De longe, ele lembrava um cavaleiro andante, um dom Quixote destes tempos forçosamente quixotescos. Alto, magro, empertigado, elegante, econômico nos gestos, no uso da palavra, no arquear de sobrancelhas, um gentleman.
Aquele senhor distinto fora convidado para uma conferência onde falaria dos novos desafios que se impunham em uma área na qual ele era PhD. Ele aceitou a despeito de uma cirurgia recente que o fazia caminhar vacilante, com que a buscar um apoio inexistente na selvageria das relações cruas e insípidas.
Largo currículo acadêmico, com gerações de profissionais orientados sem rudeza, sem entremeios, com clareza e sapiência. Porque ele representava essa condição substantiva em um professor, aquela figura humana que nos toca numa dimensão quase metafísica, cuja presença eclipsa as pequenas miudezas e torpezas humanas.
Nunca se ouviu ou viu uma cena pública de perda de controle, de ausência de comedimento. Não que fosse santinho do pau oco ou um ator social, desses que dançam a polca do lugar-comum, agindo como clones devidamente treinados para não ferir suscetibilidades.
Pois essa criatura ímpar, cuja inteireza e dignidade transpirava pelo poro mais distante de seu delicado corpo, calhou de ingressar em uma sala na qual, entre jovens cabecinhas ávidas por conhecimento naquela área tão exposta ao escrutínio público e jurídico, havia atoleimados de cabecinhas tão vazias como uma lufada de um falso ciclone.
É forçoso fazer um parêntese para explicar como a psiquiatra enxerga a frustração e o recalque que saltam à vista em adultos.
Limitados em sua cognição mental, os turistas de sala de aula, cientes da própria incompetência, alcançam verdadeiro gozo recorrendo a um velho e surrado recurso: o do escárnio mais raso. Não a modalidade sarcástica e inteligente, mas o desrespeito vil, a inconseqüência apenas ridícula e patética quando recorrente em maiores de 20 anos.
Neste dia, justamente na véspera da efeméride em homenagem aos mestres, a afronta se estabeleceu. Enquanto o mestre expunha com clareza e detalhes o tema que lhe coube, o grupelho se comprazia em fazer circular bilhetinhos com comentários rudes e infelizes.
A anfitriã, pasma com o dantesco do comportamento pré-escolar daqueles adultos infantilizados, apenas acompanhava o ir e vir do papelote, imaginando a possibilidade de se apropriar das missivas preenchidas por garranchos de difícil entendimento. Os infelizes sequer sabiam se fazer entender, exceto pelo próprio bando, como no reino animal, irracional
Mas, para não constranger aquela figura ímpar que expunha de um modo cristalino os mistérios de uma profissão que expurga néscios, ela aquietou-se. O desfecho foi o de uma noite impactante para estudantes com um projeto conseqüente. Para as hienas, restou, como sempre resta, o riso fácil e bobo cortando o mormaço de mais uma noite de verão.
Stella Galvão é professora de Comunicação Social e escritora – stellag@uol.com.br
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