Por Bruno Ernesto
Praticamente não há quem não admire plantas. Entretanto, mais uma vez recorro a Liev Tolstoi e sua inigualável percepção de mundo: Há quem passe por um bosque e só veja lenha para a fogueira.
É inegável que qualquer paisagem ou ambiente fica mais ameno e agradável se tiver plantas, e que andar por entre elas é reconfortante e as flores são mais que simbólicas; tanto na alegria, quanto na tristeza.
Posso dizer que fui privilegiado por, desde sempre, viver por entre elas e ver minha mãe manter e cuidar do seu jardim; sempre diverso, perfumado, exuberante e colorido.
Já vi inúmeros jardins com a assinatura do famoso paisagista Burle Marx, e digo, sem modéstia, que o da minha mãe é muito mais bonito. Pois é.
Quem chegasse à minha casa, inevitavelmente, o primeiro assunto abordado era o seu jardim, ainda que não estivesse na pauta.
Ela sempre fala com orgulho dele e contava com a assistência do meu pai, tanto física – mudando os jarros de posição, podando ou adubando – quanto técnica – era engenheiro agrônomo.
Quando criança, costumava regar com auxílio de um pequeno balde um batalhão de plantas cultivadas em jarros, além de outras tantas encravadas diretamente no solo por todo terreno da casa, e finalizava o serviço aspergindo água por cima delas, feito chuva de final de tarde, só para sentir o cheiro de terra molhada. Embora meu pai protestasse dizendo para economizar água.
Tempos depois, descobri que esse cheiro característico tem até nome científico: petricor. Aliás, ainda hoje, quando ela viaja, tenho que ir à casa para regá-las.
De todas as plantas para se ter no jardim, a que mais me fascina é a bougainville. É de encher os olhos. Em qualquer parte do mundo você verá bougainville, acredite.
Nunca deixo de admirar essa trepadeira, que também pode ser cultivada como se tivesse um tronco firme, com os seus galhos se agarrando em tudo em busca do céu, com folhas de um verde intenso e flores que parecem ser feitas de papel machê.
O nome da planta, por si só, passa a impressão de que não é natural do Brasil. Contudo, é brasileiríssima, encontrada especialmente na Mata Atlântica.
Sua fama mundial se deu após ser encontrada pela naturalista francesa Jeanne Baret, que integrava a expedição do navegador francês Louis Antoine de Bougainville, que liderou a primeira circum-navegação mundial a mando do rei Luís XV, e que aportou na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1767, tendo ele espalhado a sua beleza mundo afora. Daí o seu nome.
Quem mantém um pequeno jardim, também cultiva outra tradição: conseguir mudas, a qualquer custo ou conseqüência, diga-se de passagem.
Invariavelmente via alguém puxando os galhos dos bougainville multicoloridos que alcançavam a rua por cima do muro. Decerto era alguém em busca de uma muda deles.
Pelo que me recordo, quando tinha por volta de oito ou dez anos de idade, quando tocavam a campainha lá de casa, normalmente eu que ia abrir o portão.
Tempos depois, passei a observar que algumas senhoras e moças bem sérias tocavam a campainha e me perguntavam se podiam colher as flores dos bougainville. Eu dizia que sim e elas colhiam tudo que podiam e levavam. Não raro, outras pessoas apareciam com mesmo intuito.
Tempos depois, tocaram novamente a campainha e, dessa vez, quem pediu para colher as flores do bougainville foram umas três crianças, mais ou menos da minha idade.
Antes de autorizar perguntei para que elas precisavam das flores e elas me responderam que era para um velório. Não falei mais nada e disse que podiam pegar as flores que quisessem. Colheram e foram embora. Nunca mais ninguém pediu flores.
O tempo passou, e numa recente viagem à Paris, num dia muito frio e bastante chuvoso, após passar pela célebre livraria Shakespeare and Company, avistar a Catedral de Notre-Dame na iminência de ser reaberta após o terrível incêndio ocorrido em 2019, rumamos a pé, por entre os prédios da Sorbonne, em direção ao Panteão – preterido em outras passagens pela cidade – e lá me deparei novamente com o nome bougainville.
Naquele silêncio ensurdecedor do subsolo do Panteão, percorrendo aqueles corredores a meia-luz, reconheci os nomes de notáveis como Victor Hugo, Voltaire, Émile Zola, Louis Braille, Jean-Jacques Rousseau, Marie Curie, Alexandre Dumas, Josephine Baker, e tantas outras personalidades francesas.
Já de saída, quase por acaso, li numa pequena placa na porta de uma cripta: Vice-Amiral Comte L. A. de Bougainville 1729-1809.
De imediato lembrei-me daquelas pessoas que tocavam a campainha em busca das flores do bougainville lá de casa para homenagear seus entes queridos, sem saber, sequer, os seus nomes.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
Faça um Comentário