Por Honório de Medeiros
Pequena homenagem a Zygmunt Balman
“A vida é líquida”, diria Zygmunt Balman, aludindo à consistência das relações entre nós e os outros, ou entre nós e as coisas e/ou fenômenos.
Líquida posto que essa consistência não tem forma definida, assume aquela que o recipiente (o contexto) impõe.
Não somos estruturas rígidas que atravessam o tempo imutáveis ou pouco atingidas pelas circunstâncias, somos proteiformes, somos difusos, somos evanescentes.
Vivemos uma época na qual as gerações mais novas escrevem tudo em uma linha. No máximo algumas poucas linhas. E somente leem, e são treinadas pela realidade virtual com a qual convivem “full time” exatamente para isso, algumas linhas, umas poucas linhas.
Tal é o ser (e o dever-ser) que essa realidade virtual impõe: tudo é frenético, tudo é descartável, tudo é cambiante, imediato.
É a maximização das potencialidades, negativas ou positivas, da nossa espécie sobrevivente e dominante, conforme descrito pela teoria da seleção natural.
O modelo de ensino, que ainda predomina está fadado ao fim, entre outras razões em decorrência do descompasso com essa realidade que se impõe avassaladora.
Não há mais espaço para uma educação que se estrutura a partir de livros, com textos pesados, longos, exigindo tempo, estudo profundo, e o tratamento do “pensar” típico dos escolásticos medievais que moldaram as bases do nosso ensino ocidental e cristão.
As gerações mais novas, que herdarão o mundo, ou o que restar dele, e sua forma de apreender e expressar a realidade, estão em processo de descompasso com aquela construída pelos nossos antepassados.
Não se trata de estarmos certos e eles errados. Mas quem há de ler “Ulisses”, de Joyce, “Paidéia”, de Jaeger, ou “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust, em tempos como estes?
São elas, as gerações mais novas, mutações engendradas pelo meme que é a realidade virtual: caracterizam-se por viver em ritmo alucinante, pensar freneticamente, falar acelerado, em contraposição ao viver, pensar e falar arcaico, que vai sendo deixado para trás.
O livro de papel sobreviverá, claro, como sobreviveu o ritual do chá no Japão moderno que a restauração Meiji instaurou, bem como atirar com arco-e-flecha, como algo excêntrico, típico de verdadeiros “outsiders”, a partir do qual hão de se criar seitas e seus inevitáveis rituais iniciáticos.
Livros em ambientes virtuais existirão cada vez mais, óbvio. Mas nunca serão consumidos como o foram os livros de papel após Gutemberg.
Assim como os monges que salvaram a civilização na Alta Idade Média, copiando os textos antigos e os deixando para a posteridade, será em ambiente monacal que os iniciados lerão obras tais quais as que foram citadas acima.
O velho mundo está morrendo, viva o novo mundo, do qual serei espectador privilegiado, posto que, quando menino, fui apresentado ao milagre da televisão quando já completamente cativado pelo livro de papel, e, agora, cinquentão, me maravilho com as infinitas possibilidades de uma realidade sequer possível de ser imaginada antes, domínio e prisão dos que, hoje, ainda são apenas adolescentes.
Honório de Medeiros é escritor, professor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN
Gosto do que meu amigo Dr. Honório escreve. Apresenta reflexões didáticas e com rico arcabouço teórico, com estrutura textual gostosa de ler. Tenho compromisso com a leitura de seus textos. Parabéns.
Zygmunt Balman nos deixou do ponto de vista material, porém, sua inigualável obra, espero, prossiga nos legando sabedoria e lições de quem, de maneira sóbria, simples, extremamente perspicaz e inteligente, conseguiu, como poucos, fazer a leitura e a magistral interpretação das tranformações impostas pela tecnologia em seus mais variados aspectos, que vão do individual ao coletivo imantados pelo que ele denominou de vida líquida
Nestes tempos sombrios em que a única certeza é a incerteza e a única segurança, deveras, é a insegurança. Necessário cada vez mais se faz e se presta a leitura da sua obra para os que ainda não a conhecem e a releitura da sua obra para os que já tiveram o privilégio de conhecê-la.
Um baraço
FRANSUÊLDO VIEIRADE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.
Prof.Honório. Sempre a aula dos domingos. François Silvestre, levando falta.
Descubro-me, Prof.Honório, abençoada. A minha família “stricto sensu”, lê Joyce e Proust. Categoria, filhos. Na categoria netos, cito Alice, cinco anos. No pré II, 2016, lia um livro a cada dez dias. Todos de autores infantis premiados. Projeto Plic. No primeiro semestre, quando ainda tinha quatro anos, os livros eram enviados para serem lidos com a ajuda da família. Via de regra, bem ilustrados, contendo os vocábulos iniciais. O responsável pelo aluno, precisava registrar as reações da criança que desenhava o que entendera da leitura. Antes de terminar o primeiro semestre, Alice já lia sozinha. Descrevia o que achara da leitura. A apreciação poderia ser positiva ou negativa. Os conteúdos eram importantes. Sempre lições de bom comportamento e dignidade, na forma lúdica.
Gostam de ler meus filhos e netos. Aqui prevalece o maravilhoso livro de papel. O velho mundo não desaparecerá. Não enquanto eu viver, exaltando o melhor. E, daqui a muitos anos, quando partir, deixarei o meu legado : amar livros e mergulhar neles, participando como num sonho.
NOTA DO BLOG – Bravo
Isso mesmo, Naide, como diz Carlos Santos: “Bravo”. Ah, se seu exemplo se multiplicasse…