domingo - 09/06/2013 - 08:10h

Atualidade de Lúcio Cardoso

Por Franklin Jorge

Nada mais atual e instrutivo do que a leitura de Lúcio Cardoso [1912-1968] sobre a política brasileira de sua época. Em seu diário – reeditado por Ésio Macedo Ribeiro, doutor em literatura pela USP, o ano passado, sob um novo título, Diários -, descreve o Brasil daquele ano de 1949 como um produto do caos, ao interpretar e sintetizar para os seus leitores o momento político, muito semelhante ao que temos sofrido no presente. Uma época conflitada.

Lúcido e profético, o escritor mineiro que se empenhou em viver uma vida total, detectou na política que se pratica entre nós essa tendência mesquinha de se esmigalhar em contradições muito pessoais do viciado jogo político que abusa da demagogia e de uma retórica sem pensamento, adaptável às circunstancias e a interesses de ocasião. Por isso, por sua extraordinária acuidade e percepção das coisas, pode nos dizer com todas as letras que não há, nunca houve partidos no Brasil, apenas homens que servem a seus interesses; questões que continuam atuais em tempos de redes sociais e de governos ditatoriais e tirânicos.

Detectou, sobretudo, a vocação do Brasil para destruir as legalidades. De fato, parecia-lhe que o Brasil morreria então uma espécie de morte pior que a morte comum, atraiçoado pelos políticos, morrendo aviltado, no esquecimento e no abandono, sob uma pesada lápide de indiferença e de malfeitos; devorado pelo apetite da corrupção que seria, na mocidade, um dom; e, nos velhos, um sinal da existência do diabo.

Ora, conforme a percepção do autor de Crônica da casa assassinada, o Brasil morre não da política que faz, mas da política que pensa que faz, o que significa reconhecer que vive o país em um permanente déficit de realidade.

Um país submetido a esta perpetua tendência à autodestruição, portanto tão propício ao aparecimento de aventureiros que simulam o grande homem nacional que só conseguem fabricar arremedos de grandes intrigas. “São deuses de uma ínfima política, à espera que as oportunidades os favoreça; são ditadores de aldeia, trabalhados na tocaia para povos que ainda não contam com uma vontade própria”.

A verdade nua e crua é que se aplica à política o que ele disse da fauna “artística” (entre aspas, no texto do diário que releio 40 anos depois), permanentemente imersa numa cultura decorativa; e de toda essa gente da política, da qual se desprende essa horrível sensação de apodrecimento, de mesquinharia e de vilezas nas atitudes mais simples e rotineiras.

O ditador Getúlio Vargas encarnaria, a seu ver, essa realidade contundente. Lucio Cardoso o vê, então, como um explorador das fraquezas e carências humanas em circunstancias sem remédio. Escrevendo sobre o teatro político daquele 1949, ressaltava a campanha do brigadeiro Eduardo Gomes para a presidência, nele reconhecendo um homem honesto e decente – como tantos outros -, querendo alçar-se sobre um monturo de coisas inúteis e monstruosas, que era e continua sendo o Brasil de 60 anos depois – o país do faz de conta, do populismo escroto, das ilusões perdidas e das esperanças mortas.

Um Brasil que envergonha e aflige os brasileiros.

Observa Lúcio Cardoso com a inequívoca clareza de quem tem viajado um pouco pelo interior e como viu a miséria crônica empedernida alastrando-se em Minas, Bahia, Sergipe, Pernambuco e Rio de Janeiro -, enfim, em todos esses lugares que ele percorreu -, lugares esquecidos que a política mantém em um permanente estado de miserabilidade; esses lugares onde os homens continuam vagando num estado tão primitivo que o faz pensar nas zonas mais desamparadas da Índia e da China, onde a fome estimulava ao canibalismo.

Tais misérias que esgrimia em sentenças refinadas e mordazes subsistem nos dias atuais num país como o Brasil, deitado eternamente em berço esplendido, ansiando tão somente pelas grandes catástrofes e pela violência sem conserto.

Percebe-se, nesse contexto, a certeza de que nada mudou desde então. Entendemos mais claramente a afinidade mais que eletiva entre o ditador Getúlio Vargas e o ex-presidente Lulla. Ambos espelham um Brasil com vocação para destruir as legalidades, para zombar das crenças que não valem a pena ou por acreditar apenas na anarquia e nessa vocação do Brasil para caçoar dos ídolos. Safadeza que considera bastante atraente para um produto do caos e da improbidade.

Franklin Jorge é jornalista e atual dirigente da Pinacoteca do Estado

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal (Natal).

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    OSCAR NIEMEYER
    Quando alguém lhe disse que era uma pessoa importante, Oscar Niemeyer respondeu:
    Ninguém é importante.
    Nem eu, nem ninguém.
    O ser humano é como um capim qualquer que nasce numa grama aí jogada.
    No meio da grama diferente dos outros, às vezes igual.
    Vem um sol mais forte e seca.
    Vem uma mão desavisada arranca.
    Um pé cruel esmaga.
    Estas coisas todas.
    Não, eu não sou importante.
    ///
    Quando alguém perguntou a Oscar Niemeyer o que é preciso para fazer sucesso:
    Se comportar bem.
    Olhar para trás.
    Saber que a família está unida.
    Olhar estas coisas todas.
    Saber se foi solidário.
    Como se comportou com a sua pátria.
    ////
    Sobre a coragem pessoal de Oscar Niemayer há esta passagem:
    Durante a ditadura, Oscar Niemayer comunista, foi levado a um quartel do Exército.
    No interrogatório ao lhe ser perguntado onde tinha arranjado dinheiro para ter uma casa no Rio e outra em Niterói, olhando bem dentro dos olhos do coronel que lhe tinha dirigido a pergunta respondeu apenas com três palavras:
    DANDO O CU.
    Fonte: João Cláudio Moreno imita Oscar Niemeyer
    ////
    Se Oscar Niemayer levou algum tapa ou se a coisa ficou apenas nos gritos, a história não registra.
    E Oscar Niemayer também nunca fez questão de detalhar.
    Este fato chegou ao conhecimento público não por Oscar Niemayer, mas por comentários de pessoas que presenciaram o interrogatório.
    Quando surgirá outro Oscar Niemayer?
    ///
    CUSCUZ COM OVO É SERVIDO NA MERENDA ESCOLAR.
    O UNIFORME ESCOLAR AINDA NÃO FOI DISTRIBUÍDO EM MOSSORÓ.

  2. M. M. Macedo diz:

    Engraçados esses democratas de redações e crônicas. Lembram que Getúlio Vargas foi ditador, mas fazem questão de esquecer Médici, Costa e Silva, Geisel, et caterva. Tentam mas não conseguem esconder que tipo de ditadores eles adoram, silenciando mansamente ainda ontem no calor da mais cruel ditadura que tivemos.

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