Continuamos com Rafael Negreiros e sua metralhadora giratória:
“Prezado Diran, no próximo dia 12 de julho farei dois meses de completa vagabundagem, freqüentando a Sears e a Mesbla, bulindo, mexendo, olhando, examinando e sair sempre de mãos abanando, satisfeito porque vi o que queria, embora o numerário fosse pouco para qualquer compra de vulto, digo que ‘depois venho comprar’. É por isso que tem gente que diz que olhar vitrines é uma beleza, e é mesmo.”
“Afinal de contas, aqui não tenho nada o que fazer e tenho muito, andar, conversar, papear a noite toda, varar as madrugadas com alguns amigos, ou então, o que é melhor que tudo, ficar feito um molusco, na praia cheia de gente, rádio com freqüência modulada ao lado, ouvindo de tudo e de todos e dizendo, ‘porra, não tenho dinheiro, porém aproveito este resto de vida da forma que bem entender’, às vezes com os filhos ao lado, outras vezes sozinho, que agora eles sabem que estou bem, e cuidando de seus estudos, de seus pós ou post graduações, sei lá, esta parafernália de estudos que não termina mais nunca.”
“E a campanha polÃtica, como será? Na certa, acirrada, tola e ridÃcula, os ódios de lado a lado e quem for inteligente, e tiver meio grama de massa cerebral, deve ficar inteiramente afastado a dizer que ‘quem quiser subir enfie um foguete no ânus, acenda-o e banque a Apolo onze…’ Ou, como diz Colé, aqueles dois varões, nos quais as pessoas que andam de ônibus se seguram, tem um nome muito apropriado: SECA SOVACO, pois é isso que nós somos para os polÃticos, seca sovacos, carregadores d’água, que no final eles levam todas as vantagens. O agebosta de Maria (referência ao senador Agenor Maria) deixou-me indelevelmente marcado, mas ele não me verá nem em sonhos. Talvez num pesadelo, admito.”
“João Newton como candidato (eleito prefeito em 1976) tem uma grande vantagem: é objetivo, direto, rápido, incisivo, não encomprida as histórias, não ri enquanto fala, não transforma qualquer cumprimento numa história que começa com Cabral descobrindo o Brasil e termina, duzentas mil horas depois, no mesmo Cabral pedindo a Pero Vaz de Caminha para fazer uma carta ao rei de Portugal… É um primor de concisão, rápido nas decisões, vai ao fulcro dos problemas, atinge o cerne de qualquer dificuldade com uma rapidez instantânea e, melhor que tudo, não é um candidato de bolso do colete, que hoje não se usa mais colete, é candidato de bolso de paletot, paletot mesmo, do francês… Mas é gente boa, embora ameaçado de perder a campanha para o primeiro delinqüente que aparecer, como certo polÃtico que veio me dizer que ‘haver tranqüilidade na Austrália não era vantagem, pois esta era menor que o Rio Grande do Norte’, quando, na realidade, é maior que o Brasil.”
“Mas, vamos nos conformar com isso que é o retrato do Brasil inteiro, sem exceção, e porque aà haverÃamos de fugir à regra? Aqui existe gente que pensa que o LÃbano fica vizinho à Argentina e locutores de televisão falam em Pantagônia, deixando os pobres dos patagoneses fulos da vida. Em outras palavras, como diria Machado de Assis, a confusão é geral.”
“Dizem que escrevo muito porque escrevo em máquina elétrica. Pois esta é uma ultra portátil, e vai tão boa quanto as outras, a questão é que os dedos não param, porque engenho e arte para dizer tolices não me faltarão jamais.”
“Tem recebido os jornais? Procure ler a coluna do Carlos Vizeu, porque às vezes saem coisas geniais, o cara é um gozador terrÃvel. Isso na Última Hora.”
“No mais, recomendações a Maria Lúcia e DANIELA e Carlos Frederico Werneck de Lacerda (referência ao jornalista e politico Carlos Lacerda, mas fazendo trocadilho com Frederico Rosado, filho de Diran Amaral, que anos depois, 1990, veio a ser eleito deputado estadual)… pára, pára, pára que é Amaral, mesmo, e não tenha medo de escrever que sou como a lÃngua portuguesa, o túmulo do pensamento humano, isso dito por um rola-bosta que queria a todo custo que falássemos francês para ler Anatole France, Bloy, Peguy, os discursos inflamados de Clemenceau, as conclusões cientÃficas de Tillon, o gênio de Pasteur, mas isso também pode ser dito de Mozart, Schubert, Kant e outros alemães, ou ‘alemãos’ (crime horrendo, este), ou de ingleses como Shakespeare, que foi o maior de todos, deixando todo o mundo na rabada, numa imensa e terrÃvel rabada, que o francês não perdoa. Pô, vá escrever prolixamente assim no inferno.
Abração do Rafael Negreiros. Rio, 30/06/1976.”
Armando Negreiros – negreiros@digi.com.br
Carlos Santos, simplesmente fantásticas essas “maravilhosas metradoras giratórias” do inesquecÃvel e brilhante Rafael Negreiros. Conitnue sempre.
Amigo:
Que peça bonita. Para se conhecer um Homem inteligente, culto e desprovido de sentimentos pequenos.
Parabéns por resgatar estas cartas.
Acredito que terá uma grande aceitação, aumentando em muito a admiraçao por sua coluna.
Um abraço: Genário
Caro Carlos Santos, faz tempo que vivo praticamente só de trabalhar, organizar aniversário de nossa filhilha (minha e de Gutemberg rs) e viajar que nem tenho conseguido fazer minhas visitas diárias ao seu blog. Eis que agora, em outra viagem, fazendo o melhor da vida: NADA. Que delÃcia de crônica leio.
Sempre zombam de mim, pois falo, falo ou escrevo e escrevo. Nunca serei como o sábio João Newton, direto, conciso, prático. Espero um dia chegar próximo do genial Rafael.
Carlos, Rafael Negreiros sempre foi sinônimo de inteligência para mim. Adoro quando meu pai me conta as boas conversas que tinha com ele.
Bela iniciativa, o resgaste dessas cartas!