• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 23/07/2023 - 04:38h

Eu, comunista?

Por Jânio Vidal

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

“Eu, comunista? Onde o senhor arranjou isso?”

Foi minha reação, quando papai me chamou pra conversar na sala da casa onde morávamos, abrindo repentinamente a porta do meu quarto, onde eu estava com o colega Dermi Azevedo e alguns amigos, com os estatutos do Coojornal, fazendo adaptações para fundar uma cooperativa de jornalistas aqui em Natal  e lançar o Coojornat.

Essa frase tenho repetido ao longo da vida, como nas diversas vezes que compartilhei com o amigo Eugênio Neto a bancada do programa Momento Político, na Rádio Tropical. Nos momentos mais exacerbados de debates, ele, um legítimo direitista histórico, no limite dos argumentos me acusava de comunista. E eu rebatia, como já estava acostumado a fazer: “eu, comunista?”

Lembro que anos antes, repórter do Diário de Natal, recebi de um amigo mossoroense,  que também estudava no CCHLA da UFRN, um convite para, como ele, fazer parte de um diretório do clandestino Partido Comunista. Agradeci o convite, e disse pra ele que, como repórter, eu exercia e continuaria exercendo uma função social sem qualquer atrelamento partidário.

Amigo de Sérgio Dieb, atuamos num movimento ecológico e em pautas do meio ambiente, ele como arquiteto e político, eu como repórter. Não faltavam acusações contra mim, pelas matérias que eu fazia, ao superintendente do Diário de Natal, Luiz Maria Alves, anticomunista ferrenho.

Algumas vezes conversamos sobre isso. E eu dizia indagativo pra ele: “eu, comunista?” E ele respondia pra mim: “deixa pra lá, são intrigas da oposição.”

Anos mais tarde, quando assumi a direção da Rádio Tropical, das ondas da Rádio Poti ecoavam gritos acusatórios  numa cantilena repetitiva de um jornalista da direita enfurecida – com quem durante anos tive uma relação profissional incomum – denunciando ao dono da emissora: “Dr. Tarcísio, cuidado, Jânio Vidal é comunista!”, carregando no ISTA feito bala de canhão.

Pouco depois, quando a emissora lançou um programa com o deputado comunista Hermano Paiva, Pretextato e outros camaradas, no qual se enfatizava que era produzido e apresentado por comunistas, ‘no problem’, pois ele já apresentava um programa politico na Tropical, em outro horário. Pura dialética jerimum no dial.

Na época não tinha mais a proibição da censura do regime militar, nem as restrições que vieram com a legislação eleitoral. O tempo passou, a queda do muro de Berlim teve desdobramentos que foram eliminando os partidos comunistas em todos os países e o comunismo virou piada de salão. Aqui  no Brasil não foi diferente, onde dois partidos, o PCB e o PC do B, por absoluta falta de votos, mudaram de sigla ou ruíram por inanição.

Mas o fim da história não se confirmou, como queria Francis Fukuyama. Nesses últimos tempos, há temores de que um espectro ronda o Brasil. Desde as eleições de 2018, com uma trégua na pandemia, quando me vejo encurralado num “ou nós ou eles”, próximo ao paroxismo, paro, olho com os olhos da tolerância e falo interrogativo, com voz de papa, encerrando a conversa:

– eu, comunista?

Jânio Vidal é professor e jornalista

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Tárcio Araujo diz:

    Em Mossoró, o comunismo se renova com a adesão de Sandra e Larissa Rosado aos quadros do partido. Após uma longa esteira política saltitando de sigla em sigla, as ex-deputadas entenderam que finalmente a conversão ao comunismo é o caminho natural neste crepúsculo de vida pública/privada de mãe e filha. Que coisa …!!!

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.