Por Bruno Ernesto
Trago na memória, desde tenra idade, a imagem do cemitério público municipal São Sebastião, localizado no centro de Mossoró. Desde sempre, passo diariamente em frente a ele. Várias vezes ao dia.
Tive a tristeza de ir me despedir de vários amigos que lá estão sepultados. Até visitei os túmulos algumas vezes tempos depois.
Falar da morte pode não soar muito bem para a maioria das pessoas. Penso que é um assunto que deve ser tratado com naturalidade. Porém, reconheço que quando ocorre próximo da gente, sempre cabe uma reflexão. Como disse Manoel Bandeira: “Tudo é milagre. Tudo, menos a morte.”
Na nossa tradição cristã, especificamente católica, até meados do Século XIX, ante a inexistência de cemitérios como estamos acostumados a ver hoje, os sepultamentos se davam nos adros.
Com o crescimento populacional e a ocorrência de epidemias e, por vezes, desastres, que passaram a vitimar mais pessoas num curto espaço de tempo, os adros já não mais comportavam as inumações como antes a tradição católica exigia. A partir de meados do Século XIX foram construídos os primeiros cemitérios nos moldes que ainda podemos ver, com túmulos ornamentados, alamedas, epitáfios e, por vezes, esculturas.
Com o passar do tempo, além do seu propósito, também passaram a ser local de grande expressão artística, aliado ao aspecto religioso que, desde o início, guardam. Veja-se, por exemplo, que suas administrações eram feitas por congregações religiosas, notadamente católicas.
No caso de Mossoró, com a construção do cemitério público São Sebastião no ano de 1869, o cemitério velho, idealizado pelo Vigário Rodrigues, os sepultamentos que se davam nos adros da igreja da Mata Fresca, Capela de Santa Luzia, Casa de Oração do Bairro da Igreja Velha e, por fim, na Matriz, passaram a ser feitos no mesmo. Suas dimensões atuais se estabeleceram nos anos de 1877-1879, ampliação feita em razão de uma grande seca que vitimou grande número de pessoas em Mossoró, havendo registros de que centenas de pessoas eram sepultadas diariamente em grandes valas abertas detrás da capela do cemitério.
Retomando o raciocínio inicial, os cemitérios passaram a ser não apenas um local de despedida e repouso final dos nossos entes queridos e amigos, cujo aspecto religioso ainda guarda forte traço de espiritualidade – afinal, o grande dogma do cristianismo é a ressureição -, passando após, a ser um verdadeiro centro de expressão artística. Vem daí a construção de túmulos e mausoléus que são verdadeiras obras de arte, com seus significados e representações, e que nos levam a refletir sobre a própria morte; como podemos constatar nos famosos cemitérios da Recoleta, da Consolação e do Père-Lachaise.
Em verdade, os cemitérios revelam o que pensa determinada sociedade sobre a morte.
Hoje, independentemente do porte, das personalidades enterradas, da importância e representatividade dos construtores e artistas que, verdadeiramente, assinaram suas obras de artes nesses antigos cemitérios, e, até mesmo da religião de quem lá está sepultado, o que se revela é que a morte vem sendo ressignificada para nós. Porém, a simbologia se mantém inalterada, posto que tem por função perpetuar a memória de quem deixou a vida terrena.
Razão disso, há pessoas que visitam regularmente os cemitérios para orar pelo ente querido, para refletir sobre a própria existência, ou mesmo contemplar o cemitério, como é o caso daqueles famosos cemitérios ou daqueles mais modestos, que, no entanto, cumprem fielmente sua função, especialmente a espiritual.
A morte sempre possuiu uma simbologia. Para uns, de irresignação. Para outros, de reflexão.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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