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domingo - 08/10/2023 - 11:24h

Fé e devoção

Por Odemirton Filho

Devotos do 'santo' popular em Juazeiro do Norte (Foto: Kid Júnior/Diário do Nordeste)

Devotos do ‘santo’ popular em Juazeiro do Norte (Foto: Kid Júnior/Diário do Nordeste)

Ao pé da estátua do Padre Cícero Romão Batista, em Juazeiro do Norte, Ceará, centenas de pessoas, sob um sol escaldante, sentindo o mormaço, olham para o alto, escrevem seus nomes no monumento, e pedem a benção do Padim Ciço. São crianças, jovens, adultos, idosos; gente de todos os recantos do país, principalmente do Nordeste.

Romeiros andam pra lá e pra cá. Vários ônibus lotados de fiéis sobem ao local onde se encontra o monumento, algumas pessoas fazem o percurso a pé. Lojinhas vendem os mais variados produtos, terços, rosários, chaveiros, imagens etc. Visita-se à casa azul, na qual os romeiros fazem os seus pedidos, pagam suas promessas, veem fotos e objetos que pertenceram ao Padre Cícero.

A cidade do Juazeiro vive e respira a memória do Padre Cícero. Em quase todos os estabelecimentos comerciais se vê uma estátua ou foto; creio que em boa parte das residências   também seja assim, apesar do Padim não ter sido declarado Santo pela Igreja Católica.

No livro Padre Cícero, Santo dos Pobres, Santo da Igreja, de autoria da religiosa Annete Dumoulin, o Bispo emérito de Crato, Dom Fernando Panico, diz que em 2006 foi entregue à Congregação para a Doutrina da Fé um pedido de reabilitação histórica e canônica do Padre Cícero. O Pedido, segundo ele, foi sustentado em sólidos argumentos, fruto de profunda reflexão dos membros de uma comissão, composta por doutos em várias ciências.

Por outro lado, não vi nenhuma menção ao encontro entre o Padre Cícero e Lampião, no qual o sacerdote concedeu uma falsa patente de capitão ao cangaceiro, quando este visitou o município. Além disso, como sabemos, há outros fatos que maculam a biografia do Padre.

Entretanto, para a maioria das pessoas que visita o Juazeiro nada disso importa. O que vale é a fé e a devoção no Padim.

Consta que dois milhões de pessoas visitam anualmente a cidade. Há um forte turismo religioso, movimentando a economia da região metropolitana do Cariri, pois as acolhedoras cidades de Barbalha e de Crato são vizinhas do Juazeiro do Norte.

A região é quente, abafada; até mais que Mossoró. Lá estando, aproveitando a mítica do lugar, com a alma leve, também fiz as minhas orações. Agradeci a Deus pelo dom da vida; roguei aos céus saúde e paz para mim e os meus.

Lembrei-me da pretensão de se construir em Mossoró um monumento em homenagem à nossa padroeira Santa Luzia. Será que conseguiremos? Quem sabe. Sendo assim, socorro-me do Evangelho: “Homem de pouca fé, por que duvidastes”?

Aliás, a fé alimenta a alma de milhões de pessoas, sejam católicas ou não, por isso a tolerância religiosa deve ser cultivada em uma sociedade que pretende ser plural e inclusiva, pois de acordo com a Constituição Federal é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Devo confessar que achei agradável conhecer Juazeiro do Norte (calor para mim não é novidade), presenciando a fé e a devoção das pessoas. Será ignorância do povo? Ora, quem somos nós para julgá-lo?

Talvez, as palavras do Bispo Fernando Panico, um dos arautos do Padre Cícero Romão Batista, lancem luzes para explicar tamanha devoção:

“Pelo testemunho perene dos romeiros e romeiras na Terra Sagrada do Juazeiro do Norte, não era possível acreditar que Padre Cícero fosse o “heresiarca sinistro” que Euclides da Cunha descrevia no seu livro Os Sertões. Certamente Padim Ciço tem algo de muito especial para ser objeto da” devoção de milhões de pessoas que vêm a Juazeiro para “visitá-lo”. 

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Marcos Pinto. diz:

    O Padre Cicero nunca foi santo coisa nenhuma. Era, apenas, um grande conhecedor da medicina homeopática, da qual utilizava-se das plantas medicinais indicadas para manipulação de medicamentos caseiros, os quais prescrevia para seu rebanho. Assim, ganhou imensa densidade popular acoliada por obcecada fé dos nordestinos que passaram a fazer romarias, oriundas dos longínquos estados nordestinos como Alagoas, Maranhão, Piauí e Pernambuco. Foi afastado das suas funções sacerdotais por flagrante sutileza por forjar “milagre”, arrimado em fato ocorrido em uma de suas celebrações de missa. Sabedor da adiantada tuberculosa da sua devota de nome “Mocinha”, em uma missa celebrada às cinco horas e meia da matina, por ocasião da oferta da santa hóstia consagrada, depositou uma hóstia sobre a língua da beata Mocinha, ocasião em que a mesma tossiu fortemente, expelindo sobre a língua uma saliva gosmenta misturada a sangue (Na
    medicina tal líquido salivar é denominado de Hemoptise) tendo o Padre Cícero ensopado dita hóstia no liquido salivar sanguinolento, segurando-a em sua mão, para a seguir levantar ostensivamente a sua mão para exclamar, em voz altíssima : “Vejam meus fiéis, o milagre que acabou de acontecer ! – a hóstia consagrada está banhada pelo sangue do Cristo Jesus !. Diante a impactante cena, os fiéis prostraram-se ao solo exclamando em uníssono : Santo ! Santo ! O Padim Padre Cícero é um santo !. Isto ocorreu nos primeiros anos da década de 20 (1920). A partir desse dia o suposto milagre passou a percorrer rapidamente as conversas noturnas dos alpendres sertanejos. Ocorre que a Igreja católica, por sua ortodoxa e conservadora hierarquia não absorveu o blefe, tendo afastado imediatamente o Reverendo Cura das suas atividades sacerdotais. Sugiro leitura da biografia do Padre Cícero na famosa Wikipédia. Inté, Feliz semana aos nobres Webleitores.

  2. Rocha Neto diz:

    Artigo de Odemirton e comentário de Marcos Pinto, estão perfeitos.
    Duas grandes aulas!
    Parabéns aos dois grandes mestres da escrita.

  3. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAUJO diz:

    Meu caro Marcos e Odemirton, desde que o mundo é mundo, como sabemos, as estruturas de ordem religiosa, sob o signo de truques ou até mesmo de acontecimentos de natureza e jaez imponderável, denomina ocorrência e acontecimentos supostamente inexplicáveis, exaustivamente de milagres, com um único intuito, usar e abusar da ignorância e boa fé dos chamados fíes da fé.

    No caso do Padim Padre Cícero, entendo que os supostos milagres não foram aceitos pelos altos escalões da Igreja Católica, por um simples, óbvio e ululante motivo. O mesmo Padre Cicero teve, ao longo da sua história, um misto de líder político/religioso, inúmeras escaramuças de ordem politico/religiosa frente aos prelados católicos apostólicos romanos, o que, claro, o levou a cair em desgraça, portanto, até o presente momento, inviabilizando o sonho dos entendem ser o mesmo, merecedor de láurea episcopal de uma suposta santidade.

    Alias, essa questão acerca de suposto santidades erigidas pela Igreja Católica e outras ao longo da história, soa não só bizarro, como efetivamente tem se comprovado um embuste e um desrespeito àqueles que tem como norte existencial , saber cientifico e cultura de racionalidade quando da sua compreensão e visão de mundo.

    Em resumo, ao longo da história, pari passu a ciência vem por demais demonstrando que os supostos milagres, efetivamente são acontecimentos do imponderável, até que a ciência venha demonstrar e explicar racionalmente o porquê e como aquele fato ou acontecimento , seja de que natureza for, se desenvolveu e de fato ocorreu, claro, não para os fundamentalistas, conservadores e crentes de mão única, de visão cega e fanática, sem falçar claro nos terraplanistas, os quais , infelizmente , ainda são milhões no universo existencial e planeta terra.

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