Por Ayala Gurgel
B.O: N° 12-7192/2021
NATUREZA: INQUÉRITO INVESTIGATIVO
DATA DA COMUNICAÇÃO: 08 DE FEVEREIRO DE 2021
COMUNICANTE: SANDRA MARIA DA CONCEIÇÃO SALDANHA
A senhora Sandra Maria da Conceição Saldanha, trinta e quatro anos, casada, enfermeira do SAMU e residente nesta freguesia, compareceu a esta delegacia e noticiou, na qualidade de testemunha, perante mim, escrivã de polícia, fatos de que tem conhecimento envolvendo a morte do senhor Bartolomeu Barbosa da Silva. A depoente disse que foi a primeira a chegar ao local e não estava de serviço naquele dia, mas aquele era seu caminho habitual para retornar ao domicílio alugado por ela e outras colegas de trabalho durante a pandemia, como forma de proteger seus familiares. Disse que passa pela rua onde se deu o acontecido três vezes por semana, e, naquele início de noite estava voltando quando ouviu três disparos, o que a deixou atenta e a fez diminuir a marcha do carro, pois não sabia de onde vinha o perigo. Que, mais adiante, avistou o corpo ensanguentado na parada de ônibus e reconheceu se tratar de uma emergência, talvez associada aos disparos ouvidos, o que a levou a ligar para a polícia e o SAMU. Que, na qualidade de profissional qualificada e tendo observado não haver sinais de perigo, parou o carro no local para prestar os primeiros socorros. Logo constatou que a vítima estava sem vida, alvejada com três disparos, todos na região torácica. Ainda no local, achou a vítima parecida com um autor que gosta de ler, desde os tempos da faculdade, e, para tirar essa dúvida e ajudar na identificação, procurou por documentação nos bolsos da vítima e não encontrou nada, o que a levou a julgar que se tratava de latrocínio. A vítima pode ter reagido a um assalto, o meliante não gostou da reação e o alvejou à queima-roupa. Indagada sobre o que podia informar sobre a vítima e o estilo de vida que ela levava, a depoente declarou que sabia pouco sobre a vida pessoal do escritor, apenas que era considerado um dos maiores autores do século XXI, tendo deixado vasta produção literária, embora apenas um livro venha fazendo sucesso. Sabe também que ele não tinha recursos, pois os lucros das vendas não ficavam com ele, mas com sua editora, que comprou os direitos patrimoniais da obra. Que ele escrevia para ajudar as pessoas, como ele mesmo declarou em entrevista, de que de sua caneta nunca sairia uma palavra sequer para denegrir ou colocar qualquer pessoa para baixo, fosse quem fosse. Com sua arte, enaltecia a alma ou não escreveria, pois seus olhos só viam o que há de melhor nas pessoas. A depoente disse que tem conhecimento de vários escritos dele, dedicados às mais diferentes categorias sociais, inclusive uma composição que enaltece o trabalho das enfermeiras, a quem ele chamou de “anjos da guarda”. Segundo a depoente, ele foi, em vida, aquilo que podemos chamar de pronóico. Indagada sobre o significado do termo, a depoente esclareceu que se trata de classificação psiquiátrica para o tipo de pessoa que tem uma visão de mundo na qual as coisas que acontecem, acontecem sempre para o seu melhor possível. Completou dizendo que pessoas pronóicas são o oposto de pessoas paranoicas e estão sempre falando que tudo vai ficar bem, que vai dar certo, pois alguém ou algo está olhando por você, cuidando para que tudo ocorra da melhor forma possível. Que ela conhece muitas pessoas pronóicas, mas como ele, nunca tinha visto. Em vida, ele foi o exemplo vivo de pessoa pronóica, e o meio que usou para expressar isso foi a escrita. Que ele estava muito empenhado com a ideia de que podia mesmo ajudar as pessoas por meio das palavras. Que foi com o objetivo de ajudar as pessoas que escreveu o seu mais famoso livro, cujo título é “Humanos Melhores Virão”. Disse que o autor acreditava e escreveu que depois da pandemia irá surgir uma nova humanidade, que está sendo gestacionada no plano quântico, com o advento do que chamou de homo quanticum. Esta será a nova espécie, que substituirá o homo sapiens e passará a viver em simbiose com a vida do planeta. Seu livro foi traduzido para vários idiomas, um best-seller, e há quem o considere o novo Capital, graças ao conceito de “economia quântica” que ele introduziu. Que ao autor não coube nenhuma participação nos lucros, apenas conviver com a fama de ver seu livro sendo vendido sob outro nome, pois a editora achou que Bartolomeu Barbosa da Silva não era comercial. Foi assim que o livro passou a ser publicado sob o pseudônimo Barth S. A vítima afirmou, certa vez, não se importar, que Barth S era seu “eu quântico”. Indagada como a depoente reconheceu a vítima, mesmo o senhor Bartolomeu estando sem seus documentos, disse que foi o local do crime que a ajudou. Que, ao lado da parada de ônibus onde a vítima foi alvejada, havia um outdoor imenso com a propaganda do livro “Humanos Melhores Virão” e uma foto dele ao lado. Era o que tinha a relatar.
Ayala Gurgel é escritor, professor da Ufersa, doutor em Políticas Públicas e Filosofia, além de especialista em saúde mental
*O texto faz parte do livro homônimo e tem como desafio transformar a escrita ordinária, informal, em literatura, tal como os clássicos fizeram com as cartas (criando a literatura epistolar). Veja abaixo, links para as postagens anteriores:
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