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domingo - 12/05/2024 - 05:44h

De onde brotam os meus escritos

Foto do próprio autor da crônica

Foto do próprio autor da crônica

Por Marcos Ferreira

Certas vezes, já noite alta, acontece de avistarmos em algumas ruas e estradas aquele ser humano (homem ou mulher, idoso ou idosa) sozinho e a pé em direção a lugar nenhum. Isso mesmo! Pois não têm para onde ir ou retornar. Simplesmente vagam por aí durante horas a fio sem amparo, sem um teto.

São os leprosos sociais. Uma gigantesca parcela de indivíduos tapa o nariz e passa ao largo ao se deparar com os pobres-diabos. Há quem ache que miséria é transmissível pelo ar e, sobretudo, pelo contato físico. Já fui um leproso social, no entanto encontrei cidadãos que me trataram com dignidade. Vivi tempos difíceis, como muitos, mas tive a felicidade de ser acolhido por anjos sem asas.

Nem todos querem saber desses desprotegidos que a Bíblia Sagrada afiança que são nossos irmãos. Porque (na cabeça de certos fatalistas) tais desgraçados estão colhendo somente o que plantaram. E assim lavam as mãos, imitam Pôncio Pilatos e vão às suas igrejas na cara dura dizer a Deus e a Jesus Cristo que são dignos de todas as bênçãos, bem-aventurança e prosperidade. É de sacripantas dessa natureza que brotam os meus escritos. Querem salvação sem fazer caridade.

Olho à minha volta e constato o quanto sou privilegiado. A saúde às vezes falha um pouco, todavia estou no lucro. Penso logo naqueles que não têm nada, que estão na sarjeta. É daí, entre outras coisas, que brotam os meus escritos. Adquiri essa mania, essa teimosia que faz com que eu me importe com a vida alheia. A vida de gente dessa espécie, gente desvalida, abandonada por Deus e pelo Diabo, invisíveis em meio a uma sociedade (salvo exceções) materialista e discricionária.

Agora todo “mundo” está sensibilizado com a tragédia no Rio Grande do Sul. Uma lástima! É comovente. Difícil segurar as comportas dos nossos olhos. Ao menos as comportas dos meus. Mas não vi (não vejo) comoção dos brasileiros e governos quando a seca no Nordeste castiga e humilha os nossos microscópicos agricultores, a gente pobre do sertão nordestino, o sertanejo que, desde sempre, é largado à própria sorte, ao deus-dará. Daí também brotam os meus escritos.

Essa barbárie na Palestina e na Ucrânia é uma vergonha ecumênica, uma pústula planetária. Vi em uma rede social uma frase atribuída a William Shakespeare que diz o seguinte: “O Inferno está vazio, todos os demônios estão aqui!”. Concordo. Enquanto inocentes são massacrados na Palestina e na Ucrânia, o sumo pontífice (a exemplo de todos os outros em suas épocas) segue rezando, contudo os demônios não dão a mínima para as orações do porta-voz do Altíssimo.

Fulano escreve, anuncia-se como solidário, mas na hora de baixar o vidro do carro e estender a mão ele vira a cara para o outro lado, o semáforo fica verdinho e o falso cristão segue viagem no bem-bom do ar-condicionado do seu veículo confortável. Outros são mais afetados, pegam um microfone e deitam falação, vendem-se por defensores e representantes dos miseráveis. Tudo lorota!

Dessas e outras coisas, volto a dizer, brotam os meus escritos. Aquele sem-número de gatinhos e cães abandonados em Mossoró são criaturas do Criador e merecem o mínimo de nossa sensibilidade e ajuda. Mas os políticos (os da direita quanto os da esquerda) se passam por cegos ou fingem não saber de nada. Desprezam a problemática dos animais de rua e o vínculo disso com as zoonoses.

Há cerca de um mês, ao comentar uma crônica minha, o senhor Pedro Nunes, meu vizinho, perguntou-me de onde é que tiro tanto assunto para escrever. Respondi que essa é a parte menos difícil, pois os meus escritos brotam de um manancial chamado vida em sociedade. Ou seja, algo que não tem fim.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Clauder Arcanjo diz:

    Excelente crônica, é daí que brotam sua legião de leitores.

    • Marcos Ferreira diz:

      Obrigado, meu caro parceiro da literatura.
      Somos farinha (palavras) do mesmo saco.
      Abraços, muita saúde e paz para vocês.

  2. Aluísio Barros diz:

    A vida ao rés do chão com os desenhos que brincam de ser nuvens. Uh lá lá.

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu querido Aluísio Barros,
      Boa tarde.
      Você é poeta até debaixo d’água.
      Esse seu comentário é poesia pura.
      Abraços, saúde e paz.

  3. Francisco Nolasco diz:

    Bom domingo, amigo Ferreira.
    A gente sabe que é de uma mente fértil que brotam esses assuntos.
    Do vai e vem de todos os dias, e relembrando o autêntico, Drummond, dessa vida besta nos deu.

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro poeta Francisco Nolasco,
      Grato, como sempre, por sua leitura e opinião. Desejo a você e à sua familia uma semana de com muita saúde e paz. Estou sentindo falta do amigo para um dedo de prosa e um cafezinho. Vamos marcar isso para breve.
      Abração.

  4. Francisco Nolasco diz:

    *dessa vida besta que Deus nos deu.

  5. Alcimar diz:

    Belas palavras meu velho é bom amigo, Marcos ferreira.

  6. Marcos Araujo diz:

    Marcos e a sua genialidade!
    Seus escritos são dotados de humanidade e de sentimentos cristãos.
    Você escreve com as tintas da sinceridade e de quem tem um bom coração.
    Com a linguagem e a experiência do sofrimento nordestino. Sem ser regionalista.
    Muito diferente dos nossos escritores sulistas, eurocentrados e bairristas.
    Sou seu fã, Xará!

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro Marcos Araújo, meu amigo e xará.
      Obrigado pela leitura, amizade e gentileza. É sempre uma honra e alegria recebê-lo em minha casa para um ótimo bate-papo e cafezinho com os nossos amigos do clube da rubiácea. Todos são sempre bem-vindos. Desejo a você e à sua família uma semana de saúde e paz.
      Abraços.

  7. VANDA MARIA JACINTO diz:

    Olá, Marcos!

    Parabéns pelo texto reflexivo! Também questiono os olhares distantes, quando do nosso lado temos tanta carência…
    Abraços

    • Marcos Ferreira diz:

      Querida Vanda,
      Obrigado pela leitura e comentário.
      Uma ótima semana para você e Jacinto.
      Muita saúde e paz.
      Abraços.

  8. Bernadete Lino diz:

    Entendo as suas inspirações e o quanto de desilusão a vida lhe colocou no caminho. Reconheço a invisibilidade do povo nordestino e a diferença de tratamento quando comparado com regiões de formação europeia. Até nisso vê-se a diferença de sorte. Apesar de tudo, somos privilegiados. Somos muito fortes! Temos resistência! Nosso sangue pulsa de forma quente e acelerada. Somos pessoas que sentem os problemas de outras, salvo raríssimas exceções. Você nos surpreendeu. Sempre faz isso! Você passa pela vida e não é indiferente! Que bom! Continue assim! Parabéns por relatar tão bem o que percebe. Abraço e boa semana!

    • Marcos Ferreira diz:

      Amiga Bernadete,
      Boa tarde.
      Sempre, como se fosse a primeira vez, eu me sinto lisonjeado e feliz com as suas palavras tão ricas em sabedoria, serenidade e carinho. Muito obrigado. Desejo uma ótima semana para você e sua família, muita saúde paz.
      Abraços.

  9. Amorim diz:

    Crônica maravilhosa, um soco no abdômen! Mas delicado.
    Parabéns.
    Um abraçaço

    • Marcos Ferreira diz:

      Querido Amorim,
      Boa tarde.
      Saudades de você. Quando puder, dê notícias e me faça uma visita.
      Daqui lhe desejo uma semana com muita saúde e paz, meu amigo.
      Abraços.

  10. RAIMUNDO ANTONIO DE SOUZA LOPES diz:

    O cotidiano, meu caro… o cotidiano.

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro amigo e escritor Raí Lopes,
      Boa tarde.
      Infelizmente, para tantos e em tantos lugares, o que existe é isso: um cotidiano desesperador, algo mesmo de cortar coração. Ao menos no caso daqueles que têm coração.
      Um grande abraço para você, muita saúde e paz.

  11. Bruno Ernesto diz:

    Meu caro Marcos Ferreira, de fato, etiquetaram a fé. É grife. Muita aparência, pouca genuinidade.

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Bruno Ernesto,
      Boa tarde.
      Sua definição é certeira. Faço minhas as suas palavras: “etiquetaram a fé. É grife. Muita aparência, pouca genuinidade”. Grato pela leitura e opinião.
      Abraços, muita saúde e paz.

    • Marcos Ferreira diz:

      Em tempo, amigo, quero lhe convidar para vir à minha casa conversar um pouco com este seu admirador e tomarmos um cafezinho. Meu WhatsApp é o seguinte: 9.9817-1690. Você também pode combinar essa visita com os nossos queridos Odemirton Filho e Carlos Santos. Serão muito bem-vindos.
      Abraços.

  12. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Caro Marcos Ferreira, sua crônica e sua fala como sempre muito assertiva e muito bem pautadas, mais uma vez nos revela o valor que é dado a vida, a vida de alguns em sua história e contextos, vale mais que dez ou dez milhões de vezes mais que a de outros, sobretudo no estuário pensante de quem deve e (ou) devia e tem como obrigação profissional nos informar.

    Em resumo, aquilo chamado Imprensa (Dita formadora da opinião pública), tão arrogante, pedante, escrota e até pernóstica quando ao cobrar autocrítica dos outros, especialmente daqueles que não rezam pela sua cartilha e (ou) não se vergam às sorrateiras cobranças de propinas..

    Falastes e demarcastes muito bem do histórico de nordestino x sulistas no campo do imaginário da nossa “aguerrida” imprensa, quando das tragédias cotidianas sejam derivadas do clima ou até mesmo das condições sociais, históricas e políticas.

    Nesse contexto, porque não avivarmos a memória (Sempre seletiva dessas figuras que se auto intitulam homens de nem), sobremodo quanto a questão histórica Palestina X Sionismo/Israelense, donde se afigura por demais que a vida dos Israelenses vale tudo e muito mais, em verdadeiro e distópico contraste nas capas dos jornais e revistas físicas e digitais a dizer reiterada e tacitamente ousa informar que, na prática e agir dessa figuras eurocentristas envoltas nos interesses do Grande capital, a vida dos Palestinos efetivamente nada vale.

    • Marcos Ferreira diz:

      Boa tarde, meu caro Fransueldo Vieira.
      Infelizmente, como você descreveu, essas tragédias humanitárias todas, salvo exceções, são oriundas do ego e da prepotência dos governos desumanos, das superpotências bélicas e econômicas. No fim das contas, amigo, quem paga o pato é o povo mais pobre, aquelas pessoas que já vivem no fio da navalha. Uma lástima!
      Desejo uma semana de paz e saúde para você.
      Abração.

  13. ROZILENE FERREIRA DA COSTA diz:

    Bom dia a todos! Como dizem os caríssimos amigos: Marcos nos surpreende! E isso é uma constante, não é em uma ou não são dez crônicas. São todas. É dominical. Pontual. Marcante. É a palavra que toma conta dele e ele a usa para que nós façamos nossas reflexões. Mais uma vez você usa a bela linguagem para expressar as mazelas, asperezas e dores do cotidiano e o faz de um jeito que toca nossa alma lá no âmago. Muito obrigada: não há um domingo somente que seu texto não deixe os vestígios fortes da aprendizagem e com isso, as lições da VIDA. Muito obrigada.

    • Marcos Ferreira diz:

      Amiga Rozilene,
      Boa tarde.
      Sua leitura e suas palavras acerca destas minhas crônicas sempre me dão um ânimo a mais para oferecer aos leitores o melhor possível de minha escrita, seja qual for o assunto. Como eu já disse, portanto, você é uma inspiração, a exemplo de outros que acompanham estes escritos dominicais. Muitíssimo obrigado.
      Um grande abraço para você e Edu, muita saúde e paz.

  14. Marcos Pinto diz:

    O nobre Xará emoldura os seus nobres sentimentos com o veemente e inconfundível tilintar do cadinho da alma.

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro amigo e xará Marcos Pinto,
      Boa tarde.
      Contar com a sua atenção e leitura nestas manhãs de domingo é um luxo para mim. Grato pelo comentário e estímulo. Desejo uma semana com muita saúde e paz para você.
      Abraços.

  15. João bosco costa diz:

    Amigo(permita chamá-lo assim me sinto : seu amigo!)
    Tomei conhecimento de sua existência, através de meu amigo/irmão João Bezerra!
    Sempre me surpreendo com seus escritos!
    Mas, essa crônica superou todas q já tive acesso’
    Obrigado por falar o que tenho vontade de gritar e me acomodo!
    Eh por pessoas sensíveis as mazelas de nossa sociedade, q enxergo a voz do altíssimo!
    Parabéns meu amigo!

    • Marcos Ferreira diz:

      Caro João Bosco Costa,
      Muito obrigado por sua leitura e comentário. Quanto ao nosso querido amigo João Bezerra de Castro, trata-se, para mim, de um presente inestimável que a vida me deu. É, como você sabe, um ser humano da melhor qualidade. Fico feliz, prezado João Bosco, que estes meus escritos estejam lhe proporcionando esse tipo de experiência e satisfação. Desejo a você e à sua família uma ótima semana, com muita saúde e paz.
      Abraços.

  16. Rizeuda da Silva diz:

    Olá, amigo Marcos!
    Parabéns pela crônica! “Os invisíveis”, vistos através do olhar sensível do poeta. Da sensibilidade nasce as palavras, os belos textos que nos encantam. Abraços das bandas do Norte, nobre escritor! 👏

    • Marcos Ferreira diz:

      Amiga poetisa Rizeuda da Silva,
      Boa tarde.
      Muitíssimo obrigado pela leitura e opinião. Desejo uma semana com muita saúde e paz para você.
      Mando também, aqui das bandas do Nordeste, um grande abraço e um beijo.

  17. Raimundo Gilmar da Silva Ferreira (Gilmar) diz:

    Parabenizo o escritor pela bela e reflexiva crônica.
    Me fez lembrar um livro que li na juventude chamado “As minhas universidades”, de um escritor russo. Ambos, o nordestino e o sovietico caminham lado a lado em busca de maior solidariedade como forma de diminuir a miséria.

    • Marcos Ferreira diz:

      Prezado Raimundo Gilmar da Silva Ferreira, bom dia.
      Obrigado pela leitura, comentário e pelo paralelo com a obra do russo Máximo Gorki. Sim, “conheço” o título. Uma época chegou às minhas mãos um exemplar de “Minhas universidades”, porém, a exemplo de outros que adquiri naquele momento, estava ilegível devido à ação dos cupins. Até hoje, portanto, não li o referido livro. Obrigado pela leitura e comentário.
      Desejo a você e à sua família uma semana de saúde e paz.
      Abraços.

  18. Esdras Marchezan diz:

    É sempre uma satisfação ler suas crônicas, Marcos. Desde os tempos do caderno Universo, em O Mossoroense,já o tinha como referência de escrita impecável. Uma crônica sensível, direta e que nos faz refletir sobre essa coisa “tão banal”, como dizia Rubem Braga, que é a vida. Forte abraço. Parabéns.

    • Marcos Ferreira diz:

      Meu caro Esdras Marchezan,
      Boa tarde.
      Obrigado pelo incentivo. Saiba que a admiração é recíproca. Desde sempre. Seu ótimo texto e reconhecida competência são uma chancela em sua carreira honrada e vitoriosa. Desejo a você muita saúde, paz e realizações.
      Abraços.

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