Por Marcos Araújo
Faleceu na tarde desse domingo (12), dedicado à Nossa Senhora de Guadalupe, o magistrado aposentado Cícero Alves de Sousa, que judicou em Patu, Campo Grande, Areia Branca, Assu e Mossoró, até se aposentar.
A ele pode se designar o título de self made man, pois, filho de pais humilíssimos, saiu de Riacho dos Cavalos, interior da Paraíba, para servir a Deus como interno em um Seminário de Padres em João Pessoa, depois, desviando-se para a vida secular, sagrou-se formar-se em Direito, na vetusta Faculdade de Direito em Recife/PE, e depois conubiar-se com a doce Aday, seu amor por toda uma vida.
Como magistrado, se despiu da vaidade e da imponência da toga, tratando os jurisdicionados e advogados como seus iguais. Eu o conheci nos albores da minha vida profissional, quando Mossoró tinha apenas três varas. Os outros dois juízes eram Luís Diogenes e Francisco Dantas Pinto.
Ser juiz, no seu tempo, carecia da demonstração dos arrufos de valentia, destemor e arrogância. Era o distintivo necessário à demonstração do exercício de autoridade.
Por não vestir essas “ferramentas” tão ínsitas ao cargo (e encargo), logo recebeu o epíteto de “padre”. Em alguns momentos, sua tolerância e compassividade foi confundida com tibieza funcional.
Foi meu professor na Faculdade de Direito, lecionando as disciplinas de Latim Forense e Direito Romano. Tempos depois, após ter sido aprovado em concurso para professor na Uern, passei a ser seu colega de docência, assistindo, com desagrado, sua luta vã e inglória pela preservação dessas duas disciplinas na grade curricular do curso, tidas, pela maioria, como desatualizadas e antiquadas à formação jurídica.
Tenho retida na memória a educada atenção com os servidores do Fórum. Quando um vigilante morreu atropelado, quis ele fazer-lhe uma saudação funérea, tendo sofrido um AVC transitório no momento do velório.
Talvez Doutor Cícero tenha sido o último dos magistrados a atender as partes e advogados sem necessidade de hora marcada, bastando bater à porta de sua sala, no 2o. andar do Fórum Silveira Martins. A toga nunca lhe distanciou do povo, destinatário final da Justiça; e o poder e a bajulação social nunca embotaram sua humildade.
Sendo juiz no século XX, onde o positivismo kelseniano moldava o decisionismo judicial (a lei resolvia tudo, e fora dela não havia direito), causou estupor entre os seus pares a sentença que condenou o ladrão arrependido a assistir 40 missas na primeira fila, ao invés de mandar que ele definhasse nas celas de uma prisão.
Conhecia muito de canto e música, especialmente a sacra. Por duas vezes, assistindo missa ao seu lado, fui recriminado por tentar acompanhar o coro. Ouvi dele um apelo: – “Por favor, não cante!”. Sem dom e sem voz, entendi o recado…
Suas visões diversas de mundo e o comportamento que delas decorreu, criou um fosso profundo entre ele e o Tribunal, de modo que não chegou à Corte pelo critério do merecimento, ainda que estivesse também no ápice pelo critério da antiguidade.
Era cursilhista, ececista, ministro da palavra, um cristão por convicção…. Viveu para servir. Mesmo doente continuou dando testemunho de sua fé e resignação. Eu sempre lhe ligava nos seus aniversários, ainda que nos últimos anos dona Aday dizia que ele não recordava mais das pessoas e dos amigos. Dona Aday, sua perseverante e dedicada esposa; seus amados filhos Aspasia e Júlio César; seus netos Cícero Neto (“vovozim de vovô”, como ele chamava) e Túlio; Alderi, seu genro; tiveram a honra de tê-lo como referência humana vivencial.
Por onde passou deixou sua marca e boas lembranças.
Como professor, um moralista, sem recalques. Como pai e esposo, um devotado companheiro e protetor. Como juiz, um guia de conduta e honradez para a magistratura brasileira. Sempre honrou a toga, ainda que não a vestisse como símbolo de poder. Como cristão, um farol a iluminar os indecisos na fé. Na nossa vida, um inigualável amigo.
Hoje, no particular, faço silêncio pela sua partida. Sei que Juan Diego, o santo que anunciou ao mundo Maria de Guadalupe, o esperou na porta do céu. Nossa Senhora dos Impossíveis, a forma esperançosa de Nossa Senhora de quem ele era devoto e por quem construiu uma capela, o acolheu em seu seio sagrado.
Ave, Doutor Cícero! A honradez e o exemplo com que se conduziu em vida, são elementos imateriais da toga da imortalidade que reveste a memória de sua existência. Como diria o senhor, no seu castíssimo latim, “requiescat in pace!”
Marcos Araújo é professor e advogado
Recebo com muita tristeza e recordações essa noticia. A CRÔNICA é um verdadeiro retrato desse ser humano que foi Dr. Cícero. Fui seu aluno também, só que no curso ginasial, no Ginásio Comercial de Patu, época em que ele foi Juiz da Comarca. Se dirigia a todos com o máximo respeito, chamando-os de “poetas ou poetisas”. Não iniciava uma aula sem antes rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria.
Quando foi para a comarca de Assú, sempre passava em Messias Targino para comprar o queijo, oportunidade em que nos encontrava e conversava um pouco, sempre preocupado em aconselhar e guiar-me para o futuro. Com o passar do tempo, perdemos o contato. Mas nunca esquecerei da pessoa que foi Dr. Cícero, e para sempre carregarei os seus exemplos em minha memória.
À família, os meus sinceros votos de pesar. Que Deus conforte os corações de todos para suportar a dor da separação.
Descanse em pais AMADO MESTRE. Que Deus o receba em sua nova morada, dando-lhe o descanso merecido.
Parabéns, Dr. Marcos pela belíssima crônica. Deus receba Dr. Cícero no Seu Reino e conforte seus familiares e amigos.
Meus sinceros sentimentos pelo falecimento de dr. Cícero o mesmo foi Juiz Substituto em Upanema/RN por várias vezes trabalhei com o mesmo, Juiz mto honesto, educado, cumpridor de seus deveres e mto religioso.Que Deus o receba em sua morada eterna.
“Por onde passou deixou suas marcas e boas lembranças”. Nada mais se faz necessário para lembrar o grande servo Cícero, conheci de perto toda família desta grande figura humana que sempre colocou Deus acima de tudo e todos.
Com certeza a bem-aventurança celestial se encontra mais enriquecida, e o nosso universo humano mais empobrecido.
Parabéns grande Marcos, bela homenagem.
Parabéns pela crônica belíssima. Muito iluminada.
Doutor Cícero, com certeza no céu, ficaria orgulhoso desse belo necrológio de seu ex-aluno. Marcos soube exprimir com leveza, inteligência e talento seu percurso entre nós. Que Descanse em paz!
Doutor Cícero foi meu professor na Faculdade de Direito. Era um homem simples, de fala mansa. De fé. Deixa um legado de honradez.
Deus o acolha na eternidade.
Que bela Crônica! Retrata a imagem de um grande homem cuja lembrança de humildade e honradez devem servir de exemplo.
Meus sinceros sentimentos à família de Dr. Cícero, amigos e alunos. Todos privilegiados pela honra de conviver e aprender com ele.
Tristeza pela notícia, pêsames aos familiares. E aplausos ao texto, simples e belo, numa justíssima homenagem.
Trabalhei na casa do Dr.Cicero dos 14 anos ate aos 17 anos, sai pra morar em Sao Paulo.