Por Inácio Augusto de Almeida
Neste fim de tarde de nuvens carrancundas e de pouca chuva, tarde que se vai preguiçosamente, num nunca acabar, apenas um silêncio profundo toma conta deste quarto no qual permaneço há tanto tempo que perdi a conta dos meses ou anos que deitado vivo.
Vivo, porque a minha cabeça mergulha vez por outra no passado, mas quase sempre está buscando o amanhã.
Não, não quero o ontem. Desejo, como desejo o amanhã.
Um cachorro late e me leva a questionar se existe mais solidariedade e respeito entre os animais do que entre nós.
Lembro da história do cachorro que ficou semanas à beira do túmulo do seu grande amigo esperando a sua volta.
Recordo-me de um enterro, onde filhos do falecido olhavam os relógios receosos de perderem algum compromisso por conta da demora no sepultamento.
Preciso afastar estas lembranças que ferem meu coração e busco no Tik-Tok alguma piada para contrabalançar a minha tristeza.
Um “humorista” conta, rindo, que tocaram fogo num mendigo e que a pedra de crack disse estar vingada.
A plateia explode em risos e palmas.
Eu me assusto.
Penso que rir e fazer rir com o tocar fogo num ser humano nos leva ao último degrau da degradação humana.
Pergunto para mim, em voz baixa, porque em vez de aplaudirem, não vaiaram tamanha idiotice? E descubro a razão para a não vaia, para a não indignação.
Perdemos totalmente a noção de valores. Amizade, fraternidade, solidariedade e amor ao próximo viraram pieguismo, coisa comum aos fracos.
Importa mais a indiferença, o desamor, a ambição, o sempre ter mais e mais para, tendo mais, mais ter e TER. E assim cada vez mais ser e SER.
Descubro-me a censurar os que estão rindo de uma piada e constato o quanto sou pior quando, sabendo do furto praticado pelos corruptos, por covardia, calo.
Calo. E mais, rastejo. Rastejo quando me levanto na igreja para os canalhas, cedendo os primeiros lugares.
E aos vermes me nivelo quando, no restaurante, entra um patife e aplaudo de pé, para aparentar alegria pela chegada do monstro que furta a Educação das crianças e a Saúde dos velhos.
Furta desviando o dinheiro da Merenda, Uniforme e Transporte Escolar.
Furta desviando o dinheiro das cirurgias e dos medicamentos.
Monstro que pouco se importa com o sofrimento do seu semelhante.
Qual a diferença entre tocar fogo num mendigo e deixar faltar insulina e outros medicamentos para se apropriar do dinheiro?
Qual a diferença entre tocar fogo num mendigo e negar Educação aos jovens, encaminhando-os assim para as veredas da criminalidade onde a vida é curta?
Estarreceu-me uma plateia rir de tocarem fogo num mendigo.
Assusto-me quando constato não me indignar com o genocídio causado pela corrupção.
Nem eu nem ninguém se toca para o quanto somos covardes.
O cachorro volta a latir. Certamente para me lembrar que os bons sentimentos existem no mundo animal.
Quando voltaremos a recuperar parte da nossa dignidade?
Quando voltaremos a ouvir o latido de um cachorro sem questionar nossos valores?
Quando estaremos preparados para receber Jesus Cristo podendo olhar bem dentro dos olhos do Salvador?
Quando voltaremos a ser nós mesmos?
Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista
Sr. Inácio, boa noite na paz de Cristo Jesus. Parabéns pela excelente crônica Fim de tarde. Concordo inteiramente com sua escrita. Deus nos proteja e nos guarde.
E nos livre da loucura de Putin.
Obrigado pela leitura da crônica.