Por David de Medeiros Leite
Nas eleições de 1970 a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) elegeu os dois senadores no Rio Grande do Norte: Dinarte Mariz e Jessé Freire. Para governador não houve eleição, o regime militar iniciara o ciclo dos governadores indiretos, método que se repetiria em 1974 e 1978.
Em 1974, a disputa majoritária deu-se por uma vaga ao Senado. Os candidatos foram, respectivamente pela ARENA e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Djalma Marinho (1908 – 1981) e Agenor Maria (1924 – 1997). Seus suplentes: empresário José Nilson de Sá e a senhora Maria Lucena (esposa do então deputado federal Pedro Lucena)
Pela conjuntura política nacional e estadual, a candidatura de Djalma Marinho configurou-se com tanto favoritismo que o partido oposicionista teve dificuldades em encontrar um nome disposto a encarar tal disputa. Agenor Maria surge como um “azarão”. Ambos já militavam na vida partidária do RN.
Djalma Marinho havia sido deputado estadual e deputado federal. Era jurista de formação e, na Câmara Federal, ganhou notoriedade no episódio “Márcio Moreira Alves”.
Em 1968, Djalma Marinho exercia a presidência da Comissão de Constituição e Justiça, quando o governo militar, para processar o deputado Márcio Moreira Alves junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), protocolizou um “pedido” de autorização e esperava o apoio de Djalma que compunha a bancada governista. Djalma surpreendeu ao votar contra e, inspirado no poeta e dramaturgo espanhol Calderón de la Barca, pronunciou a célebre frase:
– “Ao rei tudo, menos a honra”.
Como consequência do referido episódio, o presidente Costa e Silva baixou o AI-5 recrudescendo o regime de exceção.
Agenor Maria, além de ter participado da criação da Cooperativa dos Produtores de Algodão do Rio Grande do Norte, na década de 1960, tinha militância política, pois se elegera vereador, em 1954 e 1958, e deputado estadual, em 1962. Em 1966 foi candidato a deputado federal, ficando como suplente, chegando a exercer por alguns meses o mandato via convocação.
Porém, em 1974, não estava em seus planos a disputa por um cargo majoritário. Levava a vida na boleia de seu caminhão, “fazendo feiras” nas cidades seridoenses. Foi surpreendido pelo convite de se candidatar ao Senado, e aceitou o desafio avisando que não dispunha de dinheiro algum.
No decorrer da campanha, seu desempenho surpreendeu positivamente. Manoel Mário, candidato a deputado estadual na referida campanha, relembra que quando chegavam aos municípios a caravana se instalava na casa do chefe político local, para lanches e conversas preliminares, até a hora do comício.
Agenor Maria não cumpria tal ritual, preferia sair caminhando pela cidade, conversando no mercado e outros logradouros públicos. Quando subia ao palanque seu discurso chamava atenção pela forma com a qual abordava os problemas da cidade e da região.
Na eleição de 1974, o MDB venceu dezesseis das vinte e duas disputas para o Senado no Brasil. Entre essas vitórias, contabiliza-se a de Agenor Maria, escolhido para representar os potiguares na Câmara Alta do país. Tal resultado fez o Regime Militar instituir o “senador indireto”, ou “biônico”, nas eleições de 1978, onde dois terços do Senado seriam renovados. Mas isso é conversa para outro texto.
No livro Brossard: 80 anos na história política do Brasil (Editora Artes e Ofícios, 2004), às folhas tantas, o jurista e senador Paulo Brossard (1924 – 2015) registra que ficou atento ao discurso de estreia de Agenor Maria no Senado e comentou: “Agora entendo por que meu amigo Djalma Marinho perdeu a eleição, esse homem fala a linguagem do povo”.
Tanto Djalma Marinho como Agenor Maria seguiram na vida pública. Djalma voltou à Câmara Federal em 1978 e posicionou-se a favor da Lei da Anistia, ingressando no PDS com a reforma partidária do governo João Figueiredo que restituiu o pluripartidarismo.
Seu último ato político foi a candidatura à presidência da Câmara dos Deputados, em 1981, numa dissidência apoiada por parlamentares de oposição, sendo derrotado por Nelson Marchezan.
Genro de Djalma Marinho, o saudoso ministro Francisco Fausto, também em livro de memórias, relata que, após o escrutínio da disputa pela presidência da Câmara, vários deputados foram ao apartamento de Djalma. Eram velhos amigos que com ele conviveram na UDN, ARENA e, naquele momento, no PDS, mas que não votaram em seu nome por orientação do comando partidário.
Pediam a Djalma que não guardasse mágoas, e ouviram uma resposta em tom de blague: “Eu nunca consegui guardar nem dinheiro…”. Pano rapidíssimo.
Agenor Maria não disputou a reeleição em 1982, optando por concorrer à Câmara Federal, onde cumpriu seu último mandato eletivo. Desse período, existe um significativo discurso de um colega seu, Raimundo Asfora, figura expressiva na vida pública do vizinho estado da Paraíba, que, naquela legislatura, considerava o colega potiguar como sendo “a mais bela voz rústica do parlamento brasileiro.”
Em texto recente, em meio aos fatos políticos, relembrei “jingles” (Leia: Emery Costa em 1972 – “Lá se vão…“, o que resultou em comentários positivos de amigos leitores, pela leveza que enseja. Pois bem, das eleições de 1974, a paródia do candidato Agenor Maria ficou bastante conhecida, a dizer mais ou menos assim:
– “Não é burguês, marinheiro foi, nem é um dotô, marinheiro foi, mas vai pro Senado, marinheiro foi, nosso Agenor… ”
Para contextualizar a paródia, Clementina de Jesus, em 1973, lançou pela Odeon o LP “Marinheiro só”. Produzido por Caetano Veloso, o disco trouxe do folclore popular a faixa “Marinheiro só”, com adaptação do próprio Caetano.
Por outro lado, Agenor tinha servido à Marinha; inclusive, seguindo velha tradição dos marinheiros, levava uma âncora tatuada em um dos braços. Isso serviu de mote para a paródia de sua campanha senatorial.
David de Medeiros Leite é professor da Universidade do Estado do RN (UERN) e Doutor pela Universidade de Salamanca – Espanha
Excelente texto!
Aliás, sugiro que deste excepcional repositório humano chamado David Leite, em seu próximo projeto, saia um livro de memórias dos fatos históricos como este que só David Leite sabe contar de maneira intensa e ao mesmo tempo agradável, leve.
Caro Erison, esta é a sugestão que gostaria de fazer ao nosso Poeta. Já somos dois pelo menos.
Que resgate histórico, David, Parabéns! Foi uma das mais belas campanhas da história do RN. Outras 3 grandes novidades e surpresas daquela eleição, foram as vitórias de Marcos Freire(MDB-PE), Itamar Franco(MDB-MG), que foi Prefeito de Juiz de Fora, depois Vice Presidente, Presidente, Governador eleito em 1998 – tendo como Vice Newton Cardoso -, Ex Prefeito de Contagem e que o derrotara na disputa pelo Executivo Estadual em 1986. Depois, Itamar fora eleito Senador em 2010, veio a falecer, e Zezé Perrella assumia sua vaga. A 3 surpresa nessa eleição, foi a vitória de Orestes Quércia em São Paulo. Ele deixara a Prefeitura de Campinas, SP, no final de 72, disputou a convenção e venceu em 74, foi a disputa e derrotou o Arenista Carvalho Pinto, que disputava a reeleição. Desculpe desviar tanto o foco, já que o artigo trata da emblemática vitória de Agenor Nunes de Maria, mas essa eleição teve uma importância muito grande para democracia. Tanto é, que em 78, os militares criaram a triste figura do Senador Biônico. Sabedores que seriam novamente derrotados, nas urnas, se precaveram para não passar vergonha maior que a de 1974.
Foi uma eleição atípica. Maioria de apenas 20 mil votos. Outro ponto que chama atenção na biografia de Agenor é que 2 anos antes, ele disputou e perdeu a Prefeitura de Currais Novos. Ótimo artigo, valeu!
O discurso de Agenor Maria em Alexandria, a que assisti porque ali me encontrava a campanha de Patrício Junior a Deputado Estadual, é uma peça que por si só demonstra a capacidade de Agenor Maria na conquista e sucesso eleitoral. Como o voto era vinculado para Deputado Federal e Deputado Estadual e em Alexandria havia 2 candidatos a Deputado Estadual, Agenor iniciou o seu discurso pedindo votos para os 2 candidatos da terra a Deputado Estadual – Patrício Junior e Demócrito de Souza- assim como para os respectivos candidatos a Deputado Federal – Antônio Florêncio e Grimdi Ribeiro, o que fez a multidão vibrar. Para em seguida ao silêncio Eu e demorou a se fazer, afirmar:
– Mas o voto para Senador da República é meu. Eu não dou a ninguém.
Amigos Erison e Fábio de Mello, grato pela sugestão. E levarei em conta, porém estou, no momento, dando ênfase na publicação de um romance. Mas, quem sabe lá adiante…
Amigo Ailson, eu sabia da candidatura de Agenor, em 72… Como em relação a Djalma Marinho, terminei não citando a campanha de 1960. Quando se faz o texto com essa conotação de crônica, tenta-se “enxugar”para que não fique demasiado longo. Numa hipótese de livro, claro, exploraríamos mais detalhes.
Amigo Alcimar, que história boa essa de Alexandria…Uma “tirada” típica de Agenor…
Abraços a todos
David
Que beleza!2
Fantástico professor!
Excelente relato, David.
Agenor é um dos personagens mais fascinantes de nossa história política. Sempre tive a curiosidade de saber porque Agenor não concorreu a reeleição em 1982. Tendo a achar que ele avaliou que perderia, visto que com o voto vinculado era muito difícil, sobretudo com o páreo duro que era a candidatura do jovem Carlos Alberto. Nunca entendi também porque o candidato em 1974 não foi Odilon Ribeiro Coutinho, que vinha de dois razoáveis desempenhos em 1966 e 1970. Em artigo na Folha, o Sen. José Sarney uma vez o citou, lembrando de sua famosa frase: o céu é o senado.
Sempre vi sua vitória como algo inserido na nacionalização do voto de senador, por causa não só do desgaste da ditadura, como também por causa do lugar central que a eleição de senador ocupava, em função dos governadores biônicos.
PS: Entre os muitos senadores eleitos pelo MDB em 1974 estava Saturnino Braga, eleito pelo antigo estado do Rio de Janeiro. Também foi candidato por um acaso, não era ele o nome. Foi reeleito em 1982 (já no estado unificado Rio + Guanabara), em dobradinha com o furacão Brizola, apesar do voto vinculado e da operação Proconsul/Globo.
A frase correta é:”Brasília é é melhor do que o céu”.
A frase correta é:”Brasília é melhor do que o céu”.