Por Marcos Araújo
Ninguém que tenha bom senso se despedirá com saudades do ano 2020. Nada há para se comemorar.
Uns dirão, num gesto egoístico, que são gratos a Deus pela preservação de suas vidas; outros dos seus empregos; uns agradecem pelo crescimento dos seus negócios, a exemplo da construção civil; outros dos lucros empresariais aumentados com a pandemia, como se deu com o aumento do consumo que alegrou supermercadistas, e das doenças, causa de enriquecimento dos hospitais privados e indústrias farmacêuticas…
Mesmo a estes, caberia perguntar: posso celebrar a minha vida se milhares de famílias choram seus mortos? Devo agradecer pelo meu emprego, se milhares de pessoas lastimam por suas demissões? Cabe a mim festejar a comida que sobra na minha mesa, se falta o mínimo existencial em tantas outras? O que pensar no lucro do meu negócio, se milhares de outros foram à bancarrota?Os que se enquadram nessa conduta do agradecimento por seu êxito individual são profitentes e entusiasmados oradores do versículo 7 do Salmo 91: “mil poderão cair ao teu lado; dez mil, à sua direita, mas nada o atingirá”. Se sentem ungidos e privilegiados por um Deus que por certo vem decidindo quem morre e quem vive, aleatoriamente, por pura afeição e distinção.
Esse Deus que escolhe ao outro para morrer e me deixa, por uma predileção desconhecida, viver, é uma antítese à moderna ética cristã. Aliás, uma total contrariedade ao “grande mandamento da Lei de Deus”.
Para esses “fundamentalistas cristãos” do “eu sou o filho mais amado de Deus, por isso estou vivo”, deve ser lembrada a resposta de Jesus aos fariseus, naquela passagem dos evangelhos sinóticos de Mateus (22; 35-40) e Marcos (12; 28-34) onde um Doutor da Lei faz um teste ao perguntar qual é o maior dos mandamentos, respondendo o Mestre: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo coração, de toda tua alma e de todo o entendimento. Este é o primeiro mandamento. O segundo semelhante a este é: Amará ao teu próximo como a ti mesmo.”,
Se acaso amo ao meu próximo como a mim mesmo, como exultar do fato de escapar enquanto o outro se infortuna?
Não deveria ser contado um ano em que toda a humanidade viveu perigosamente. Deveria ser desdatado (riscado do calendário) o ano em que mesmo com tantas perdas humanas e materiais, prevaleceu a insensibilidade e a intolerância. Não convém registrar na memória os dias em que não pudemos encontrar a família, comemorar o dia das mães, o dia dos pais, o dia da criança, juntar-se no natal e nem para o ano novo.
Não fará falta o ano que se fingiu estudar, e que se simulou ensinar; onde o trabalho remoto deu lugar à enrolação; aos enfáticos fariseus das redes sociais que defendem o isolamento social e que simulam autoproteção, mas lotam os restaurantes, baladas e academias.
Adeus anno terribilis!
Parta sem deixar saudades!
A nós, sobreviventes deste pesadelo anual, que encontremos animo, perseverança, coragem e fé para receber o ano 2021. Vem aí vacina, cura, melhora da economia, encontro, trabalho, estudo, aprendizado…Que seja 2021 um anno admirabilis!
Marcos Araújo é professor e advogado
“Quero ver o trailer antes”
– Olho para a minha bola de cristal de led e……NOSSA!! Já consigo ver o início de 2021, em resolução de 8k e em 3D.
– O que o senhor vê, vô?
– Vejo muitos tratores cavando muitas covas.
Vejo UTIs lotadas.
Vejo filas nos cartórios para emissão de atestados de óbitos.
Vejo o povo desesperado com o fim do auxílio.
Vejo o gado nas ruas e com a mesna teimosia de sempre: ‘Tô me lixando. Eu quero é botar o meu bloco na rua.’
– O senhor só consegue ver coisa ruim?
– Espere um pouco. Vou olhar o outro lado da bola. Hummm…TAÍ!!! Vejo algo animador.
– kibon! O que o senhor tá vendo?
– Vejo os papas-defuntos prometendo que não vai faltar caixão.
– Ah, tá! E a Anvisa? O senhor consegue vê-la?
– Sim! A Anvisa está logo aqui no topo da bola.
– E aí? O que a bola tá mostrando?
– Esquisito! A diretoria está sentada em confortáveis sofás, com as pernas cruzadas e todos e todas usam salto alto.
ESPERE!!! Tô vendo mais abaixo o povo argentino tomando vacina contra o novo vírus
– E o povo brasileiro? Consegue ver alguma coisa?
– Sim! O gado continua solto e correndo rumo ao mar.
ESPERE! Vejo algo….
– Estão tomando a vacina?
– Não, não. O que eu vejo é que cada um carrega uma vassoura….JÁ SEI! Enquanto ‘los hermanos argentynos’ tomam vacina, o gado tupiniquim tá tomando na ‘basôra’.
– O gado está triste?
– Que nada. É uma festa só. Até champagne e fogos eles estão comprando.
– Pra comemorar o quê?
– Ora, certamente estão felizes com uma ‘basôra’ enfiada no rabo.
– Eu sabia! Perguntei de besta.
P. S – A bola de cristal de João Claudio não é uma bola pessimista; é realista.
Agora, se me permitem, eu vou preparar o alguidá de palhinha de babaçu para jogar os búzios, e em seguida preparar a mesa branca para ler as cartas de tarô.
Aguardem.
Parabéns Dr Marcos Araújo pelo texto! Magnífico!