domingo - 13/11/2011 - 16:23h

Cravo e canela e o fruto da maturidade

Por Carlos Santos

Tropical como somos, temos uma infinidade de frutas a mexer com o paladar nacional. Muitas, agora, na versão mulher. Há algum tempo, quase não existem mais daquelas de carne e osso. “Tá em falta”, diria o feirante da Ceasa.

Sobram principalmente as de bundas enormes e peitos siliconados, vendidas como “piriguetes” ou “modelos”. No fundo, é bom que esclareçamos: seu “consumo” é subjetivo e virtual, ou cabe apenas na conta de uma minoria endinheirada para rápida “digestão”.

Pelo visto, começa a escassear a mulher-mulher, daquelas que são apenas loura ou morena, branquinha ou negra, que gostam de ser amadas e não apenas “comidas”.

Como toda mulher normal, ela tem dúvidas quanto aos seus próprios encantos.

Raramente são autosuficientes como as “frutas” e ainda se enternecem com as flores e a música que fala de amor, símbolos atemporais do bem-querer.

Costumam repetir que “todo homem é igual”, numa generalização tão errônea quanto à adotada pelo sexo oposto, de que “toda mulher é a mesma coisa”.

Que bom, você existe! Sinuosa no olhar, cintilante. Com uma beleza brejeira, quase infantil. Cândida. Que irrompe a vida de cara limpa, sorriso maroto, como se fosse nascida de um romance de Machado de Assis, Guimarães Rosa ou Jorge Amado.

Menina? Mulher? Menina-mulher.

É cravo e canela.

Para aqueles que se movem por apetite lascivo, em sua direção, só aparecem seus contornos de mulher. Sem aguçada serenidade e percepção, jamais vão descobrir os traços de ninfa, nem seu vigor como gente que não aceita dizer “sim”,  cavilosamente, porque  aprendeu cedo a dizer “não” por livre-arbítrio.

Essa mulher é recheada de dúvidas, oscila entre amar e se esconder, mas não se entende como objeto. Chora, angustia-se. Fecha-se ensimesmada. Sorrir para dizer que as lágrimas não lhe fazem mal, porque fertilizam seu peito e serão o sopro de renovação da vida em seu útero.

Ela sabe que partilhar rima sempre com amar. Que distância fere e limita movimentos, mas é uma ponte, se os extremos querem chegar a outra margem.

Com essa mulher é diferente. Ainda bem. Não deixa de ser menina, roendo unhas, rindo de tudo, dando rabiçaca com a cabeça, lambuzando-se de sorvete e saindo por essa vida aventureira repleta de sonhos.

Amuando-se para ser, de novo, afagada. Mimada para se descobrir menina; carregada no colo para ser mulher.

Olhos de Capitu, desconfiados; olhos de Diadorim, vítreos, reluzentes; olhos de Gabriela, de um negro intenso… não importa. Seu olhar é sempre ponto de partida ou porto seguro. Um paradoxo em si. Arquipélago que nos puxa do alto mar à terra firme, como vigorosos fios de cabelo.

Cabelos que encobrem um rosto ruborizado, em que lábios proeminentes se contraem, a prender o fôlego e sufocar palavras. Assim, ajudam a traçar uma moldura entre o inocente e o travesso. Cativante imagem que é um convite ao vinho, com pés desnudos, prontos ao carinho.

Muitos perdem o apetite pela descoberta, depois de certas experiências e tempo. Até confundem mulher com fruta, volume com conteúdo. O escritor Truman Capote descreveu bem o que é maturidade para separar delírio de brilho:

Depois de certa idade ou certas noções, torna-se muito difícil o deslumbramento; ele funciona melhor na infância; depois, se a pessoa der sorte, encontra uma ponte até a infância e a atravessa.

Carlos Santos é criador e editor desta página

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Claudia Albuquerque diz:

    Bonita crônica Carlos, fala da verdadeira essência de ser mulher, parabéns.

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