Não é hoje que o medo da violência nos faz tomar certos cuidados em nossa rotina.
Ao entrar e sair de casa, trabalho, colégio, universidade, supermercado, missa, culto, teatro e tantas outras situações do nosso cotidiano, estamos atentos.
Mas esse medo também rende boas histórias.
Certa vez, um amigo voltava de uma festa no Clube Álibi em Tibau, lá por meados dos anos noventa, depois de uma noitada ao som de não sei quem.
As festas nessa época na cidade praia de Tibau eram excelentes para os adolescentes. Ainda havia o African Bar, Zé Félix e tantos outros.
Esse amigo voltava sozinho para casa pela orla, já no amanhecer do dia e, ao dar uma olhada para trás, ao longe, viu um sujeito um tanto suspeito que vinha ao seu encontro.
Chamou mais ainda sua atenção quando percebeu que o sujeito se aproximava rapidamente – afinal a violência já assustava naquela época – e ficou atento.
Lá para as tantas, vendo que seria rapidamente alcançado, decidiu correr para tomar distância. Em vão.
O sujeito que vinha atrás dele também começou a correr, e ele, sozinho, ficou desesperado.
Quando começou a correr, foi na altura da vila dos professores.
Pesou na sua fuga, o cansaço da noitada, a areia fofa da praia e o medo.
Correu com ainda mais afinco quando pensou na morte. Porém, só conseguiu correr até o Hotel Dunas.
O fôlego não agüentou mais que quatro minutos de fuga e, sem perspectiva de conseguir superar o seu perseguidor que vinha no seu encalço, parou e esperou o pior.
Não tinha nada para entregar. Nem um bem de valor. Sequer existia celular naquela época.
Entrou em desespero. Quase já começou a se despedir da vida e, sem esperança, resignou-se.
Instantes após, foi alcançado.
Lembrou-se das orientações de seus pais para, numa situação dessas, não confrontar o agressor. Sequer fitá-lo.
O seu algoz, de pronto, perguntou por qual motivo empreendera fuga.
Estranhou a pergunta, mas ficou em silêncio. Pensou em dizer que estava com medo, mas lembrou das orientações dos seus pais.
Foi daí que surgiu outra pergunta inusitada.
– Quem está nos perseguindo?
Nesse instante, meu amigo fitou-o incrédulo.
Nenhum dos dois estava sendo perseguido.
Perceberam que fugiam de suas próprias imaginações.
Sentaram lado a lado e, num misto de alívio e vergonha mútua, passaram um bom tempo em silêncio tomando fôlego e, certamente, pensando na finitude da vida.
Após se acalmarem, seguiram viagem juntos até a praia das Emanuelas.
Em total silêncio. Sequer se despediram.
Há quem diga que não tem medo da morte, mas, no frigir dos ovos, esse medo é humano.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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