Por Marcos Ferreira
Durante toda a semana, acometido por uma esterilidade que não largava o meu pé, ou a minha cachola, melhor dizendo, queixei-me com alguns amigos sobre tal indisposição para escrever esta crônica que, suponho, agora vai. Pois bem. Lamentei-me, por exemplo, com o amigo poeta Francisco Nolasco:
— Não sei o que escrever para o Canal BCS (Blog Carlos Santos) — principiei. — Eu considero que estarei de fora no próximo domingo.
— Não, meu amigo! — protestou logo.
— Já é sexta, boca da noite — destaquei.
— Seus leitores aguardam sua crônica.
— Possivelmente. Porém a situação…
— Segure a peteca! O seu público é fiel.
— Um público de quase vinte leitores.
— A qualidade compensa a quantidade.
— Você está correto — dei de ombros.
O poeta, comandante em chefe da “Bodega do Seu Zé”, no Alto de São Manoel, mais precisamente à Rua Kléber Dantas Bezerra, número 94, com mais de meio século de funcionamento, negócio que passou de pai para os filhos, foi atender um freguês e deixou o outro lado do balcão, em busca da mercadoria solicitada. Após despachar o cliente, um tipo de meia-idade que entrou com a máscara sob o queixo, Nolasco voltou-se para mim com os olhos rútilos e arregalados:
— Tenho uma ideia para você trabalhar.
— Estou aberto a sugestões — assenti.
— Fale sobre as Olimpíadas de Tóquio.
Desanimei, e saí com este argumento:
— Poeta, sou ignorante nesse assunto.
— Você jogava vôlei. Deve manjar algo.
— Tanto quanto de engenharia atômica.
— Que nada! Sei que vai tirar de letra.
— Tomara que você esteja com razão.
— Rapaz, essa vitória do Ítalo Ferreira, histórica medalha de ouro no surfe, é um estímulo valioso a qualquer cronista que se encontre sem inspiração. Além disso, ele é um Ferreira… Um Ferreira no topo do mundo.
— Pois é, meu primo Ítalo — brinquei.
Naquele instante, com o crepúsculo da sexta-feira ensanguentando o horizonte, e o barulho absurdo do trânsito a me deixar meio zonzo, despedi-me do poeta e rumei para a casa de Natália Maia, minha noiva e conselheira literária. A ela também me queixei do meu bloqueio, do meu embargo para escrever. Natália, enquanto botava a ração para a nossa gata Pepita, sem me voltar os olhos, pareceu-me ter a resposta na ponta da língua, tamanha a rapidez com que disparou:
— Olimpíadas!… Eis o tema da hora.
Desanimei outra vez, e falei baixinho:
— Hum, parece que estou em apuros.
— Onde está o seu espírito olímpico?
— Ótima pergunta. Comigo não está.
— Dê o seu jeito. Só não pode faltar.
Aqui de volta à escrivaninha, nesta manhã que mal principia, enquanto os pássaros pastam lá fora e o gado pula de galho em galho, perdoem o gracejo, eu penso vagamente na apoteótica conquista do meu “primo” Ítalo Ferreira e nas cenas inesquecíveis desse marco histórico do esporte brasileiro. Arrisco-me a discorrer sobre este assunto, porém alerto ao prezado leitor e à gentil leitora quanto ao meu desconhecimento acerca do tema. Não é minha praia nem minha onda.
Entretanto, como “manteiga” que sou, não nego que me emocionei com o triunfo do meu conterrâneo. Em linha oposta, contudo, irritei-me com o tratamento que parte da chamada grande imprensa deu à façanha do Ferreira. Galvão Bueno, ridiculamente, lastimou muito mais a derrota do paulista e queridinho Gabriel Medina do que festejou o ouro do nordestino e potiguar de Baía Formosa.
Duvido que Galvão tivesse se lamuriado tanto se, por acaso, houvesse ocorrido o oposto. Mas é do Nordeste, do Rio Grande do Norte e de Baía Formosa, até o momento, a única medalha de ouro vinda para o Brasil nestas Olimpíadas. Além disso, representa o primeiro ouro olímpico na história do surfe.
Embora campeão do mundo, respeitado internacionalmente, tendo inclusive derrotado o próprio Gabriel na final no Havaí em 2019, durante todo o trajeto da competição o potiguar era tratado como secundário, espécie de coadjuvante de Medina, sobre o qual os holofotes da imprensa se concentravam.
Midiático, garoto-propaganda requisitado por grandes agências de publicidade, parece que Medina foi para o Japão de salto alto. Assim, quebrou o salto, caiu da prancha e não ganhou sequer a medalha de bronze.
Enquanto isso, embora sempre depreciado e subestimado, o Nordeste aparece muito bem na fita com Ítalo Ferreira e outra nordestina arretada, a fadinha maranhense Rayssa Leal, de apenas treze anos de idade, que também faz história no esporte ao conquistar a primeira medalha de prata no skate.
Juro, entretanto, que não era essa a temática que eu desejava apresentar ao prezado leitor e à gentil leitora. Decerto dirão que estou sendo bairrista, até indelicado no tocante ao menino dos olhos do Galvão Bueno.
O meu desejo, acreditem, era escrever sobre algo leve, um texto paz e amor, sem entreveros nem potencial polêmico, a um só tempo belo e deleitante. Mas a coisa não fluiu, queimei neurônios e permaneci na estaca zero. Pensei, então, em pedir uma crônica emprestada ao Odemirton Filho, quiçá ao Clauder Arcanjo. Este último, concernente à literatura, possui uma fertilidade de coelha.
Sim. Nessas horas um cronista pode perfeitamente se valer dos amigos cronistas. Que é que tem? Rubem Braga, por exemplo, em semelhante aperto, certa feita socorreu-se com o Fernando Sabino, que lhe emprestou uma crônica. Braga deu uma arrumada no texto, trocou o título, e publicou como dele.
Tempos depois, como eram muito íntimos, Sabino se encontrava na mesma situação e foi pedir ajuda ao Rubem Braga, que entregou a Fernando Sabino a mesma crônica que recebera. O autor de O Encontro Marcado também trocou o título e republicou o texto, agora sob o risco de um autoplágio.
Quem conta essa história, de forma magistral e com relevantes detalhes, é o próprio Fernando Sabino na crônica “O estranho ofício de escrever”, do livro A falta que ela me faz (editora Record-1987). Então, prezado leitor e gentil leitora, se dois monstros sagrados da crônica brasileira desse porte enfrentaram esse tipo de pane seca, imaginem só um Dom Pixote das letras do meu naipe.
Peço, pois, que me levem na esportiva.
Marcos Ferreira é escritor
Primeiro, vai uma “repreensão”: não ouse nunca mais se auto proclamar Dom Pixote!
Vamos lá; o Sr. Galvão narrar o ritual da abertura dos Jogos Olímpios foi a coisa mais descabida que vi.
Sem desmerecer o Midiático Medina, mostrou-se um mal perdedor.
Foi claro e com vc relata, a desproporção entre o Medalha de Ouro e Itálo Ferreira no tocante a “propaganda” ; não tenho dúvidas, rola grana.
A Fadinha uma graça, com super verve!
Tá bom falei demais.
Parabéns.
Um abraçaço.
Ps. Fico aqui imaginando quando vc estiver inspirado.
Caro Amorim,
Bom dia!
Adorei o seu comentário. Aceito, com alegria, seu puxão de orelha quanto ao detalhe do “Dom Pixote”. Muitíssimo grato pela leitura e opinião. Um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Marcos Ferreira consegue ser inspiração até mesmo quando não se sente inspirado. Coisa de um grande escritor.
De quebra, sempre é generoso com este aprendiz das letras.
Obrigado pela lembrança, meu amigo.
Fraternal abraço.
Prezado Odemirton Filho,
Bom dia…
Você, meu caro, com seu talento e competência nestes sinuosos caminhos da palavra escrita, é sempre uma inspiração para mim nos dias de bloqueio criativo. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Você olha para um Coqueiro e vê algumas folhas descoradas, caídas, vencidas. No mesmo instante percebe a beleza do azul do céu da linda manhá de sol desta Mossoró tão bonita.
E fica a se perguntar porque somente agora, após perceber o contraste entre o fim e o início, é que se deu conta da beleza incomensurável desta manhá cheia de azul, luz e calor.
E você mesmo tem a resposta.
A manhâ tão bonita traz consigo a alegria de uma bela canção a lhe mostrar o nascer de novas esperanças.
Esperanças agigantadas pelo fenecer de velhas folhas já se despedindo do coqueiro e de nós.
A renovação alegra nossos corações porque nos dá a certeza de que somos eternos. Certeza que é sedimentada pela chegada dos filhos e dos netos.
Liguei para o Cronista Odemirton Filho e falo que até os crônistas renomados têm seus dias de OMO.
Odemirton me provoca e pergunta sobre o coqueiro que vejo da janela do quarto onde vivo deitado em uma cama devido a uma terrível artrose.
Entendo a provocação…
E vocês se aguentem com este amontoado de palavras.
Até porque hoje é domingo.
E os domingos são tão lindos que tornam tudo suportável. Até mesmo relato de folhas de coqueiros amareladas pelo tempo…
Meu caro Inácio Augusto de Almeida,
Muito bom dia para você…
Que beleza de comentário. Linda metáfora! Sensível, tocante. Faço votos de melhoras quanto à sua “terrível artrose”. Gratíssimo por sua opinião. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
O nosso Inácio Augusto de Almeida consegue transformar um comentário em uma bela crônica.
Cá de minha parte, fico a admirar esses dois mestres: Marcos Ferreira e Inácio Augusto de Almeida.
Oh, amigo. Você surfou nessa crônica. Imagine quando estiver inspirado! Benza Deus.
Querida amiga Cristiane,
Simplesmente amei sua expressão “Você surfou nessa crônica”. Como diz o poeta Aluísio Barros, ganhei o meu dia. Um ótimo domingo para você e Israel. Até a próxima.
Marcos Ferreira.
Olá meu querido, falta de inspiração? Creio que a tal, apenas tentou te pregar uma peça. Mais uma vez nos presenteia com um belo texto. Em tempo, a diferença de tratamento entre o grande Ítalo e o midiático e queridinho Medina é gritante e revoltante.
Querido Marcos Aurélio,
Bom dia…
Fico muito feliz que tenha gostado da minha crônica. Sempre uma honra contar com sua leitura e presença neste espaço. Um forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Bravo! Grande Poeta!
Abraços
Amiga poetisa e cronista Vanda,
Bom dia…
Grato, mais uma vez, por sua leitura e opinião. Espero sempre fazer valer a pena o tempo que você dedica a estas minhas páginas. Forte abraço e um ótimo domingo para você.
Marcos Ferreira.
Domingo salvo pela conquista do primo Ítalo, M. Ferreira. O bom da crônica é o q alcança no final, aquele momento em q o motivo desencadeador entrega em bandeja de prata o fio do ouro (Braga e Sabino, Ítalo, Raissa, Rebeca, Bruno… até Mossoró, hein Fratus!). Valeu, Ferreira.
Querido poeta Aluísio Barros,
Bom dia…
Confesso que estou de corpo e alma lavados com essa histórica conquista do Ferreira. Um orgulho, sobretudo, para nós, potiguares. E olhe que não entendo patavina de surfe. Muitíssimo grato por sua leitura e comentário. Uma ótima semana para você e até domingo.
Marcos Ferreira.
A crônica Espírito Olímpico do poeta Marcos Ferreira, publicada no Blog Carlos Santos neste domingo, primeiro dia do mês de agosto de 2021, é uma prova incontestável de que, quando o escritor é talentoso, basta uma ideia para brindar seus leitores com um texto esmerado e verdadeiro.
Após uma sugestão oportuna do poeta Francisco Nolasco, Marcos Ferreira passeia pelo assunto do momento, os Jogos Olímpicos de Tóquio, destacando o papel ridículo da imprensa brasileira, notadamente os comentários melosos e insuportáveis do insosso Galvão Bueno.
Esperamos que no próximo domingo o autor continue sem inspiração.
Se assim for, teremos, sem dúvida, mais uma excelente crônica.
Caríssimo João Bezerra de Castro,
Bom dia…
Confesso que fui salvo pelo gongo: entenda-se Francisco Nolasco. Não é a primeira vez que o poeta me socorre. Grato por mais uma participação sua neste espaço e por palavras tão inspiradoras. Um grande abraço e uma ótima semana para você. Até domingo.
Marcos Ferreira.
Como diz Cristiane: ” imagine quando você estiver inspirado “, verdade ! Essa crônica mais uma vez é uma prova contundente da riqueza literária que é a sua escrita. Parabéns, meu nobre Marcos. Abraço à querida Natália.
Boa tarde.
Amiga Rozilene Ferreira da Costa,
Bom dia…
Fico deveras feliz que essa crônica, embora extraída de onde eu menos esperava, tenha agradado à sua admirável inteligência e sensibilidade. Mais uma vez, grato por sua leitura e opinião. Uma ótima semana para você e até domingo.
Marcos Ferreira.
Ainda bem que Deus colocou Francisco Nolasco pra mostrar quão importante é a peteca do nosso cronista Marcos Ferreira, o homem que se apresentava sem inspiração escreveu tão brilhantemente sobre o ESPÍRITO OLÍMPICO, imagine quando estiver inspirado! Então só nos resta agradecer a Nolasco pelo empurrão dado em Marcos, por quem esperamos para o próximo encontro cultural no dia 8 do fluente mês. Inté lá!!!
Querido Rocha Neto,
Bom dia…
Pois é, meu caro, estou devendo essa preciosa dica (ou “empurrão”, como você definiu) ao fraterno amigo e poeta Francisco Nolasco, figura humana admirável. Que bom, mais uma vez, contar com sua leitura e especialíssimos comentários neste espaço. Insisto em lhe recordar que você precisa participar deste saudável ambiente não apenas como comentarista, mas, também, como cronista. Você tem muito a contar e sabe fazer isso de forma especial. Forte abraço e uma excelente semana para você.
Marcos Ferreira.
Mais uma vez o Marcos Ferreira se agiganta. E nos presenteia com uma nova pérola. Mostrando que tem muita munição e fertilidade nas engrenagens dos vocábulos.
Abração, poeta! Como diria RC, cada dia mais eu sou seu fã.
Prezado amigo Francisco Nolasco,
Bom dia…
Devo a você, como já destaquei aqui neste espaço reservado à opinião dos leitores, o “sucesso” desta crônica faturada nos acréscimos do segundo tempo. Portanto, poeta, bote mais essa minha dívida de gratidão aí na conta. Obrigado, mais uma vez, por sua leitura e presença neste ambiente cultural. Forte abraço e uma ótima semana para você. Até domingo.
Marcos Ferreira.
Como disse o escritor estadunidense Henry Miller: “Se não conseguir fazer com que as palavras trepem, não as masturbe.”
Contudo deu pra se sair… Valeu amigo Marcos Ferreira.
Caro poeta Airton Cilon,
Bom dia!
A frase do Miller, que você oportunamente empregou, é um pequeno orgasmo espirituoso. Escrever é sempre um erótico jogo de sedução com a palavra. Grato, mais uma vez, por sua leitura e opinião. Forte abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Querido Marcos,
Eu conto os segundos para chegar o dia em que lerei a sua crônica. Seu texto leve e fluido, nos garante que a semana que se avizinha será mais agradável e revigorante.
Abraços,
Mário Gaudêncio
Grande Marcos,
A palavra e o dom da escrita são presentes divinos a você concedidos abundantemente!
Parabéns!