segunda-feira - 01/07/2013 - 09:12h

Entre a balaclava e a nobreza inocente das boas intenções

Por Marcos Araújo

Tenho lido com frequência sobre essa onda de protestos que tomou conta do nosso país. De psicólogos a juristas, de sociólogos a analistas políticos, de iniciantes a jornalistas experimentados, ninguém ainda descreveu com precisão como nasceu ou quando terminará essa movimentação social. Em um ponto há concordância geral entre eles: o Brasil acordou!

Pelas imagens que vejo na televisão, a grande massa é formada por jovens. E isso me deu ânimo e esperança. Como já dizia o Papa João Paulo II em carta direcional aos jovens, “a esperança está em vós, vós sois o futuro e o futuro pertence a você.” A juventude deve assumir o seu papel de protagonista na sociedade.

A palavra protagonista vem do grego  πρωταγωνιστής (protagonista), formada de πρῶτος (protos = primeiro) e ἀγωνιστής (agonista = lutador). Etimologicamente, por ser protagonista, o jovem deve ser o “primeiro lutador” por uma sociedade melhor, mais fraterna, justa e solidária.

Contudo, nessa marcha para o futuro, vejo com preocupação crescer a turba dos jovens que se escondem por trás de máscaras de Guy Fawkes, ou que fazem de suas camisas uma espécie de balaclava improvisada.  As balacravas são associadas geralmente a atividades ilícitas. Mesmo quando as forças do Estado (Polícias Federal ou Estadual) fazem uso desse instrumento, têm o propósito definido de ocultar a identidade dos seus agentes, e com isto dificultar a autoria de eventuais abusos.

Um desvio da finalidade do instrumento, uma vez que a “balaclava” foi criada para a proteção do frio. Seu uso tem origem na guerra da Criméia. Na localidade de Balaclava, na Crimeia (Ucrânia), gorros de lã foram  tricotados e enviados a tropas britânicas para protegê-las do frio extremo.

Pois bem. No Brasil do presente, ao invés de frio, onde tem uma “balaclava” tem fogo. Seu uso tem escondido a face da cidadania, da verdade e da alteridade das boas intenções. Esses disfarces oportunistas ocultam a identidade dos que, desprovidos de senso de coletividade, se infiltraram nas hostes para saquear, roubar, agredir ou extravasar suas degenerações psicológica e moral. Lembro um exemplo recente: os sequestradores de Fabinho Porcino usavam balaclavas…

Por outro lado, uma imensa maioria dos jovens, ordeira e pacífica, reclama indistintamente de tudo, sem uma pauta específica de reivindicações, fazendo com que a classe política aja por adivinhação. Com matreirice e experiência inata, a Presidente Dilma sugeriu uma constituinte exclusiva. Henrique Alves colocou a PEC 37 em pauta e gestou para a sua rejeição. Renan Calheiros, pasmem, propôs considerar a corrupção crime hediondo. Mas, os protestos não pararam…

Assim como aconteceu com a Tomada da Bastilha no início do inverno francês do ano de 1789, a população segue fazendo uma revolução em busca da libertação social de anacrônicos males. Se a Bastilha (uma fortaleza medieval que na época tinha apenas sete prisioneiros) tornou-se um dos símbolos da Revolução Francesa, o Movimento do Passe Livre é a nossa “Bastilha”.

Da gratuidade do transporte estudantil,  migrou-se para questões bem mais complexas, embora seja notório o despreparo experimental dos que lideram. Faltam ideias, reflexões e conteúdo inspirador filosófico.

Na França do Século XVIII, as ideias de Rousseau e do iluminismo inspiraram profundamente a Revolução francesa. Também parte das revoluções do Século XX tinham a inspiração do existencialismo de Kierkegaard, Edmund Husserl e Martin Heidegger. A preocupação do ser no mundo e suas variadas e possíveis relações com o outro e com tudo ao redor de si fez com que se criasse uma ordem mundial em defesa dos direitos humanos.

Em tempos mais sombrios, onde “as vivandeiras rondavam os bivaques dos granadeiros”, na frase do Marechal Castelo Branco, havia um ideal buscado pela juventude que se rebelava: a democracia era o alvo principal. Lembro que nas Diretas Já o movimento tinha um objetivo definido: a escolha direta do mandatário maior da nação.

Naquelas movimentações, ressaiam verdadeiros líderes, incorruptíveis nos seus valores, inegociáveis em seus propósitos, de sólida formação moral e intelectual. Nas Diretas Já, Teotonio Vilela e Ulisses Guimarães tranquilizavam a nação quanto aos ideais buscados.

Olhando bem a fundo os fatos recentes, se percebe que parte das reivindicações são tardias ou vazias; as lideranças são disseminadas e isoladas por cidades; os pleitos são regionalizados, desconstituídos da visão coletiva de Nação.

Não se pode mais levantar a bandeira contra a Copa do Mundo. Para esse fim, os Estados, entre eles o Rio Grande do Norte, quebraram suas finanças de forma irreversível.  Parte dos que se dizem contra, procedem hipocritamente. Não dá para dizer que é contra a Copa e comprar um ingresso para assistir a um jogo em um dos estádios reformados. Isso é falta de coerência! Quando eu disse em sala de aula que era contra a Copa, há uns dois anos, quase era apedrejado.

Além de saúde, educação e segurança, cujo discurso por parte dos governantes de impossibilidade “por causa de Responsabilidade Fiscal’ chega a ser criminoso, não vejo a sociedade reivindicar melhor aparelhamento e agilidade do Poder Judiciário; transparência na gestão pública; fim da indicação política como critério nas composições dos tribunais; a extinção do nepotismo cruzado; o preenchimento dos cargos de confiança na Administração Pública apenas por servidores concursados; financiamento público das campanhas eleitorais; o fim da reeleição…

O jovem protagonista deve pensar em tudo isto e em todas as coisas que lhes distanciam dos seus ideais. Quais são os sentimentos que os movem? Enquanto no passado se cantava “Pra não dizer que não falei das flores” (“caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não, nas escolas, nas ruas, campos, construções”), de Geraldo Vandré, ouço a turba juvenil fazer coro com as canções de Luan Santana, bem ali na Estação das Artes.

Eu creio na força do jovem. Por eles, tenho esperança de um mundo melhor e mais justo. Que ao final desta “revolução”, prevaleça a paz.  João Paulo II, o entusiasta da juventude, já dizia: “a paz exige quatro condições essenciais: Verdade, justiça, amor e liberdade.”

Marcos Araújo é professor e advogado

 

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. M. M. Macedo diz:

    Faltava a opinião do Papa, pois apareceu e também não convenceu!

  2. Milene Pinto diz:

    Muito boa e coerente a opinião de Marcos Araújo. Quanto a copa de 2014 no Brasil , minha opinião também é essa , se tinham que ser contra , que tivessem sido quando o Brasil foi escolhido para sediar a copa, e não agora que todo o processo já aconteceu , inclusive o gasto dos recursos. Afinal são muitos países envolvidos.

  3. chagas nascimento diz:

    Não tenho dúvidas; não podemos continuar como estamos.
    Temos que rever os nossos conceitos, não podemos viver fazendo de conta que tá tudo bem em nosso País.
    Se nestas manifestações não existem lideranças, é porque ninguém mais confia nas instituições e nem nos poderes constituídos. Nós estamos vivendo numa sociedade cheia de vícios que não inspira confiança ao cidadão comum.
    Temos que mudar…!!! Este velho sistema de manipular as massas, está morto e enterrado.

  4. Renato diz:

    “a paz exige quatro condições essenciais: Verdade, justiça, amor e liberdade.” estas características contrariam os seus costumes, são em forte atrito com as atitudes do autor, portanto falar é fácil, o mais importante é ser coerentes com as próprias afirmações

  5. Raimundo nonato sobrinho nonato diz:

    O Brasil acordou; duvido. Nas próximas eleições a corrupção estará de vento em polpa, dando as cartas, e o povo aceitando até gasolina para abastecer seus carrões. Assim não dar; ou melhor não muda. A sociedade ainda tem muito que pagar para mudar.

  6. RC 50 diz:

    Sábias palavras! Muito cuidado com o fascismo encrustrado em alguns! Se você quer protestar tem que lastro nas demandas,ninguém protesta por protestar,tem que ter substância naquilo que se reivindica!
    Peço um minuto de sua atenção para falar de um assunto sério, uma epidemia corre o risco de afetar a nossa população. Pintar verde e amarelo no rosto, cantar o hino nacional, abraçar a bandeira brasileira, enquanto hostiliza filiados a partidos políticos e censura às bandeiras de movimentos sociais. Se você identifica com esses sintomas, cuidado. Você pode ter sido contaminado com FASCISMO, uma do…ença infecciosa e oportunista, frequentemente confundida com SENSO COMUM, que se espalha através do fortalecimento do medo e da intolerância. Mas não se preocupe. Apenas aplique uma dose considerável de RESPEITO À LIBERDADE DO OUTRO e EMPATIA por seus colegas seres humanos, que em dois tempos você e todos ao seu redor estarão curados. Obrigado. Passe essa mensagem pra frente.E assim caminha a humanidade!

  7. Francy Granjeiro diz:

    justiça defere liminar e ex-prefeito Leonardo Rêgo está com bens indisponíveis
    No processo, o autor da ação argumenta desvio de dinheiro por Leonardo Rêgo, quando atuava como prefeito de Pau dos Ferros.
    //www.tribunadoaltooeste.com.br/news-politica.php?cod=2390

  8. Gilmar diz:

    A maioria dos protesto é exatamente contra a mídia que finge não entender, mas é boa na mudança de foco.

    Eh, o jeito que tem é desenhar o que o povo quer que é pra ver se, ao menos, os espertinhos deixam de rodeio.
    Ao desenho no elo:
    //linhascriticas.blogspot.com.br/2013/06/vou-desenhar.html#comment-form

  9. Raimundo nonato sobrinho nonato diz:

    Claudia Regina: 180 dias de governo; nem mais nem menos

    180 dias depois de assumir a prefeitura municipal de Mossoró a prefeita Claudia Regina ainda não apresentou nenhuma novidade; com exceção da UTI Pediátrica a saúde continua patinando e o atendimento na rede básica continua de mal a pior, falta médico e medicamento; sobra eleitores terceirizados, uma prática comum para manter o sistema sobre controle. O sistema é tão perverso que muitos usuários continuam vendendo seus bens, ou fazendo empréstimos para realizar uma simples cirurgia, e muitas vezes se recorre a justiça para se ter acesso a determinados medicamentos, o que contraria todas as cartas do SUS.
    O caso específico da UTI Pediátrica não serve como parâmetro para avaliar a atenção básica porque foi uma exigência sob pressão popular diante de uma tragédia. Não houve nem tempo para se avaliar as demandas; o importante era contratar para sanar o clamor social. Hoje pode-se fazer uma reflexão: Eram necessários dez leitos, e se não fosse O HWR outro teria o mesmo tratamento e o contrato teria sido feito em regime de Urgência Urgentíssima. Hoje os dez leitos estão suprindo a demanda. Responda Prefeita.
    Outra prioridade anunciada pela prefeita que ainda não saiu das reuniões É a questão da segurança. O GGI tem apresentado coronéis demais e ações de menos. Montou-se mais uma vez um shou com o dinheiro público para dar segurança ao MCJ, a galinha dos ovos de ouro da prefeita, enquanto o resto da cidade continua nas garras da bandidagem que assalta, esfola e mata todo dia. Sem ser preciso anunciar todos os dias quantos vão morrer amanhã, a segurança não consegue passar confiança a população, como ainda não tem um plano de ação capaz de inibir a violência. E a insegurança continua.
    Fechando o trio de prioridades anunciadas pela prefeita falamos da questão da Mobilidade que continua um sonho para os mossoroenses. Parece até que a prefeita perdeu-se nas dunas do SAARA. Contratou um técnico; o cara de público era sujo; tentou ludibriar os universitários com uma linha de ônibus sucateados não vingou, e não tem uma via recuperada por onde trafega a velha frota reduzidíssima de ônibus ultrapassados. Assim não dar e pelo rítimo das ações a mobilidade vai ficar para o próximo anos, se Deus permitir.
    Em resumo das 25 razões anunciadas para seguir no rumo certo precisamos encontrar a primeira, para continuar acreditando no futuro, sem medo do passado.
    Para quem fez uma transição conhecendo o cenário que deslumbrava o futuro, já vivemos um mar de incertezas. Agora é esperar as manhãs de setembro, e ver se temos o que comemorar em dezembro.

  10. naide maria rosado de souza diz:

    Marcos.
    Participo, como os de boa fé, de forma serena, deste movimento que tomou conta do Brasil a passos largos. Fiquei empolgada pq me dei conta da resposta maciça do povo. Depois, comecei a conjeturar como as manifestações poderiam prosseguir, de forma organizada, noutras palavras , reivindicando claramente o conserto de cada uma das falhas monstruosas do Governo Federal. Vi um embaralhado de cartazes protestando por providências necessárias, mas muitos, por suas necessidades regionais. Urge uma organização. O movimento me parece acéfalo. Da mesma forma, o Governo Federal, na pressa do tudo bem…vamos resolver…antecipou a votação da PEC 37, um deputado foi preso, apareceu a possibilidade de um plebiscito…medidas por mais que corretas, alvoroçadas. O que o povo brasileiro quer já foi dito nas ruas: Educação, Saúde, Segurança e um basta no mar de Corrupão. Há mais. Estas são , apenas, as principais. Cada uma delas vem com seus complementos. Por exemplo, a Saúde clama, de imediato, por saneamento básico. Clama não só por tratamento aos doentes. Clama para que o povo não fique doente! Assim por diante.
    Esse movimento não pode se perder pq já é extemporâneo. O povo que foi às ruas não pode ser iludido. Não me refiro aos vândalos, que apareceram para tentar macular uma marcha de esperança, uma marcha de sofridos, mas ordeiros, uma marcha que não se sabe, exatamente, como nasceu, mas nasceu! Repetindo: não podemos é ser iludidos!
    Resumindo : dei-me conta da ausência de Teotônio e Ulisses e uns poucos mais. Dei-me conta de que demoramos a acordar, mas não vamos adormecer!
    Um abraço.

  11. André Batista diz:

    Meu caro Marcos, mais uma vez um banho de cultura e de bom uso da nossa maculada, judiada e, por que não dizer, destruída língua portuguesa. Daqui , de tão longe, não abandonei as notícias da terra maior (Brasil) e muito menos da nova e amada terrinha (Mossoró). Devias escrever mais amiúde para partilhar vossas ideias e nos aculturar. Grande abraço.

  12. Pedro Victor diz:

    Manifestante de balaclava é marginal. PM de balaclava o que é? Ninja?

  13. jb diz:

    “…A maior parte dos cidadãos do mundo não se sente representada por seu governo e parlamento. Partidos são universalmente desprezados pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam que seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa parte, ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser financiadas ilegalmente no mundo inteiro. Democracia não é só votar de quatro em quatro anos nas bases de uma lei eleitoral trapaceira. As eleições viraram um mercado político, e o espaço público só é usado para debate nelas. O desejo de participação não é bem-vindo, e as redes sociais são vistas com desconfiança pelo establishment político.”

    Fonte://oglobo.globo.com/pais/manuel-castells-povo-nao-vai-se-cansar-de-protestar-8860333

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