domingo - 11/09/2011 - 09:04h

Francisco Miranda – Borrego

Por Rafael Bruno B.F Negreiros

* Conheci “Borrego” quando a escola era risonha e franca, e ao longo de uma amizade de quarenta anos, nunca o encontrei irritado, irado ou falando mal de quem quer que fosse. De uma pobreza franciscana, ele tinha mais amigos do que sequer podemos imaginar. Do Raimundo Soares, nosso privilegiado cérebro e uma das melhores inteligências que o Rio Grande do Norte possui, até o José Fernandes, oculista e fazendeiro, todos achando, com razão, que a presença de Borrego era indispensável.

Claro que ele não poderia jamais ser um homem metódico ou organizado. Passava três a quatro meses em Recife na casa de seu amigo Ricardo Hollanda Neves. Se alguém precisasse de uma viagem ao Rio por terra, Borrego estava ali, pertinho, para fazer tudo com a maior segurança possível.

De vez em quando ele aportava no meu escritório e aí eram duas horas de conversas “enquanto espero que o compadre Amaury Fernandes chegue”, por ele tinha o singular dom de ser querido por todos, sem exceção.

Certa feita, seu nariz começou a inchar e meu filho Paulo disse-lhe o nome da doença, um nome meio esquisito, porque na verdade tal órgão estava tomando proporções descomunais e Paulo lhe disse – Borrego, eu sei o nome da doença, e sei quem é o melor operador do Brasil” e deu-lhe um cartão, tendo ele se deslocado para o Rio de Janeiro e voltado com a nova plástica.

Ele tinha tinha uma qualidade intrínseca, que fazia parte de sua pessoa – não esquecia os favores recebidos e, por isso, de vez em quando falava na história e dizia – “Se não fosse o doutor Paulo, hoje eu estaria deformado, mas o médico que ele me indicou no Rio era mesmo um cara fora de série”…

Há uns quinze dias, estive com ele e parece que, numa espécie de premonição, perguntei-lhe a idade, sessenta e oito anos, se já estava sentindo os efeitos de quarenta anos de bebida diária e ele respondeu às gargalhadas: “Estou diminuindo a dose mas não deixo o ramo…”

E depois saiu, naquele andar pausado, lento e senhorial; parecia um banqueiro aposentado, usufruindo os prazeres do ócio.

Exímio contador de anedotas, ele prestava favores a quem quer que se aproximasse e estou a imaginar o choque que o Raimundo Soares vai ter, quando souber que seu amigo de tantas brincadeiras, seu companheiro de tantas viagens, morreu atropelado; atropelado tolamente, porque a porta traseira de um automóvel que passava abriu-se e pegou-o de cheio.

Importante em tudo isso é que Borrego não dava o menor valor ao dinheiro, vivia ao sabor de cada dia, talvez lembrando daquele terrível provérbio que diz: “O dinheiro enriquece milhares de pessoas e leva centenas de milhares ao inferno; ou faça do dinheiro o seu Deus e ele haverá de aperriá-lo como satanás”.

Quando falava na esposa, dizia logo: “Ritinha me compreende”. E pronto, conhecia os segredos da mecânica, melhor do que ninguém. Um automóvel entregue à direção do Borrego, era uma tranquilidade, podia se viajar descansado, porque ele tinha um extraordinário sendo de responsabilidade quando viajava.

Morreu e deixou muitos, muitos amigos saudosos, que irão lamentar por muitos anos a sua ausência. É que, sem grande instrução, era um homem desenvolto, que sabia conversar, colocas as palavras com argúcia, e mais que tudo, fazer um exame perfuntório. Embora que, da situação mundial, com um sorriso, dizia ele que “uma guerra não irá mais me atingir, não sirvo para brigar mais em campo nenhum…”

"Borrego", um personagem raro

Muitos amigos, ele poderia dizer como Dolores Soza, somos todos irmãos, porque o seu coração não abrigava o ódio nem a vindita nem os recalques nem as frustrações. Tudo era liquidado com uma boa conversa e as ambições materiais não o seduziam nem de longe, não invejava a ninguém e muito menos procurava correr atrás de uma sombra.

Morto, num prosaico acidente de trânsito, o homem que varava milhares e milhares de quilômetros, sem um deslize sequer, prova mais uma vez que somos apenas marionetes desse senhor implacável, cruel e desidioso – o Destino. Os amigos que ele possuía eram amigos fieis e instransigentes, como ele era fiel e dedicado nas suas amizades.

Rafael B.F de Negreiros – Jornalista e empresário (falecido)

* Texto publicado na edição do dia 13 de setembro de 1985, no jornal Gazeta do Oeste, página 2, em homenagem a Francisco Borrego de Miranda, “Chico Borrego”, um personagem raro na geografia humana de Mossoró, falecido no dia 11 de setembro de 1985 (há 26 anos).

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. françois silvestre diz:

    Certa vez, Raimundo Soares disse a Borrego: “Burreguim, é melhor agente se separar por um tempo. Pode ter falatório contra você, porque nós estamos sempre juntos. Em todo canto estou eu e meu motorista Borrego. Pode ser ruim pra sua reputação”. E Borrego respondeu: “E quem foi que disse que só o motorista é que pode dá o frinfa”?

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