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domingo - 27/02/2022 - 13:20h

Fim de tarde

Por Inácio Augusto de Almeida 

Neste fim de tarde de nuvens carrancundas e de pouca chuva, tarde que se vai preguiçosamente, num nunca acabar, apenas um silêncio profundo toma conta deste quarto no qual permaneço há tanto tempo que perdi a conta dos meses ou anos que deitado vivo.

Vivo, porque a minha cabeça mergulha vez por outra no passado, mas quase sempre está buscando o amanhã. Fim de tarde - Guarulhos-SP

Não, não quero o ontem. Desejo, como desejo o amanhã.

Um cachorro late e me leva a questionar se existe mais solidariedade e respeito entre os animais do que entre nós.

Lembro da história do cachorro que ficou semanas à beira do túmulo do seu grande amigo esperando a sua volta.

Recordo-me de um enterro, onde filhos do falecido olhavam os relógios receosos de perderem algum compromisso por conta da demora no sepultamento.

Preciso afastar estas lembranças que ferem meu coração e busco no Tik-Tok alguma piada para contrabalançar a minha tristeza.

Um “humorista” conta, rindo, que tocaram fogo num mendigo e que a pedra de crack disse estar vingada.

A plateia explode em risos e palmas.

Eu me assusto.

Penso que rir e fazer rir com o tocar fogo num ser humano nos leva ao último degrau da degradação humana.

Pergunto para mim, em voz baixa, porque em vez de aplaudirem, não vaiaram tamanha idiotice? E descubro a razão para a não vaia, para a não indignação.

Perdemos totalmente a noção de valores. Amizade, fraternidade, solidariedade e amor ao próximo viraram pieguismo, coisa comum aos fracos.

Importa mais a indiferença, o desamor, a ambição, o sempre ter mais e mais para, tendo mais, mais ter e TER. E assim cada vez mais ser e SER.

Descubro-me a censurar os que estão rindo de uma piada e constato o quanto sou pior quando, sabendo do furto praticado pelos corruptos, por covardia, calo.

Calo. E mais, rastejo. Rastejo quando me levanto na igreja para os canalhas, cedendo os primeiros lugares.

E aos vermes me nivelo quando, no restaurante, entra um patife e aplaudo de pé, para aparentar alegria pela chegada do monstro que furta a Educação das crianças e a Saúde dos velhos.

Furta desviando o dinheiro da Merenda, Uniforme e Transporte Escolar.

Furta desviando o dinheiro das cirurgias e dos medicamentos.

Monstro que pouco se importa com o sofrimento do seu semelhante.

Qual a diferença entre tocar fogo num mendigo e deixar faltar insulina e outros medicamentos para se apropriar do dinheiro?

Qual a diferença entre tocar fogo num mendigo e negar Educação aos jovens, encaminhando-os assim para as veredas da criminalidade onde a vida é curta?

Estarreceu-me uma plateia rir de tocarem fogo num mendigo.

Assusto-me quando constato não me indignar com o genocídio causado pela corrupção.

Nem eu nem ninguém se toca para o quanto somos covardes.

O cachorro volta a latir. Certamente para me lembrar que os bons sentimentos existem no mundo animal.

Quando voltaremos a recuperar parte da nossa dignidade?

Quando voltaremos a ouvir o latido de um cachorro sem questionar nossos valores?

Quando estaremos preparados para receber Jesus Cristo podendo olhar bem dentro dos olhos do Salvador?

Quando voltaremos a ser nós mesmos?

Inácio Augusto de Almeida é escritor e Jornalista

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Ronaldo diz:

    Sr. Inácio, boa noite na paz de Cristo Jesus. Parabéns pela excelente crônica Fim de tarde. Concordo inteiramente com sua escrita. Deus nos proteja e nos guarde.

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