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sexta-feira - 19/12/2008 - 12:25h

De amigos e decepções

Tenho recebido opiniões favoráveis aos textos Rafael Negreiros, em cartas a Diran Amaral, o que me estimula a continuar a sua transcrição.

“Diran, abraços: sua carta é pródiga em elogios que eu, evidentemente, não mereço, mas de coração agradeço, pois mesmo assim prova que nós, os estabanados, estouvados, sangüíneos, talvez ganhemos melhor as graças extra-terrenas que os abúlicos, os insossos santarrões, os que rezam uma missa ao diabo e outra ao Criador, adulando aqui e pleiteando ali, chorando acolá, como se afinal de contas o mundo fosse apenas um imenso curral de pedintes e doadores.”

“As cartas fazem bem à alma e evidentemente nos sentimos tranqüilos quando sabemos que alguém pergunta por nós, sem interesses subalternos, sem os protocolares ‘como vai o Rafael?’ que muitas vezes encerram tanta falsidade que Judas, na frente de tais fariseus, coraria de vergonha, nojo e tédio.”

“Você felizmente não faz parte desse time de cretinóides endêmicos, dos que se transformando apenas em piadistas, não passam de uns infelizes, sem o menor calor humano, uns desgraçados que pretendem ser céticos e não passam de fossa imensa, onde deveria ser descarregada grande parte do produto fecal da população, no caso Mossoró.”

“Ah, Diran, e quando a infelicidade nos bate à porta, os falsos amigos surgem protocolarmente, exatamente quando precisamos, numa eventualidade, de algum dinheiro, uns negam, outros exigem cheques, alguns se transformam em pedintes, outros, ah, os outros, dizem que ‘não podem’, quando em tempos idos, em priscas longínquas eras nos pediam até a benção, ‘a benção meu padrinho e meu chefe…’. É de lascar, mas que fazer, sair matando gente a torto e a direito? O velho Confúcio – filósofo chinês (551 a.C. – 479 a.C.) – já dizia: ‘Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.’ Tinha toda razão.”

“E criou-se, de forma preconceituosa, a fama de que todo indivíduo inteligente é rico, balela estúpida e sem graça, pois Pirandello, Proust, Anatole France e, mais recentemente, Papini, Maritain, Romain Rolland, eram homens de pouquíssima pecúnia, embora suas inteligências continuem a desafiar a humanidade, como astros que iluminaram toda uma época, de forma imperecível. Que dizer de Thomas Hardy com seu triste ‘Judas, o obscuro’ carregando nos ombros a tragédia de toda uma humanidade sofrida e atormentada, que mal sabe que na morte encontrará o descanso final.”  

“É por isso que encontrei, aqui no apartamento dos meninos, uma caveira humana e vou levando-a, para colocá-la exatamente em frente à minha estante, lá no meu quarto, para que, quando eu chegar aí, possa vê-la e, diariamente, detendo-me nela, lembrar-me de quanto tempo aquilo ali abrigou um cérebro, que se preocupou com filhos, com mulheres, com doenças, com bancos, com o diabo, enfim, mas que hoje descansa, porque na vida toda preocupação é passageira. E é isso que muito pavão enfunado não entende, que a morte nivela tudo e que o falso poderoso de hoje, amanhã não passará de um monte de ossos, de uma ossada desnuda e fétida e esquecida por todos. Os exemplos estão aí, diariamente, mas parece que muitos esquecem com uma facilidade terrível.”

“Volto a citar Confúcio, que dizia: ‘jovem, que bem te fiz para me desejares tanto mal?’ e eu agora quero é fugir dessa politicagem porca e imunda, não só de Mossoró, mas de todo o mundo, isolando-me por completo e fugindo, fugindo se necessário, pois no fim todos, sem exceção, calçam quarenta, o que é uma lástima. Estou com o filósofo Evilásio Leão que, certa vez, ao pedir carona a Benício e este negá-la, disse: ‘por favor não fale mais comigo’, ao que o dito cujo perguntou: ‘Mas, por quê?’, quando o mais conspícuo e melífluo elemento da família Leão teria respondido: ‘porque amigo para bom-dia e boa-tarde não me interessa…’ e o indigitado agredido disse: ‘você tem razão, vamos que eu vou levá-lo para casa…’ E ali mesmo encerrou-se o mal-entendido.”

“Confundi Andréa, que é filha do Tatá Cascudo, com Daniele e quem sabe se a arteriosclerose não começou a sua tarefa destrutiva em cima de mim? Minha vida aqui no Rio continua ótima, de manhã vendo e andando na avenida Atlântica, para cima e para baixo, com aquelas mulheres de todos os tipos, brancas, pretas, crioulas, lindas, pernudas, feias, sapos de duas pernas e esculturas maravilhosas, de formas que no final de contas o melhor mesmo é que neste Rio tem de tudo e tem somente um vagabundo como eu, que fica para cima e para baixo, até 2, 3, 4 da manhã, que às vezes se mete numa sauna às 11 horas da manhã e sai às 6 da noite e outras fica rua acima, rua abaixo, feito um louco, pode imaginar!

Abração do Rafael Negreiros, Rio 30.06.1976”

Armando Negreirosnegreiros@digi.com.br

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Categoria(s): Nair Mesquita

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