Se vivo fora teria completado 84 anos em 15 de outubro, próximo passado, como se dizia antigamente. Não emplacou os 70 anos, posto que morreu no dia quatro de quatro (abril) de 1994, uma segunda-feira.
Havia me despedido dele no domingo, de volta para Natal. Na brincadeira já se passaram 14 anos daquele dia em que foi dormir e nunca mais acordou.
Seu Rafael, como eu o chamava, era uma figura absolutamente original, ou seja, dificilmente se encontra alguém de personalidade parecida. Mysherlane Gouthier, eficiente pesquisador mossoroense está escrevendo a sua biografia.
Paulo Negreiros, o primogênito, está devendo um livro com a coletânea de alguns artigos publicados em jornais. Recebi de Maria Lúcia Rosado (gratíssimo, Maria Lúcia!) algumas cartas de seu Rafael para Diran Ramos do Amaral.
Corria o ano de 1976, contava 52 anos de idade, seu Rafael deixou os negócios com dona Elizabeth e foi para o Rio de Janeiro, sem data para voltar. Na época foi operado de vesícula. Vale a pena ler alguns trechos.
“Mas, a certeza de que minhas pecúnias jamais chegariam aos áureos tempos de 1961/1962, criou em mim uma nova mentalidade, que às vezes é melhor um bom banho de mar, um passeio diário na Av. Atlântica durante quarenta cinqüenta dias seguidos, um papo em casa de um amigo até o sol raiar, um passeio interminável pelo morro de Santa Tereza, uma andança olhando objetos bonitos, vitrinas que jamais comprarei porque as despesas são muitas, do que, sei lá, muito dinheiro amealhado.”
“Talvez seja porque tenho uma boa gerente (Elizabeth, a mulher), cumprindo aquele velho preceito de que ‘só tem pena de homem quem o pariu ou quem dele pare’, isto é, a mãe e a mulher, mas o certo é que nesta brincadeira já estou com quarenta dias de Rio e ainda vou demorar mais vinte, ora se vou.”
“Estou com uma grave doença, raríssima nos meios científicos e que eu classifico como Paulo Abílio ‘operaçãozite’, pois o mesmo, certa vez indagado por uma mulher qual a doença que ela tinha que a deixava com a parte anterior do corpo, fria, gelada e a parte de trás quente, pegando fogo, ele respondeu impávido, altaneiro, dogmático, científico e prepotente ‘minha senhora, seu mal é Gelomatic’, o nome de uma geladeira a querosene, usada em locais sem energia elétrica…”
“Pois estava eu posto em sossego, depois do monumental talho de trinta centímetros no abdômen, uma incisão dita xifo-pubiana, quando me lembrei que tinha um sinalzinho no ombro, e Paulo conseguiu (nada como ter dois filhos médicos!!!) que seus colegas fossem tirar aquela pequena anfractuosidade (arghhh) localizada perto dos meus bíceps apolíneos e que não me incomodava nada. Os esculápios meteram mãos à obra pensando que era uma bobagem e no final tiraram um ovo de codorna, depois de duas horas e meia de anestesia local em que eu sentia o descolamento (descolamento e não deslocamento…) do baita do tumor, que não sei se era maligno ou não, porque sempre eles dizem que não era, mas se for eu digo como Chateaubriand, terei a eternidade para dormir e, como sempre, levei tudo na brincadeira.”
“Felizmente o diabo da extirpação não teve problemas porque entrei fervendo no antibiótico e já estou quase bom, para daqui a vinte dias, um mês, depois de passear mais e gozar mais o Rio, ir para Mossoró, pois as marcas do talho abdominal ainda existem, cretinamente enfeando a minha barriga atlética e meu porte de novo Adonis…”
“Visitas, tenho recebido tantas que já enjoei, convites de almoço, que vão desde o Tatá Cascudo aos meus bons e dedicados parentes daqui, Marcos Gurjão, Gileno, Lauro Simões, Ivy, Ida, Tia Amélia (irmã de mamãe) que já deu aqui aos meus meninos ‘apenas’ uma geladeira e um aparelho de televisão, sei lá, parece que quando Deus fecha uma porta, abre uma janela, e que desgraçado quem se preocupar avaramente com o dia de amanhã, que o sol está aí, aberto, limpo, para todos, o calçadão da Av. Atlântica é enorme e eu tenho mais prazer em curti-lo do que 100, 200, 500, 1.000 João Santos, com todo o seu poderio econômico."
“E não foi à toa que Diógenes, que morava num tonel, perguntado por Alexandre, rei dos reis, imperador da humanidade, o que desejava, respondeu apenas ‘que Vossa Majestade saia da minha frente para que o sol possa entrar com toda a sua pujança’ ou termos semelhantes.”
“E me consolo com meus apertos de dinheiro porque Balzac já dizia que na origem de toda fortuna existe ladroagem, esperteza e interesses humanos feridos e, em sendo assim, sou um puro, um pobre falador e escrevinhador em jornais, que mal e mal sustenta uma coluna num ínfimo jornal do sub-interior, uma merda enfim, na verdadeira acepção da palavra.”
Semana que vem tem mais Rafael Negreiros.
Armando Negreiros – negreiros@digi.com.br
Findei a leitura e já estou ansioso no aguardo de mais postagens das cartas. Abraço.
Excelente o texto de Rafael Negreiros. E o livro com uma seleção de textos, sai ou não sai? Aliás os livros, pois Rafael escreveu sobre tudo durante mais de cinquenta anos. Poderia fazer um só com as cartas. Parabéns, Carlos pela publicação. Aguardo as demais cartas. José Ivo Amaral.
Muito boas as reminiscências de seu Rafael. Beleza. Adriano Germano.
tENHO, ESCRITO, REALMENTE, MUITO SOBRE A VIDA DO SR. RAFAEL BRUNO FERNADES DE NEGREIROS, UM JON]MEM QUEDEIXOU SEUM NOME REGISTARO NA IMPRENSA NORTE-RIO-GRANDESE COMO UMA FIGURA MARCANTE, ORA COMO SER HUMANO HUMILDE E IRREVENETE.
O LIVRO QUE ORA ESCREVO VAI TRAZER MUITO DA VIDA INTRANSIGENTE DE RAFAEL NEGREIROS, O VELHO FARA DE TODOS NÓS.
M. GOUTHIER