Por Marcos Ferreira
Mossoró é o meu universo Marvel, a minha Macondo assolada (há exceções!) por políticos parasitas. É, mal comparando, a minha Hollywood cabocla. Nosso bangue-bangue, a propósito, é o mais duro e sangrento do velho oeste potiguar. Além disso, fato notório, a terra de Santa Luzia é a mais violenta do Brasil e figura no ranking das mais violentas do planeta na décima primeira colocação. Não é, de maneira alguma, um lugar para amadores. Aqui o ramo de casas funerárias e centros de velório, como eu já disse várias vezes, segue esbanjando saúde financeira.
Temos bandidos para todos os gostos, encapuzados quanto engravatados. Se me faço entender, os piores e mais astutos estão amoitados na Prefeitura e na Câmara; vivem cheios de mordomias, ocupam gabinetes refrigerados. Os mocinhos cuidaram de fugir. Sabem que os marginais eleitos pelo povo não perdoam.
Cidade valente é esta. De povo heroico, como se apregoa. Tal lenda teve origem no distante 13 de junho de 1927, quando arrepiaram carreira daqui o temido Virgulino Ferreira (o Lampião) e a sua corja de facínoras. Segundo historiadores, capturaram o cangaceiro Jararaca, que sofrera um balaço. Também disseram que Jararaca, inerme e às vascas da morte, foi agredido na cadeia e enterrado vivo no Cemitério São Sebastião. Anos depois, ironicamente, ele se tornou santo milagreiro.
Daí para cá nunca mais se falou nem se escreveu outra coisa nesta prosaica terra libertária. A fatuidade da resistência e a apoteose lampiônica, sob as quais ainda vivemos, e cujos holofotes pairam menos sobre os defensores que sobre os invasores, abafou, desprezou várias expressões de arte. Tornaram-se invisíveis aos olhos dos nossos governantes, salvo exceções, coisas como literatura, música, artesanato, pintura. Exceto se tais manifestações artísticas requentam o tema cangaço. Como ocorre, sem demérito algum, com o espetáculo “Chuva de Bala no País de Mossoró”.
Com pouco mais de duzentas e sessenta mil almas (possuía cerca de vinte mil quando do ataque do perigoso Lampião), tenho com este meu berço esplêndido um vínculo de amor e desgosto. Isso, no entanto, não me diminui nem me empobrece. Acho até que me fortaleço com as experiências por que passei, desagradáveis quanto boas. Aqui nasceu e frutificou o meu sacerdócio com a literatura.
Devo a esta capital do oeste potiguar toda a minha produção, seja no verso, seja na prosa. Devo-lhe os poucos livros publicados, os que tenho na gaveta e outros que ainda hei de produzir, caso sobreviva a uma bala “perdida’. Devo-lhe as personagens e enredos, as ambições, as inspirações e as pequenas glórias.
É prudente, enfim, que se escreva sobre aquilo que se conhece. Exceto no caso de vasta pesquisa. Enquanto ficcionista, o que me julgo ser, não posso produzir apenas fantasias, textos puramente imaginários. Triste do ficcionista que só consegue escrever ficção, capacidade esta que me parece cada vez menos acreditável. O talento imaginoso não pode prescindir da sua cota de veracidade.
Temos que ser vistos além da pirotecnia, dos foguetórios, da pantomima. Mossoró é coisa de cinema! Ficará muito bem na fita ao ser retratada pela sétima arte. O que não falta neste cafundó do judas é diversidade humana, tipos singulares e profusão de causos. O mundo precisa conhecer este município.
Aqui, além do que acho apropriado chamar de novo cangaço, da violência que assalta à mão armada e não raro descamba para um latrocínio, existem (volto a dizer) os bandidos engravatados. Contra esses pouco ou quase nada se pode fazer. Pois a blindagem, os compadrios e os conchavos vão livrando a cara dos excrementíssimos, como naquela expressão do influenciador digital Felipe Neto contra o senhor Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara dos Deputados.
É isso. A história pretérita e contemporânea deste meu querido fim de mundo merece ser retratada pela sétima arte. Lugar de muita gente boa e de outras figuras dignas de destaque. Afinal de contas Mossoró é um país.
Marcos Ferreira é escritor
Ressinto-me igual que nem nas minhas sobras de humanidade desta lampiolatria. Não digo cangaço, pois disto ficam de fora leituras e personagens, tampouco do próprio Virgulino, senão de um casal idolatrado num gueto selvagem de autoproclamados donos do saber. Não digo banditismo, por ser lá e de cá, mais de cá pra lá, do poder constituído ao rebelado. Não digo nada, mas espero o filme.
Ótima reflexão, mereceria um livro ficcional nos moldes que vc propõe. De minha parte, penso que bandido pobre mata no varejo e bandido rico mata no atacado. Como o homem mais rico do Brasil, Jorge Paulo Leman, que roubou, ao que consta a mídia, R$ 20.000.000.0000, 00, das Lojas Americanas, deixando muita gente na falência, no desemprego e na fome. Enfim, pela nossa ficção, gente do bem, um exemplo de sucesso. Grande abraço.
Parabéns pela crônica e pela coragem! Cada vez fico mais curiosa em conhecer Mossoró; mesmo correndo o risco de ser alvo de “bala perdida”. O que você fala ser ficção está tão real e não acontece só aí na sua cidade. O País está cheio desses atores imprestáveis. O cara chega ao poder e acha que é dono da população. Não é! Contudo tendo o poder nas mãos, pinta miséria. Até hoje eu tenho um conflito de entendimento sobre Lampião. Meu avô nasceu em 1905 e faleceu em 1999. Ele não contava bondade dele, não. Mas a história é controversa. Não vou mergulhar nesse universo de mocinho x bandido. É muito perigoso. Mas que dá um filme, mais uma vez, você está certo. Às vezes temo pela sua segurança; expressar a verdade nua e crua, causa incômodo. E os poderosos incomodados são capazes de muita coisa. Coisa ruim! Então, muita atenção ao atravessar a rua! Fico aguardando o filme pois, concordo com você, Mossoró tem história! Merece um filme! Você, também! Quanto ao título do segundo, estou pensando aqui comigo. Boa semana na paz! Abraço!
Olá, Marcos!
Boa tarde!
Sempre muito bom acompanhar o seu raciocínio!
Nos vejo meu amigo, nessa grande engrenagem que é a vida, apenas como os dentes, que nem sempre são retificados e lubrificados para sustentar os trancos advindos do sistema.
Num desgaste contínuo, cada protagonista segue o roteiro, registrado na fita, as suas agruras.
Em cada cena, o figurino muda, mas a história continua…
Até quando?
Abraços
Quem sabe, a Lampiolatria não seja uma engenhosa forma dos verdadeiros Lampiões do século XXI obnubilarem corações e mentes de um povão, via de regra, ignorante, bitolado e alienado, especialmente neste mundão chamado País de Mossoró, donde se verifica que as ditas instituições desta republiqueta maior produtora de sal do pais, pelo menos no universo das lendas e ficções desde sempre aprimoradas e alardeadas na suposta capital e metrópole da cultura Potiguar.
Afinal, sociologias à parte, os verdadeiros Virgulinos Ferreiras (Lampiões), efetivamente tiveram suas razões para ingressar no famoso cangaço, ao contrário dos Virgulino atuais, os quais planejam e planificam, iniciando como Edis à edificarem longas carreiras no bojo do banditismo legalizado e institucionalizado, cuja única razão pode-se resumir em duas breves e conhecidas palavras…PARIARCALISMO E PATRIMONIALISMO…!!!
Razão de ser e da existência dos chamados homens de bem…!!!
Claro, tudo sob o lema do infalível e infatigável DEUS MERCADO>>>!!!
Ao fim e ao cabo, o que fazer…?!?
Pois , como diria o saudoso Millor Fernandes…
O Bicho Homem Não tem Jeito e e nem Saída….!!!
Demais! Aplausos de pé! Que texto!
Somos filhos dessa província violenta e mágica na sua historia. Fazemos parte dessa massa, na luta pela sobrevivência e um lugar ao sol. Aqui defendemos nosso talento, nossas artes. Como seria bom se esta cidade acolhece melhor os seus artistas, espalanlhando mais cultura e educação. Porém, os donos do poder não se interessam por sua gente e o povo vai se embriagando do velho pão e circo! Valeu poeta e escritor Marcor Ferreira.
Já trocamos um imperador por um ditador, podemos trocar outra vez por um libertador, pois a dor liberta da carne, jamais se tornará grampeador nem elevador das tensões sociais. Chega de Luís XV ou Luís XVI. Do Lampião devemos retirar a luz que iluminará o caminho a ser seguido, sem o misticismo da Pedra Cristalina nem o saudosismo do Baile Perfumado. Parabéns poeta é sempre bom, encontrá-lo aos domingos.
É… (apenas isso)