Esta é a derradeira carta de Rafael Negreiros a Diran Amaral. Na transcrição não obedeci, como se pode observar, à ordem cronológica.
Talvez esta tenha sido uma das primeiras. O tÃtulo refere-se a vocábulos encontrados no texto e que me levaram ao dicionário.
“Agora é esperar que junho transcorra doce e fagueiramente e que eu, cavaleiro sem queda e cavalheiro sem mácula, jornalistazinho de provÃncia e comerciante por obrigação, volte à minha terra, placidamente num Boeing, sem maiores ambições do que viver tranquilamente, com os bons amigos, entre os quais, obviamente, lhe incluo, embora seu gênio tumultuado, tumultuário, às vezes leonino, outras doce como um favo de mel, mas sempre servidor, algumas vezes tÃmido e enfarruscado, outras alegre como um passarinho na primavera! E não seremos todos nós assim, com altos e baixos? Quem será imóvel e rÃgido como uma estátua, monocórdio como um instrumento, seco e enfatuado como um lorde inglês, em cujo coração não podemos penetrar?”
“O Rio está num clima de vinte graus, uma beleza, tranquilão, a gente anda a pé e tem vontade de andar mais, aspirando o ar ainda não poluÃdo da praia (o ar sim, as águas não…) de Copacabana, esta grande prostituta que fascina e atrai todo brasileiro como uma dama indigna que é sempre merecedora de um respeitoso curvar de ombros, pois, mesmo na sua degradação, ela é bela como uma jóia num pântano ou, mal comparando, um diamante num charco.”
“Mande contar as novidades daÃ. O Dorian (jornalista Dorian Jorge Freire), já encontrou um modus vivendi com meu prezado amigo Dix-huit? (prefeito de Mossoró à época da carta, 1976) Ou ainda estão às turras, como dois meninos cheios de lundu? E o corre-corre de Vingt (Vingt Rosado, deputado federal) para amainar e aplacar, amansar e domar as quizÃlias, os ciúmes pequeninos, as briguinhas polÃticas, poxa, isso é vida para cachorro, é como se se gostasse de cilÃcios ou grilhões, quando alguém já disse: ‘Operários, libertai-vos, porque nada tendes a perder se não os vossos grilhões’.”
“Tenho ido a filmes maravilhosos: Tommy; Um estranho no ninho; A história de Adele H. (filha de Victor Hugo); Um dia de cão, com Al Pacino e tenho lido muito, que agora ninguém pode fazer força e tem que reabastecer as baterias para futuras contendas.”
“Escrevo numa Elgin, minúscula, que me obedece servilmente e, depois, calada e vestida na sua capa, fica encostada no meu principesco apartamento de sala e quarto (risos, risos, risos…), mas que me cabe e cabe muito bem.”
“Depois que cheguei aqui, quebrei mais de cinco quilos, de formas que estou num peso altamente deletério para as más lÃnguas, SESSENTA E NOVE QUILOS, o que pode dar margem a interpretações ambÃguas e insolentes, para um homem que, aos cinqüenta e dois anos, continuo puro, fiel e casto, comportamento ilibado, que mais nem sequer olhou para uma mulher prendada, com medo das más lÃnguas.”
“Responda, biltre, e dê as minhas recomendações a Maria Lúcia, Carlos Frederico e Daniela e abração do Rafael.”
Armando Negreiros – negreiros@digi.com.br
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