
“Sindicato” é dona do pedaço e tem normas próprias para deixar tudo em “ordem.” (Foto: Getty Images)
Por Vitor Tavares (BBC News Brasil)
Coqueiros, águas mornas, frutos do mar… Venda de drogas à luz do dia, “olheiros” monitorando as esquinas, assassinatos violentos e uma vida local dominada pelo poder paralelo das facções. Essa descrição hoje serve para três dos principais (e mais bonitos) destinos turÃsticos de praia do Nordeste brasileiro: Porto de Galinhas, em Pernambuco; Pipa, no Rio Grande do Norte; e Jericoacoara, no Ceará.
E as semelhanças não param por aÃ. Praias mais famosas de seus respectivos Estados, as três mantêm um certo clima de tranquilidade, com regras do crime organizado para coibir roubos contra aqueles que as visitam – uma forma de não afastar os turistas que movimentam a economia e o tráfico na região.
Para quem mora ali, porém, a presença e a crueldade das facções são bastante conhecidas, das ameaças a quem não cumprir ordens e decapitações, aos pontos de venda em espaços centrais das vilas, segundo moradores, autoridades e pesquisadores com quem a BBC News Brasil conversou nas últimas semanas.
Por trás do cenário de violência, está o processo de expansão das facções pelo Brasil, antes restritas às grandes cidades e fronteiras, e a alta circulação de dinheiro nessas vilas que concentram festas e turistas de alto poder aquisitivo.
Pipa
Na praia mais famosa do Rio Grande do Norte, Pipa, na cidade de Tibau do Sul, as tarefas do crime são cuidadosamente divididas.
“Só falta assinar a carteira, são organizados demais”, diz uma fonte da PolÃcia Civil do Estado à BBC News Brasil.
Entre os cargos, estão o “vapor”, que anda com bolsas carregadas de drogas para venda, e o “visão”, como são chamados os olheiros que ficam nas esquinas avaliando o movimento suspeito e identificando possÃveis interessados.
Geralmente meninos muito jovens de regiões carentes, eles têm salário definido, trabalham em escalas de 12 horas por dia, sete dias corridos, com folgas nos dias seguintes. E também pagam uma mensalidade para serem membros do grupo criminoso.
“Você se sente observado por eles o tempo todo”, conta Cláudia, uma moradora local. Nos bares, o assunto costuma ser ignorado pelos moradores, e quem fala é aconselhado a silenciar.
Os jovens são membros do Sindicato do Crime, facção surgida no Rio Grande do Norte em 2013, dentro do PresÃdio de Alcaçuz, na Grande Natal – onde, cinco anos mais tarde, haveria um massacre com 27 mortos em um confronto do grupo com o PCC.
Após se expandir para fora da prisão, em Natal, o grupo seguiu o caminho da expansão pelo Estado, onde as forças de segurança são mais frágeis, explica a antropóloga Juliana Melo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
“O Rio Grande do Norte é pequeno, mas estratégico porque tem fiscalização fraca nos portos e pouca inteligência policial, com foco de punir. O Estado é o ponto mais próximo da Europa e está do lado do Ceará, outro ponto importante”, ressalta Melo.
Há uma estimativa de que hoje haja 20 mil filiados ao Sindicato do Crime no Estado, segundo uma fonte policial com familiaridade com o assunto disse à BBC News Brasil.
Quando a facção nasceu, já havia um plano de chegar logo a Pipa. Isso porque, segundo relato dessa fonte, dois de seus fundadores eram da região.
“Então a dominância da praia tinha valor simbólico e polÃtico para a facção”, diz.
Mas a chegada à praia também era estratégica, por conta da alta circulação de turistas de alto poder aquisitivo.
Muito além de destino paradisÃaco, nos últimos anos Pipa se consolidou como um dos grandes pontos de festas do litoral nordestino.
“Essa facção vive basicamente do tráfico, e aqui virou polo de gente em buscas de festas e com uma vibe liberal, de uso não só de maconha, mas de drogas sintéticas”, completa a fonte.
Em Pipa, o tráfico era tão escancarado que chegou a ter uma “lojinha” para venda de drogas em uma galeria no centro da vila – fechada recentemente numa operação da PolÃcia Civil. Alguns serviços da praia também seriam controlados pelo poder paralelo.
Tribunal próprio
Como em outras praias, o Sindicato do Crime tem seu próprio tribunal que “investiga, acusa, julga, pune e executa”, diz à BBC News Brasil um investigador.
Essa organização está prevista no próprio estatuto de criação do grupo, documento com 21 artigos ao qual a BBC News Brasil teve acesso.
O grupo estabelece um código de conduta rÃgido para manter “a ordem e o respeito dentro da comunidade” (ou “quebrada”). Entre as principais regras aos membros , estão proibições de agressões, traições afetivas (“talaricagem”), som alto à noite, vÃnculos com outros grupos e até uso de crack e do medicamento rivotril, “pelo efeito devastador que elas causam na vida de quem usa”. O remédio só é liberado por membros que demonstrem receita médica.
O documento estabelece que problemas devem ser resolvidos com os lÃderes locais e que os membros devem buscar sempre a “paz” na comunidade. Quem sai do grupo é proibido de seguir no crime.
“Às vezes, a gente é chamado para resolver algum problema como roubo, quando a gente chega no local, a facção já passou por lá e saiu”, conta a fonte policial.
Mas essa aparente tranquilidade é abalada quendo há rivalidade dentro da própria facção ou a chegada de um novo grupo.
“Antigamente, a gente sentia que a facção protegia a vida dos moradores aqui. Mas quando começa a disputa entre eles, tudo fica mais tenso”, diz Cláudia, moradora da região que acompanha de perto os casos.
O triplo homicÃdio de dezembro, em pleno centro da vila, ocorreu porque um novo grupo rival do Sindicato do Crime tentava se estabelecer na praia. Mas não conseguiu.
Recentes operações da PolÃcia prenderam lÃderes do grupo. Só em 2024, 97 pessoas foram presas. Segundo a PolÃcia, o prejuÃzo causado ao crime com apreensão de drogas foi de R$ 1,3 milhão – e o crime hoje estaria mais “desorganizado” na região.
Mas moradores e investigadores sabem que há uma facilidade de o grupo se reorganizar. “Quando a polÃcia desmantela, amanhã já tem outro lÃder”, diz Cláudia.
Em nota, a PolÃcia Civil do Rio Grande do Norte disse que tem focado no combate a organizações criminosas, o que tem contribuÃdo para a redução dos homicÃdios na região. No primeiro semestre, foram dois homicÃdios em Tibau do Sul.
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