domingo - 15/05/2016 - 10:38h

Estado democrático de exceção

Por François Silvestre

Não se compara, nem de longe, com a exceção das ditaduras; vez que não há repressão política nem restrições à cidadania.

O tipo de violência que vivemos é de outra natureza, mesmo que a incompetência política seja causa também dessa outra deformação.

Trato aqui da exceção institucional. Quando a Ditadura de 64 exauriu-se, apodrecida na lama de sangue que promoveu, quis fugir do banco dos réus. E o fez negociando com ex-aliados que abandonavam o barco e com antigos inimigos que tinham pressa em abocanhar o poder.

Uma aliança dessa natureza não poderia produzir uma ordem institucional séria nem duradoura. E foi o que ocorreu. Uma constituinte, desfigurada pelo congresso constituído, para redigir a Carta Magna das Corporações. É isso que é a Constituição de 88. Tão confusa e malabarista que todos a descumprem e encontram nela mesma fundamentação para o descumprimento.

E provam “constitucionalmente” que agem na forma da “ordem constitucional”. Tudo embuste!

Aliados antigos e beneficiários do regime decaído assumiram o comando da transição. Hoje, são os seus descendentes e os descendentes dos seus liderados que mandam e desmandam.

Para assegurar sossego ao domínio dessa desordem foi escancarada uma porteira para o estouro das corporações. Castas elevadas à condição de inalcançáveis pelos poderes tradicionais. Se há uma coisa que necessita de tradição é a prática democrática. No Brasil, inovou-se para pior. Negou-se a tradição inaugurada em 1946 e recriou-se a cavilação. Da esperteza nobiliárquica do legalismo, do bacharelismo e do corporativismo “meritocrático”.

Sem falar na manutenção do Jaboticabal da vitaliciedade por força de indicação política. A vitaliciedade só se justifica e se legitima na Magistratura. Só. Fora disso, é contorcionismo cretino das corporações.

Repito o que já disse aqui: O constituinte de 88 salvou sua biografia ao prever, no Ato das Disposições Transitórias, uma reforma geral da Carta após cinco anos da sua promulgação. Seria a forma de corrigir equívocos e chamar à ordem o feito que produziu um monstrengo ao calor do afogadilho. Essa reforma recolocaria a redemocratização nos eixos.

Porém, os mesmos que aí estão, ou por seus descendentes, não quiseram fazer a reforma prevista. São os atores da mesma peça bufa, da mesma burlesca encenação. Em não sendo feita a reforma, chegou-se à senilidade institucional.

Tudo desaguado nessa democracia de cangalha. Estado Democrático de Exceção. Basta ver a excrescência jurídica de tudo ser resolvido pelo Supremo.

Confissão pública dos outros Poderes da incapacidade atributiva. O País entregue ao quem sabe e ao talvez. Só uma Constituinte Originária revogará a exceção e implantará o Estado Natural Democrático de Direito. O resto é salamaleque.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. naide maria rosado de souza diz:

    Gosto demais de ler François Silvestre. Às vezes ele me assusta, independentemente de eu estar concordando ou não com o que escreve. Vejam que genialidade:”Confissão pública dos outros Poderes da incapacidade atributiva.”… Uma pequena frase que mostra, sobejamente, toda a participação do Judiciário. Tudo precisou da bênção do Judiciário.

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