• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 02/03/2008 - 00:43h

Areia Branca que eu conheci

As ruas repletas de salsas, mangiriobas e melão de Caetano, onde a meninada brincava de “tica”, “pêra queimada”, “remaninho-remaninho”, e “marré-gepê”. Que tempo saudoso! Alto do Urubu, ruas da Tarrafa, dos Cajueiros, Ilha dos Garrafões, Canal do Mangue, Água Doce, Volta da Tripa, Progresso, Sociedade. Era na rua da Sociedade que moravam os mais afortunados.

As diversões eram nos finais de semana, baile aos sábados e nos domingos as valsas onde os donos das festas iam convidar as moças de família para participarem. Os pastoris alegravam as noites frias de Areia Branca, onde os iateiros, barcaceiros e vapozeiros congestionavam nossa cidade com seus barcos ancorados em nosso porto.

A Festa dos Reis era representada pelo “Bumba-meu-boi”, lá em Júlio de Noca, na rua do Progresso. Que beleza era traduzida em nosso universo de criança. O Campo da Saudade, onde aos domingos se encontravam as pessoas de toda categoria social.

À noite, na Praça da Conceição, os jovens se sentavam no jardim (nome dado àquele local) para seus devaneios e flertes e ainda ouvir pessoas que haviam chegado do Rio de Janeiro para contar as belezas que viram por lá. Naquela época era muito difícil ir ao Rio de Janeiro, até mesmo ir à nossa capital, Natal…

Os carnavais animadíssimos. Existia grande rivalidade entre os torcedores dos blocos  “Democrata”, “Não Queira Saber”, “Remador”, etc. Eu torcia pelo “Não Queira Saber”. Areia Branca que eu conheci era uma cidade alegre, feliz, causava inveja a outras cidades do seu porte.

Não tínhamos inflação, não pensávamos em juros bancários, o dinheiro do operário dava para tudo, ou quase tudo. Os povos respeitavam as autoridades, os governantes respeitavam os povos, parece até que existia mais fé em Deus. Ah, que saudade!…

Lembro de tudo. O banho no açude em época de inverno, depois a praia de Zé Filgueira e dali a meninada saía esquipando em cavalo de pau e apelidando “Estipum na Guerra”, “Pão da Bolívia”, “Rasga-saco”, “Marciana”, “Fumo Bom”, “Carinha de Tostão” e “Zé Doidinho”. Este último ficava esculhambando o povo, cada esculhambação custava quinhentos réis ou destões. Era bem divertida a brincadeira.

Tínhamos os homens que chefiavam nossa cidade como José Justiniano Solon, Manoel Bento, Antônio Lúcio de Góis, Celso Dantas. Estes, conheci quando eu crescia junto com Areia Branca. Homens exemplares como Georgino Queiroz, Leoncinho, Pedro Leite, Oscar Moura e tantos outros que aqui moravam, eram o cartão-postal da cidade.

Conheci os poetas e boêmios e os homens intelectuais. Embaixo de um pé de benjamim assistia Senhor Barbeiro ensinando a Zé Alexandre (autor do livro Moçoró Urbe Zona) a analisar o mestre Camões. Isso me valeu alguma coisa, pois me influenciei pelos estudos.

Tive o prazer de conversar com o grande poeta João Figueiredo, ouvindo suas rimas ricas de beleza e amor e me ensinando a metrificar versos. Lembro de sua canção “Bom Jesus dos Navegantes” e quando ele dedilhava em seu violão os versos românticos: “Hás de chorar tão arrependida, mendigando uma esmola do meu coração…”.

Tudo são lembranças de uma Areia Branca que conheci.

Quantas vezes como adolescente assisti reuniões culturais na residência do Doutor Gentil Fernandes, versos de Manoel do Vale, crônicas de Manoel Leandro, poesias de José Nicodemos. Quão bom eram aqueles momentos! Eu admirava a facilidade que o professor Souto Sobrinho explicava uma aula de Ciência ou de Direito Usual, a facilidade que ele tinha de manobrar o vernáculo, isso estimulava seus alunos e eu fui um desses alunos…

Hoje, a preocupação não é mais a intelectualidade, é o problema social que a política econômica do país acarreta sobre nossos ombros… Porém, a Areia Branca que eu conheci era outra. Que pena!

José Jaime Rolim, é areia-branquense, professor aposentado, escritor e ex-vereador

* Extraído do saite Costa Branca News.

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Categoria(s): Nair Mesquita

Comentários

  1. JUSTINIANO NETO diz:

    Só mesmo o grande Zé Jaime para nos fazer voltar a contemplar o firmamento areia-branquense, na transparência do seu azul e na pureza da brancura das suas pirâmides de sal, através de sua crônica. Todas essas imagens, as sombras dessas tradições, o concurso dessas memórias, tem o reconhecimento e a admiração dos seus conterrâneos. Bem longe vão já os anos e Zé Jaime continua no incansável resgate da história de Areia Branca. Desde a escola onde proporcionava a instrução à mocidade, donde se dava aos cidadãos a lição do dever, da honra e da dignidade. Você, ao lado de outros “Zés” (Barros, Brasil, Leite, Alexandre, Nicodemos), forma o esteio da cultura e da inteligência de nossa terra. Sinto-me, particularmente, feliz por tê-lo como mestre e amigo.

  2. Francisco Rodrigues da Costa diz:

    Simplesmente maravilhoso o escrito de José Jaime Rolim: “Areia Branca que eu conheci”. Botou pra “jambrar” como diriam futuramente os meninos daquela época. “Siboreca”, diz o poeta Sinhô Barbeiro, encantado onde estiver. A mim, você, Zé Jaime, filho de dona Ana Rolim, “zeladora” ou “dama de caridade” da igreja de padre Ismar, deixou babando de saudade. Aceite meu abraço de parabéns. Chico de Neco Carteiro.

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