• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 02/03/2008 - 08:16h

Adeus, Vitória Gabriela!


A quem entregarei o ursinho de pelúcia cor-de-rosa comprado para lhe ser entregue quando você saísse do hospital e pudesse sentir a luz do sol aqui fora? Eu teria me aproximado perplexo com sua sobrevivência e depositado, entre seus braçinhos frágeis, essa oferenda singela por seu heroísmo.

Dado-lhe os parabéns e ficado comovido com o vai-e-vem errante de seus olhos agora livres do pesadelo da luta diária pela vida, ou com seu sono inocente, tão distante do mundo hostil, envolvida finalmente pelo carinho dos que rezaram por você.


Sabe, Vitória, minha angústia é com o que lhe foi tirado: seus primeiros passos errantes, suas primeiras palavras, sua primeira escola, seus primeiros amigos, seus primeiros namorados, suas primeiras conquistas pessoais, a vida, enfim. Imaginar que você não tomará banho de chuva, não brincará de boneca, não sorrirá banguela, não provará o fruto doce-amargo que é o amor…

Sentir que seremos privados de tudo quanto, ao longo de um espaço de tempo indefinido, iria lhe constituir enquanto ser humano ímpar, inigualável como qualquer outro, seus sorrisos, suas lágrimas, suas palavras, seus gestos, seus silêncios! E minha tristeza decorre da sensação de impotência que carrego comigo por não ter podido fazer algo que significasse a diferença entre você sobreviver ou não.

Impotência por não ter o dom de fazer milagres. Por não saber rezar com a fé que remove montanhas. Por não ter podido lhe levar a algum lugar especial, onde a esperança fizesse sentido. Por não depender de mim, apenas de mim, mudar as coisas que lhe fizeram refém de nossos defeitos, nossos vícios, nossos erros.

Impotência pela nossa condição humana de absoluta fraqueza ante os vícios sórdidos que contribuíram para seu sofrimento.

Talvez você estranhe essa despedida tão peculiar. Os outros perguntariam: por que somente para Vitória essas palavras, essa tristeza? Por que não para todas as outras Vitórias, Marias, Antonias, que estão nascendo e morrendo quando deveriam estar nascendo e sobrevivendo, crescendo, povoando este estranho, belo e difícil mundo de meu Deus? Por que esse adeus tão pessoal? Tantas não sofreram e sofrem o mesmo que Vitória sofreu? Tantas não passaram pelo seu calvário pessoal? 

Claro que sim, digo eu. Há tantas Vitórias mundo afora… Mas você Vitória, você, Vitória Gabriela, é um símbolo. Um exemplo. Uma lição. Em você, no seu corpo frágil, na sua existência breve, na sua historia curta, há tudo que diz o Homem: sua glória e sua maldição, o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto.

Em sua luta pela sobrevivência podemos encontrar o destino da humanidade e sua história, aquilo que nos aproxima dos deuses e tudo quanto Dele nos afasta. Em sua breve vida há tanta beleza… 

Então que Deus a tenha. Descanse em paz. Não lhe esqueceremos.

Honório de Medeiros é professor, advogado e ex-secretário de Recursos Humanos de Natal e do estado

* Crônica em homenagem à filha do casal Carlos Duarte-Cleílma Fernandes, que resistiu 37 dias numa UTI Neonatal (Hospital Santa Catarina-Natal), após falta de assistência mínima em Mossoró, na Casa de Saúde Dix-sept Rosado.

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. FRANKLIN JORGE diz:

    Solidário com Cleima e Carlos Duarte, faço votos para que o sacrificio de sua filha Vitória Gabriela não tenha sido em vão e que o governo do estado e do municipio se empenhem em reparar a situação de descaso da saúde pública no Rio Grande do Norte e em Mossoró. Sobretudo, que o Ministério Público não fique no blablablá de sempre e comece a fazer valer a lei, responsabilizando e punindo autoridades pela situação caótica em que se encontra o serviço público nas mãos de gestores que têm se mostrado incapazes de solucionar problemas.

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