os dentes, fazer a barba, tirar ou vestir uma roupa, escrever meu nome. Desde então venho praticando minha assinatura com a esquerda, porém estou longe daquela caligrafia boa que eu tinha. Outra coisa difícil é limpar a bunda. Precisei eliminar o uso do papel. Agora só me asseio no jatinho d’água.
Como no vôlei, levantei a bola dele:
— Você sempre foi um vencedor.
— Ah, muito obrigado, meu amigo.
— Bom saber que ainda jogava vôlei.
— Sim! Eu nunca deixei o voleibol.
Estava diante de mim, de sorriso largo, com o seu corte de cabelo à Roberto Carlos, ora com uns fios prateados, o mesmo Inácio brincalhão dos tempos de esporte, dos jogos de dupla na quadra de areia na praça do Abolição IV e do bate-papo quando sentávamos no meio-fio diante da casa de Nilson Rebouças, justamente para comentarmos os momentos mais relevantes das partidas.
Daí a pouco me perguntou pela vacina.
— Você já tomou sua primeira dose?
— Já, sim — respondi num bate-pronto.
— Eu também, apesar de ter me curado.
— Se não lhe fizer bem, mal não fará.
— De graça, tomo até injeção na testa.
— Como ficou em relação à empresa?
— Estou em função administrativa. Não quero me aposentar logo. Sem as horas extras e feriados trabalhados, o salário despenca. Vou aguentar isso por mais um tempo. Especialmente agora que Olívia, minha esposa, está grávida. É o sétimo mês. Gravidez de gêmeos. Um casal. Barrigão desse tamanho.
— Poxa, meu amigo! Meus parabéns!
— Tenho me sacrificado até no sexo.
Soltou uma gargalhada e acrescentou:
— Agora, rapaz, é a vez da esquerda.
— Esquerda?! — reagi inocentemente.
— Pois é, a esquerda — e gesticulou. — Não tem outro jeito, não. Em certas horas, quando me encontro apertado e Olívia não se dispõe a me dar uma mãozinha, corro para o banheiro e resolvo a situação sozinho.
— Por favor, meu caro, me poupe dos detalhes sórdidos. Suponho, todavia, que não deve ser fácil. Não quero nem imaginar.
Olhei à volta com um sorriso amarelo. Supus que a senhora que nos espionava tivesse compreendido aquele gesto obsceno.
— É um negócio difícil — afirmou ele.
Nesse instante o número da ficha de Inácio surgiu no painel eletrônico e ele se despediu de mim apertando minha mão esquerda. Não trocamos contato telefônico e daí a pouco também fui chamado ao consultório.
— Agora, rapaz, é a vez da esquerda.
Essa pilhéria de Inácio Luís, de cunho onanístico, ainda martela na minha cabeça. Será, porventura, uma profecia para 2022?
Não faço a menor ideia. O que sei é que não tenho mais narinas nem estômago para a podridão que se instalou na Casa de Vidro. E não duvido de que outro amputado retome o governo deste Brasil desgovernado.
Marcos Ferreira é escritor
Pois é amigo Marcos, lendo sua perfeita crônica de hoje, senti e vi o quanto Deus é magnânimo em tudo, veja que nos deu em duplicidade membros que compõem nosso corpo, na ausência do direita a esquerda entra em ação, as vezes com a necessidade da rapidez dos movimentos, coisa que o velho tempo entra em ação para o aprendizado por parte de quem necessita, vejo tudo isso como lição de vida. O nosso principal órgão que nos mantém vivo Deus não o fez em duplicidade, só existe uma via para nós, a outra pertence ao seu Criador, e só Ele sabe como usá-la. Inácio é um filho de Deus abençoado, pois com um só braço continua a sorrir enquanto muitos com os dois não conseguem oferecer um sorriso. Tenho certeza que Inácio também sorrir com o coração, e esta alegria é verdadeira. O pedaço do ante-braço de Inácio aonde estar encrustado em tatuagem a face dos seus amores, Deus preservou para ele não só ver com o coração, mais enxergar com os olhos. A vida de qualquer maneira, vale apena ser vivida. Inté domingo👍👍👏👏👏
Prezado Rocha Neto,
Boa tarde…
Após semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca de minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua participação neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Muito bom, kkk parabéns, não voto em partido, voto no projeto para nosso país que inclua o povão em temas de saúde, educação, trabalho e diversão. Acrescentaria apenas que o outro amputado, é respeitado no mundo e seu maior pecado foi querer construir nossa soberania em uma economia fora do controle do dólar. Hoje temos um amputado moral na casa de vidro, este sim é trágico. Abração, obrigado por ajudar
com a beleza do domingo e use máscara.
Prezado Valdemar,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua leitura e participação neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Bom dia, Inácio está fazendo profecias, estamos juntos, pela esquerda e a saída contra os milicianos e GENOCIDAS.
Prezado Francisco Amaral,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por sua leitura e comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Quem é bom escritor é assim. Um prazeroso bate papo rende oa imaginário, uma crônica de enredo trágico, politico ou se quiser cômico estimulando gargalhadas. Parabéns.
Querida amiga Zilene Medeiros,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publica no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Agora é a vez da esquerda, seja lá em que sentido, ou nos dois… Abraço poeta e escritor!
Caro poeta Airton Cilon,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Olá, Marcos!
Refletindo sobre o assunto que motivou a sua crônica de hoje, reforcei a ideia de que, o nosso dia a dia nos evidencia que a vida é uma sucessão de momentos… Uns bons, outros nem tanto, mas todos com único propósito: nossa evolução pessoal e coletiva. Cabendo a nós, vivencia-los com sabedoria!
Parabéns, meu amigo!
Querida Vanda Jacinto,
Boa tarde…
Após semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Boa tarde meu irmão, Marcos Ferreira.
Não me recordo do Inácio. Mas, vejo q tem bom humor nesses momentos tão difíceis,tanto na vida pessoa do amigo, quanto na politica atual.
Adorei a metáfora, se posso chama-la assim.
Mas, espero q recíproca metafórica seja verdadeira.
Prezado Alcimar Jales,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca de minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Que beleza, o cotidiano de forma sutil e refinada, como generosamente nos apresenta nos belos textos. Confesso que adorei a genialidade final sobre as próximas eleições.
Caro Marcos Aurélio de Aquino,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Caro Marcos Ferreira:
A crônica A VEZ DA ESQUERDA está um primor pela surpresa da narrativa, qualidade que não pode faltar a um bom escritor, o que é o seu caso.
Aproveito para lhe sugerir: Afaste de você todos aqueles de boca perversa, de mente perturbada, de olhos encabulados, de coração cheio de ódio, de cérebro atrofiado, de comportamento violento.
Gente assim não merece nossa amizade nem o nosso coleguismo.
Nesse aspecto, melhor um amputado físico, feliz e de bem com a vida, do que um amputado mental, agressivo e desequilibrado.
Viva, então, Inácio Luís!
Só o aconselharia a continuar usando máscara, porque essa conversa de estar imunizado não me convence.
Caro João Bezerra de Castro,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Marcos Ferreira, escritor de primeira grandeza!
Sempre surpreendente em cada palavra.
No trocadilho dos vocábulos , na necessária comparação da inversão de valores. Um narrador personagem primoroso , revestido de talento e desnudo de corpo e alma.
Valeu, grande poeta!
Caro poeta Francisco Nolasco,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer pelo seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Caro Marcos,
Não sei se comungamos com esse pensamento, mas espero ansiosamente que Inácio esteja profetizando acertadamente para 2022. “Agora é a vez da esquerda”; agora é a vez do pobre, agora é a vez da sanidade; agora é a vez do Brasil e do povo brasileiro!
Um grande abraço!
Querida Simone Martins,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
P.S.: Pode crer que comungamos com a “profecia” de Inácio Luiz para 2022. Seja pelo impeachment do Coisa-Ruim ou pela resposta das urnas, aquele ser nefasto será defenestrado da Casa de Vidro. Dias melhores virão.
KKKKKKKKK….. Meu amigo Marcão,,, essa cronica foi uma das mais bem escritas atualmente.. ha de se ter bastante atenção para enxergar o que sua mente aguçada e inteligente espoe nessas palavras e frases muito bem ordenadas… precisei consultar meu irmão Nilson pra saber sobre Inácio que ao vasculhar em minha mente não conseguia me lembra, porem ele (Nilson) me fez lembrar do Inácio. Realmente, agora sim me lembro… menino arteiro… inteligente… em fim… kkkk
Parabéns meu amigo !!!!
Prezado Marcos Rebouças,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Valeu, Marcos, mais uma crônica deliciosa! Forte abraço!!!!!
Caro escritor Misherlany Gouthier,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por seu comentário acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e uma ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Bom dia, povo
Marcos
Quando a semana inicia já fico pensando: que temática o nosso nobre escritor trará?! E o porquê reside nessa extraordinária e notável capacidade que você tem ao ” brincar” com o léxico. É simplesmente impressionante! Não importa, se o que vem é religião, política, tecnologia, mundo, homem, literatura, em quaisquer questões você consegue fazer um ” passeio ” fantástico pela linguagem e com isso apaziguar as intempéries existentes no cotidiano. Parabéns, nobre escritor. Um abraço fraterno.
Querida amiga Rozilene Ferreira da Costa,
Boa tarde…
Após uma semana um pouco turbulenta, somente agora (que me perdoe pelo atraso) posso lhe responder e agradecer por suas belíssimas e gratificantes palavras acerca da minha crônica “A vez da esquerda”, publicada no domingo passado, 27/06/2021. Você, quero reafirmar o que lhe falei em outras ocasiões, possui muita intimidade com a nossa apaixonante Língua Portuguesa. Escreve com categoria, sensibilidade e encantamento. Grato, portanto, por sua presença neste espaço de opinião, informação e cultura. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.