Por Marcos Ferreira
Sexta-feira passada, ao topar comigo numa clínica do Centro, um leitor me disse que todo domingo lê o que escrevo neste Blog. Ora! Fiquei satisfeitíssimo com tamanha fidelidade. Acrescentou que me segue no Instagram e acompanha meus textos desde minha época de jornal O Mossoroense e Revista Papangu, aumentando assim meu regozijo. Senti-me uma espécie de Rubem Braga falsificado.
Meu leitor se anunciou como José Mota, professor aposentado da rede estadual. Deu-me um aperto de mão e informou que é mineiro de Juiz de Fora e que veio para cá na década de 1960, ainda adolescente, em companhia dos pais, que eram mossoroenses.
Tipo simpático, esguio, cerca de um metro e oitenta, mais velho que eu uns dez anos, ostentava uma farta cabeleira quase intocada pela calvície. Daí a pouco, entre uma coisa e outra, perguntou-me como é escrever crônica. Sim. Foi bastante específico, de maneira que pude concluir que eu não estava perante um leitor despreparado. O homem tinha ciência sobre o referido gênero literário.
José Mota poderia ter perguntado, por exemplo, como é escrever um conto, talvez um artigo, um poema ou um romance, no entanto não fez isso. O que interessava a ele era um macete, uma fórmula ou receita acerca de como trazemos à luz essa gema prosaica alojada entre o artigo e o conto. Então, descambando para o lugar-comum, tentei explicar que a crônica é essencialmente elaborada a partir de notícias e imagens do cotidiano, uma equilibrada mistura de imaginação e realidade, e que nem sempre dispomos da primeira nem da segunda. Aí, à falta de assunto e imaginação, confessei que a gente cava um pênalti, ou seja, inventa uma história qualquer.
Notei que José Mota, que em certo ponto da conversa me revelou que era professor de língua portuguesa, fez a pergunta já conhecendo a resposta. Achei que estivesse apenas realizando um teste, avaliando a minha teoria sobre o assunto, recordando seu tempo de sala de aula. Não sei qual nota me deu, mas gostei de tê-lo conhecido. Torço que algum dia apareça no espaço reservado à opinião do leitor. Ao contrário de alguns, ele sabe distinguir conto de crônica e crônica de artigo.
Assim como outras peças do artesanato linguístico, escrever crônica não cabe em truques ou manuais. Está acima de teorias, de ensaios e currículos. Toda hora nos deparamos na internet, nas redes sociais, com indivíduos vendendo segredos de escrita criativa, prometendo glória e sucesso àqueles aspirantes a escritores. A propaganda é boa e decerto mexe com a cabeça de muitas pessoas.
Sei que nem tudo é tempo perdido. Alguns desses mestres caça-níqueis têm muito o que ensinar a quem tenha capacidade de aprender e possua, digamos assim, um talento inato. Escritores famosos e bem-sucedidos deste país já passaram por essas escolinhas, por esses cursos virtuais. É justo dizer, portanto, que sempre é possível tirarmos algum aprendizado até mesmo de quem, aparentemente, não tem o que nos ensinar. Tudo pode servir de mote e também resultar em nada.
De repente um sujeito estica o beiço na calçada do Mercado Central e afirma que vai sair o cavalo no jogo do bicho; outro discorda, assegura que será a vez do peru, e isso pode ser matéria para se escrever uma crônica enriquecida com a mais autêntica trivialidade do dia a dia. É verdade que a escrita tem vontade própria e, às vezes, somos governados ao invés de governar. Uma tarde dessas sentei na intenção de produzir uma crônica, mas findei parindo um conto. E vice-versa.
Hoje, motivado por aquele encontro com o professor José Mota, entrei nessa enrascada de opinar sobre o que é escrever crônica. Sei que alguns desses teóricos da escrita criativa apontarão um monte de defeitos no meu texto. Talvez porque não tive a inegociável paciência de reler e reescrever esta página umas dez ou vinte vezes. Segundo Ruy Castro, escreve bem quem reescreve bem.
Marcos Ferreira é escritor
O que sinto em vossas crônicas é o retrato, o relato.um filme do cotidiano; isso não é pra qualquer um, só os mestres !
Um abraçaço
Confesso que, apesar de gostar de ler, nunca me liguei em se estava lendo um conto, uma crônica, um romance, até que, acompanhando as suas publicações semanais, fiz uma mistura: era conto e não crônica o que li e comentei como se tivesse sido escrito na primeira pessoa do singular. A partir daí, costumo olhar o estilo que vou ler, para não fazer confusão. Estou aprendendo, sempre! A minha opinião é que, escrever tem que ter dom! Ser observador; saber ouvir; estar atento às cenas do quotidiano. E escrever! Não basta só a ideia. Precisa saber transportá-la pro papel! Que lindo esse encontro com um admirador do seu trabalho; isso não tem preço! Guardadas as devidas proporções, sempre atendi uma cliente no Banco do Brasil que chegou a substituir o prefeito e era uma intelectual! Tratava-a com gentileza e nunca conversamos nada pessoal. Na época costumava receber troféus de cronistas sociais por andar sempre muito elegante. Passava a imagem de uma pessoa muito ligada com a aparência. Por circunstâncias diversas, fui terminar a faculdade de direito, aos trinta e seis anos. Com duas filhas pequenas: uma com oito e a outra com onze anos. Fui laureada em primeiro lugar. Essa senhora foi me visitar no Banco. Confessou que estava muito surpresa. Que desconhecia outro lado meu que não fosse a aparência. Que, a partir da notícia da minha láurea, passou a me ver de outra forma! Como ela me via antes, eu deduzi!
Ratifico tudo que o estimado colega de comentários neste espaço falou, Amorim tem uma qualidade que todos deviam segui-lo, a qual é, a sinceridade.
Com certeza o professor José Mota, carrega consigo o sentimento da inveja santa de ser um dia um Marcos Ferreira da vida.
Marcão você hoje conseguiu alcançar o ápice da sabedoria.👏👏
Marcos Ferreira é um verdadeiro artesão na arte da palavra escrita.surpreendente sempre, em quaisquer dos gêneros que se dispunha a discorrer. Sou seu fã e amigo desde as amareladas de O MOSSOROENSE “.
A semana começa no domingo por ser o primeiro dia da semana ou devido as crônicas e textos diversos do Poeta-Escritor Marcos Ferreira? Acho que se completam e por isso são fundamentais!
Forte abraço meu amigo!
Que belo exemplo do professor, manter a curiosidade viva. O poeta Décio Pignatari, nos anos 60 do século passado, perguntava em uma aula inaugural na UNESP, qual o motivo dos cursos de letras não formarem escritores? Pois eles surgem de todas as áreas ou de pessoas que não estudaram. Na minha perspectiva, os professores são formados para darem aulas sobre a estrutura da língua, mas o poeta trabalha com a estrutura, a intuição e a criação. Uma alegria ler seus textos, grande abraço.
Não importa o gênero no qual o nosso Marcos Ferreira se propõe a escrever. Sempre é um deleite. Coisa de escritor nota dez.
Abraços, amigo.
Meu querido amigo,
Brincar com as palavras e dar o sentido e o formato que lhe aprouver é o seu ofício, e você o desempenha com maestria!
A assinatura Marcos Ferreira é sinal de uma leitura prazerosa!
Também amo ler suas poesias, crônicas, contos…
Grande abraço!
Dizer/escrever o quê diante tão verdadeiros e contextuais encômios ?. Só ratificá-los, incontinenti, de bate-pronto. Abençoada semana pra todos. Inté.
Sim, Marcos, você está certíssimo. E você a escreve muito bem.
Valeu poeta e escritor, Marcos Ferreira. Mais uma crônica para o currículo!
Boa tarde, Marcos!
Gosto muito da sua escrita e, quando vem em detalhes o “Modus Operandi”, daí meu amigo… é covardia. Parabéns!
O amigo João Bezerra faz questão de socializar comigo os escritos de Carlos Santos. Neste final de semana eu estava na zona rural de Parintins/AM (minha cidade natal), apesar de residir atualmente em Natal/RN. Disse-lhe que leria quando a Internet chegasse ao meu celular.
Na cidade, me deleitei com a crônica semanal.
Percebi que há uma analogia entre escrever e navegar pelos rios amazônicos. Não basta conhecer teoricamente a composição de uma crônica ou estudar sobre os rios, afluentes e lagos. Precisa ter um dom, saber navegar pelo leito dos rios, sob pena de bater nos bancos de areia; precisa ter a habilidade de, como um surfista, entrar na hora certa nos banzeiros provocados pelas outras embarcações, sob pena.de naufragar.
O escritor também enfrenta os seus obstáculos e sabe entrar e sair deles com categoria. Nesse bailado das águas e das letras, cada profissional nos brinda com o seu talento.