Por Marcos Araújo
É senso comum que a humanidade perdeu o rumo. Nos últimos 50 anos, a globalização instituiu uma competição demasiada entre as pessoas, subjugando-as aos interesses econômicos e materiais, em detrimento de valores morais e espirituais construídos ao longo de um lento processo civilizatório.
É inegável também que nessa década há uma involução na política mundial, com eleição de governos de extrema direita com vocação autoritária, num flagrante retrocesso democrático.Também marca o nosso presente o desenfreado consumo de drogas, a violência, a depressão, a tecnodependência, a intolerância religiosa e política, dentre outros males. Há quem diga que estamos vivendo o purgatório terrestre…
Quando se pensava que não havia mais nada a piorar, eis que surge o coronavírus. E o espectro da morte passou a marcar o século e a história. Com medo, numa comparação fisiológica, as nossas casas viraram “úteros”, a guardar desprotegidos “fetos”.
Há algumas observações correntes na conjuntura, umas puramente ingênuas, outras mais sofisticadas, de que o mundo sairá melhor depois da atual peste. Chega-se a dizer que viverá um capitalismo humanizado ou, no limite, o fim do capitalismo. Otimista de vontade, mas pessimista de inteligência, constato grosseiramente que dificilmente a pandemia aperfeiçoará a humanidade.
Fico apenas com dois exemplos: empresariado e os gestores públicos estão se aproveitando da crise para superfaturar equipamentos e insumos empregados no combate ao vírus (dois deles, álcool e máscaras estão a preço de ouro); pessoas com renda suficiente e de classe média, estão se cadastrando e recebendo valores do benefício social do auxilio-emergencial.
A história futura até pode ser contada de outra forma, mesmo com tantas perdas. São extremamente lastimáveis as perdas humanas em pandemias. Outro dia me veio à mente que foi numa peste dessas (sudor angicus – doença inglesa do suor) que Thomas Cromwell, ministro todo-poderoso de Henrique VIII, dínamo da reforma protestante na Inglaterra, enlouqueceu. Pai e marido dedicado, Cromwell saiu para trabalhar pela manhã, e, quando voltou no final da tarde, a mulher e duas filhas tinham falecido.
Penso melhor e logo reflito que, como cristão, sou obrigado a refutar o pessimismo e crer que a pandemia contribuirá para a reconstrução de um mundo melhor.
Aproveitando que hoje é o dia das mães, origem da vida, fluido vital para o feto e fonte extrema de afeto, volto o meu olhar para elas com alento e esperança de que estamos em ruptura com o turvo passado e em gestação de um futuro luminoso. Com os olhos fixos no céu, rogo à Virgem Maria, mãe de Deus e Mãe das mães, sua intercessão em favor da humanidade. Ela, certamente, responderá com a frase musicada pelos Beatles: Deixe Estar! (Let it be!)
Lembrando uma passagem bíblica, para melhorar o mundo, devemos nascer de novo. O Evangelista João (3,3-6) conta que Jesus de certa feita se dirigiu aos seus audientes dizendo que: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” A fala de Jesus era uma crítica ao materialismo judaico, ao patrimonialismo crescente daquela época, principalmente entre os sacerdotes do templo.
Permitindo-se um trocadilho, devemos ser feto e afeto. Feto e afeto não têm a mesma origem etimológica. A palavra feto vem do latim fētus ou foetus, “paridura, parto, partição, lugar onde nascem ou há fetos”. Já a palavra afeto é oriunda do substantivo affectus, latim, para significar afeição, disposição de alma, sentimento, vontade espiritual para o bem. Fomos fetos, mas não vivenciamos o afeto.
Enquanto os noticiários falem de morte, hoje, dia das mães, é preciso celebrar o dom da vida. E mais ainda: afirmar a certeza de que este vale de lagrimas ainda pode ser o melhor dos mundos. Depende daqueles que, ao fim e ao cabo, postos no “feto” do isolamento e escapando da pandemia, saibam nascer de novo, e, ao renascerem, venham nutridos com valores morais e espirituais voltados para o bem-comum, para a solidariedade, a caridade, a alteridade, a honestidade, o serviço e o afeto ao próximo.
À minha mãe, que generosamente me fez feto e deu muito afeto, perdão pelo eventual desvio e distorção finalística de sua criação. Se possível fosse, queria nascer de novo! E esse renascer fosse com mais amor, cuidado, responsabilidade, respeito, preocupação e zelo para com os seres humanos e com a natureza.Que o exemplo de nossas mães inspirem “os fetos” dessa quarentena. Feliz dia das mães!
Marcos Araújo é professor e advogado
Bom dia caro amigo Carlos Santos!
Não preciso nem dizer que sou se fã em tudo, mas só para exaltar , admiro o seu inabalável trabalho e o seu caráter. Hoje parabenizo o blog pelas informações, principalmente pelos artigos dos confrades David Leite de Medeiros e Marcos Araújo.
Aproveito para curvar-me a grandeza de todas as mães, principalmente da minha Maria Alice da Silva que até hoje com 93 anos de idade, continua sendo mãe e pai.
Vida que segue amigo, apesar de alguns não quererem!
Meu irmão, basta a frase de abertura para merecer todos os aplausos!
Oi amigo Marcos, impecável o seu artigo, falou tudo aquilo que milhões de irmãos nossos desejam expressar. Parabéns, é que Deus te conserve com a maestria de bem saber escrever.