Por Marcos Pinto
Os antigos alpendres sertanejos são envolventes repositórios de lendas, superstições, costumes e ditados forjados e disseminados à farta pelos ermos rincões nordestinos. A contação de histórias e estórias ocorria geralmente ao redor de uma ruma de vagens de feijão seco, espalhadas sobre “tangas” de antigas redes de dormir.
Os participantes da “debulha” postavam-se ao redor do amontoado iluminado por fumegante lamparina sertaneja conhecida popularmente como “piraca”, que tinha um anteparo de vento a proteger o fumacento pavio, abastecido por querosene. Neste ajuntamento para debulha do feijão e, também do milho seco, servia-se saborosas batatas-doces e macaxeira cozida, saboreadas com café sertanejo, feito de grãos devidamente torrados em fogões à lenha e pilados até ficarem reduzidos ao pó.
Foi neste cenário simples e humilde que surgiu o famoso “Estatuto da Ribeira”, vinculado à “indústria do criatório” nos sertões do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia. Este fantástico Estatuto da Ribeira busca salientar lógicas vernáculas intrínsecas e relacionadas aos ditames da honra e do costume sertanejo. É comum ouvir-se do sertanejo a afirmativa que resume o senso de Justiça impregnado: “Aqui nesse sertão justiça só mesmo no cano da espingarda ou na ponta da lambedeira. A gente não pode ‘confiá’ em ninguém a não ‘sê’ na gente mesmo.”
O Estatuto da Ribeira, a contação das Histórias de Trancoso e, também de Camões (diz-se “Camonge” na corruptela sertaneja), estão literalmente atreladas à zona destinada ao criatório de gado no nordeste. Foi dividido por Capistrano de Abreu (1907/1954) em dois sertões: o “De dentro” e o “De fora”.
Se a Bahia ocupava os “Sertões de Dentro”, escoavam-se para Pernambuco os “Sertões de Fora”, começando na Borborema e alcançando o Ceará, onde confluíram a corrente baiana e pernambucana. Ao cunhar a expressão “civilização do couro,” Capistrano de Abreu eternizou o cotidiano dos “sertões de dentro” e “de fora” da Serra da Borborema, dando pistas fundamentais para compreendermos esse cenário e costumes.
Aqui em nosso sertão Oeste do potiguar temos dois emblemáticos e exponenciais referenciais toponímicos conhecidos como “Sertões do Patu de fora” e “Sertões do Patu de Dentro.” Neles destacaram-se dois grandes patriarcas: o velho “Lino da Mapironga”, homem virtuoso e de humildes posses, e o irascível, temido e respeitável “Lino da Gameleira” cujo nome civil (se não me falha a memória) é Lino José Felipe.
Dentro dessas almas rudes, a grandiosidade da honra sobrepujava tudo. Aceitavam a inexorável morte com uma alma puramente sertaneja. Talvez vivessem intensa contenda íntima diante alguns desafios de sangue e de honra.
As histórias de Trancoso
O termo “Trancoso” surgiu no séc XVI com o português Gonçalo Fernandes Trancoso (1520-1585) escritor que provavelmente viveu em Lisboa, e escreveu sua obra “Contos e Histórias de proveito e exemplos.” Teve sua primeira edição em 1575, com dois capítulos, só se encontrando completa com três capítulos em sua edição de 1595.
Os contos narrados dentro da tradição envolvem a abstração, fantasia e subjetividade. É do ser humano esse caráter imaginativo, criador de realidades, com intenções fantasiosas ou não.
Inté.
Marcos Pinto é advogado e escritor
E por falar em histórias de trancoso somente ontem tive a chance de ler o seu texto sobre o cangaço e Jeronimo Rosado. Fiquei encantado. Para mim, os gênios Rosado eram alguns entre os filhos. Imaginar que ele engendrou façanha da qual você o acusa e, poucos anos depois, ter o filho eleito governador o eleva a patamar que eu não o tinha, o de grande formador da atual identidade mossoroense, como mentor do episódio histórico mais relevante para a cidade.
Prezado Marcos, lendo sua crônica, podemos observar que tudo o que está à nossa volta e utilizamos em casa, na escola ou no trabalho foi construído pela ação dos seres humanos. Dito isso, penso que assim como as “superstições, histórias e estórias” forjadas nos “antigos alpendres”, também, edificamos ao longo do tempo sistemas políticos que regem as sociedades, conjunto de leis que regulam nossas relações, bem com os princípios e valores estabelecidos historicamente. Seus escritos são instrumentos que nos possibilitam conhecer e entender os caminhos trilhados pelos atores sócias no passado. Assim, a cada domingo, o leitor tem um assunto extremamente interessante e instigante. Parabéns pela crônica.
Obrigadooo amigos Guilherme e Prof. José Dias Lima Júnior, TMJ. Abraçaço.