Por Honório de Medeiros
Pensei que descobrira algo diferente, até mesmo estranho, acerca de Raimundo Nonato da Silva. Dizia respeito a sua ubiquidade. Ou predestinação. Deveria ter me precavido contra esse ataque de arrogância pueril e consultado meu Cascudo.
Não o fiz, e tropecei, logo nos primeiros passos da caminhada. Ali estava, em uma Acta Diurna, no livro cujo título é Raimundo Nonato, o Homem e o Memorialista, organizado por José Augusto Rodrigues e publicado em 1987, pela Coleção Mossoroense, para o qual contribuiu a fina flor dos escritores norte-rio-grandenses da época, em homenagem aos 80 anos do grande escritor Martinense:
Vida movimentada e curiosa. Está em São Miguel de Pau dos Ferros, 1927/28. (…) 1929/30 está em Serra Negra, até a Revolução de outubro, com a invasão dos bandos que exigem comida, bravateando. (…) Finalmente transferem-no para Mossoró, em 1931. Apodi, um ano depois.
Alguma coisa escapou ao olhar atento de Luís da Câmara Cascudo?
Eis a ubiquidade de Raimundo Nonato, flagrada e descrita pelo mestre: Raimundo em São Miguel, e, depois, escreveu Os Revoltosos em São Miguel 1926; Raimundo em Serra Negra do Norte, e, depois, escreveu A Revolução de 30 em Serra Negra; Raimundo em Mossoró e, depois, veio Lampião em Mossoró, o primeiro livro escrito por um potiguar acerca do Cangaço.
Raimundo Nonato é um portento, eis o que se extrai do que se lê nos textos dos que lhe homenagearam. Memorialista, romancista, poeta, historiador, cronista, biógrafo, etnógrafo, jornalista…
Em sua lendária produção literária, contam-se mais de oitenta livros, mas esse é um número duvidoso: somente pela Coleção Mossoroense, foram mais de 30, prego batido, ponta virada.
Estava em todos os cantos, no momento certo, e abordou muitos temas, como se percebe ao ler Histórias de Lobisomem (folclore); O Pilão (etnografia); Bacharéis de Olinda e Recife (história); Quarteirão da Fome (romance); Memórias de um Retirante (memórias); Província Literária (crônicas); Jornalista Martins de Vasconcelos (biografia); Lampião em Mossoró (história); Terra e Gente de Mossoró (pesquisa acerca do 30 de Setembro de 1883); Visões e Abusões Nordestinas (folclore); História Social da Abolição em Mossoró (história); Serra do Martins (história); Negociantes e Mercadores (história); Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro Romântico (cangaceirismo), um livro canônico, referencial, e por aí vai, sem levar em conta os artigos, perfis, discursos, conferências e outros textos publicados em livros e revistas, enquanto participação, bem como jornais do Brasil adentro e afora.
Repita-se, e acrescente-se, para que não reste dúvida: Raimundo Nonato foi o primeiro escritor norte-rio-grandense, salvo algum equívoco, a escrever acerca do Cangaço (Lampião em Mossoró); Coluna Prestes; e Revolução de 1930, no Rio Grande do Norte, bem como o primeiro escritor a lançar uma biografia, por instigação de Câmara Cascudo, de Jesuíno Brilhante.
É, portanto, com méritos, o patrono dos estudiosos do cangaceirismo no nosso Estado.
Ubíquo, prolífico, atento, presença certa durante um longo tempo no meio intelectual potiguar, até mesmo brasileiro, integrante de tantas quantas instituições culturais houve, e fundador de tantas e quantas outras, Raimundo Nonato da Silva, apesar de tudo isso, marcha lentamente para aquele limbo terrível onde habitam os escritores que o tempo encaminha para a penumbra.
Merece, sem dúvida, um estudo de sua vida e obra que é, a seu modo, um painel instigante, um retrato à contraluz, do Rio Grande do Norte no qual viveu, e de onde nunca se afastou sentimentalmente, mesmo quando foi residir no Rio de Janeiro.
Sobrevive, ainda, graças a leitores contumazes, pesquisadores renitentes, estudiosos teimosos que às vezes, por dever de ofício, outras vezes por curiosidade malsã, percorrem sebos em busca de um ou outro título citado em nota de rodapé.
Entretanto, quem há de escrever acerca do cangaceirismo no território potiguar, sem consulta-lo. E quanto à abolição em Mossoró, ou mesmo a Coluna Prestes e a Revolução de 30, este, por sinal, valioso até mesmo por um relato incidental, mas nem por isso menos importante: as relações entre os coronéis da época, fundamental para proteger Serra Negra do Norte ante a invasão iminente dos revolucionários.
A Revolução de 30, aqui no Nordeste, E Rio Grande do Norte, sabem alguns poucos, foi uma briga de coronéis que se estendeu até o Estado Novo…
Enfim: a vasta obra de Raimundo Nonato da Silva, o menino pobre nascido na Serra da Conceição e sobrevivente a duros custos, amante dos livros, escritor, alguém que mais do que qualquer outro, excetuando Luis da Câmara Cascudo, foi uma testemunha do seu tempo, não merece o esquecimento.
Este artigo é minha homenagem a ele.
Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura de Natal e do Governo do RN
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