Por Marcos Ferreira
Seja bem-vindo. Esta é Mossoró, minha cidade. O ‘minha’, claro, é mera força de expressão; mais pertenço que possuo. Bom, eis a remota Mossoró, terra da liberdade, conforme apregoam há quase um século. Município este que, segundo a lenda, expulsou o destemido Lampião e justiçou o também cangaceiro Jararaca quando os fora da lei invadiram esta província lá pelos idos de 1927.
Particularmente, embora os doutores do cangaço torçam o nariz, não me orgulho nem um pingo dessa história de brabeza de Mossoró. No fim das contas, depois de tanta chuva de bala, os bandoleiros dominaram esta comuna na trincheira da cultura. Sim. Hoje ninguém mais fala nos resistentes, mas tão só no bando de salteadores. Olhe ali, por exemplo, o espaço denominado Arte da Terra: dois bonecos gigantes de Lampião e Maria Bonita bem na frente, dando boas-vindas.
Isto sem falarmos num Memorial da Resistência que não resistiu à tentação de oferecer mais destaque aos invasores do que aos defensores. Hoje em dia, sendo otimista, talvez apenas uma dúzia de nomes que defenderam este fim de mundo à época do ataque ainda seja lembrada pelos mossoroenses de um modo geral, como o então prefeito Rodolfo Fernandes. Pudera, trata-se do prefeito.
Outra coisa. Jararaca, ferido com um balaço e enterrado ainda vivo no São Sebastião, de acordo com alguns historiadores, foi alçado à condição de santo milagreiro pelo povo desta cidade e adjacências. É o que estou dizendo. O sujeito passou de facínora a santo da noite para o dia. A sua cova no São Sebastião é simplesmente a mais visitada no Dia de Finados. Já o túmulo do herói Rodolfo Fernandes, sepultado no mesmo cemitério, salvo exceções, ninguém sabe onde fica.
Aquele prédio imponente ali era o glorioso Cine Pax, ora transformado em loja de roupas. Foi inaugurado em janeiro de 1943 e funcionou por mais de seis décadas. Fechou de vez as portas no ano de 2008, se não me engano. Assisti a ótimos filmes nesse importante símbolo da vida cultural mossoroense. O ponto alto do fim de semana das pessoas do meu tempo era ver um filme no Pax.
Cuidado com a moto! Melhor subirmos na calçada. Nosso trânsito é um bicho traiçoeiro. Aqui não se pratica direção defensiva, mas predatória. Alguns donos desses carrões, sobretudo, só faltam passar por cima da gente. Parece até que eles têm aversão a pedestres, a ciclistas e motociclistas. Tipos arrogantes, tanto os condutores dos carrões quanto os motoqueiros. A maioria vira para um lado e para o outro sem ligar a seta. Em especial os referidos donos dos carros luxuosos.
Está quente, não? Pois bem, meu amigo. Mossoró, entre outras denominações, é a terra do calor, do siroco em tardes mormacentas como esta e de eventuais madrugadas com uma cruviana gostosa. Durante o inverno, quando há, é uma maravilha, apesar do Centro alagar com facilidade. As noites costumam ser bem aprazíveis, e os bairros periféricos ficam cheios de cadeiras nas calçadas.
Esta é a Praça Vigário Antônio Joaquim. Mas o busto do vigário se encontra escondido naquela pracinha ao lado da Catedral de Santa Luzia. Por incrível que pareça, a enorme estátua que você está vendo no centro da Praça do Vigário não é do vigário. Esse é um monumento em homenagem ao ex-prefeito desta urbe e ex-governador do estado Jerônimo Dix-sept Rosado Maia, que morreu no auge da sua promissora carreira política em um acidente aviatório no ano de 1951.
Como eu disse, ali é a Catedral de Santa Luzia, onde os fiéis curvam os joelhos com peditórios ao Todo-Poderoso. Em geral, apesar da nossa estatística de homicídios ser uma das maiores do planeta, o mossoroense é um povo religioso, com supremacia católica. Aqui predomina a política do olho por olho, dente por dente, contudo as pessoas morrem de medo de ir parar no Inferno. Então, como se buscassem uma espécie de habeas corpus celeste, correm para os pés de Jesus.
Vamos para o outro lado. Que calor, hein?! Mossoró não é para amadores, nem para turistas desavisados. Beba sua aguinha gelada, se ainda estiver gelada. Ali é o Mercado Central, primeiro shopping de Mossoró. Eu e meus irmãos ficávamos animadíssimos quando chegava o domingo e meu pai nos trazia, antes do sol raiar, para fazermos algumas compras no Mercado. Era uma festa!
Tempos idos e vividos. Tenho saudades de muita coisa daquela época, embora o pão fosse tão caro e a liberdade pequena, como no poema do Ferreira Gullar. Hoje, entretanto, o pão voltou a custar muito caro, e a liberdade vive sob constante ameaça, se me faço entender. Mas voltemos ao pujante Mercado de outrora. Fico com a boca cheia d’água só de me lembrar do pastel quentinho, feito naquela horinha, que a gente devorava com um copázio de vitamina de abacate.
Quando não era uma abacatada com pastel, traçávamos uma panelada com molho de pimenta-malagueta. O bucho ficava em tempo de espocar, e o suor porejava na testa. “Caiu na fraqueza”, dizia meu pai caçoando de mim e dos meus irmãos. De outra feita, menino já taludo, trabalhei algumas vezes no entorno do Mercado, pastorando as bicicletas da clientela para descolar uns tostões.
Agora quero lhe mostrar o Teatro Municipal Dix-huit Rosado, suntuosa construção que homenageia outro político da tradicional família Rosado e também ex-prefeito desta província, morto no ano de 1996. Jerônimo Dix-huit Rosado Maia (isso é algo fácil deduzir) é irmão do ex-governador Dix-sept Rosado, cuja impressionante estátua, como o senhor constatou, se encontra no meio da Praça do Vigário. Aí está, portanto, o Teatro Municipal, palco da cultura mossoroense.
Veja aquela casa de drinques do outro lado da rua, na Avenida Rio Branco. Ali, durante uns bons anos, funcionou a Livraria Café & Cultura. Lugar excelente, ponto de encontro da intelectualidade local. Escritores, jornalistas, poetas, historiadores, médicos, advogados, professores, juízes, arquitetos, artistas, enfim, toda uma constelação pensante ocupava as cadeiras e mesas da Café & Cultura.
Era uma livraria como hoje não mais existe neste município, administrada e mantida pela senhora Ticiana Rosado. Nesse endereço, permita-me a autopropaganda, fiz o lançamento da primeira edição do meu livro de poemas A Hora Azul do Silêncio, que contou com público expressivo. Foi no ano de 2006. Atualmente, ouso dizer, no tocante a uma livraria de verdade, com amplo acervo de autores e obras, disponibilizando um bom café para a clientela, estamos órfãos.
Bem, acredito que o senhor está cheio desse papo de letras. Vamos agora a um reduto não menos cultural e emblemático desta aldeia: o Alto do Louvor. Já ouviu falar no Alto do Louvor? Não?! Então, meu caro, apresentá-lo-ei, como diria, cheio de mesóclises, o missivista federal Michel Temer. Trata-se do berço recreativo e sifilítico deste fim de mundo. Mal comparando, vir até aqui e não conhecer o Alto do Louvor é mais ou menos como você ir a Roma e não ver o Papa.
Alto do Louvor é a nossa extinta zona de meretrício. Muitos dos nossos ilustres e respeitáveis homens (não foi o meu caso!) foram iniciados sexualmente nesse antro do amor remunerado. O antes glamouroso Alto do Louvor fechou as portas há muito, porém a lenda das suas casas de tolerância e mulheres de vida nada fácil sobrevive até hoje no imaginário popular como uma ferida benigna.
Beba mais água. O senhor está ofegante.
Marcos Ferreira é escritor
Perfeita viagem pela nossa Mossoró city.
Parabéns!
Amiga escritora Fátima Feitosa, obrigado.
Uma ótima semana para vocês.
Muita saúde e paz. Feliz dia dos namorados.
Abraços.
Olá, Marcos!
Adorei o passeio pela querida cidade de Mossoró!
Abraços
Amiga Vanda,
Muito obrigado pelo leitura e pelo comentário.
Que bom que gostou do “guia turístico”.
Abraços.
Boa! Um passeio mais que eclético ei intimista no País de Mossoró… Velhos tempos que não voltam nunca mais, mesmo soando clichê, porém pura verdade.
Amigo poeta Francisco Nolasco,
Obrigado pela leitura e comentário.
É isso mesmo, amigo, o tempo não volta.
Mas segue recordando algumas coisas.
Abraços, saúde e paz.
O escritor dá um passeio saudoso por Mossoró. As referências sao boas para mim, estrangeiro de outro região, ue Conheço muito pouco a cidade, limitando-se a visitas rapidas, como a ida, no ano passado, para ver a peça teatral “Chuva de balas…” Nessa peça o vilão é o bando de cangaceiros, mas não sei porque simpatizei com ele.
Enfim, a Cultura deve ser cada vez valorizada, mesmo a contragosto de alguns algozes.
Prezado Raimundo Gilmar,
Grato por sua leitura e participação neste espaço reservado à opinião do leitor.
Fico feliz que tenha gostado do “guia turístico” e das suas recordações.
Forte abraço, saúde e paz.
Um ótimo e divertido guia turístico esse nobre escritor. Como sempre, uma ironia aqui outra acolá, mas muito bem desenhado o mapa de Mossoró. Desconhecia que Lampião tivesse passado por lá. O cara andava muito. Meu avô, já falecido, nasceu em 1905 e me contou muitas aventuras daquele homem temido, e somos pernambucanos. Mas essa história do mal ter destaque em relação ao bem, não é de hoje. As coisas ruins recebem muito mais holofotes. Diga numa rede social que está feliz e poucas pessoas irão colocar o like. Agora conte uma miséria e terá likes aos montes. O que eu tirei de melhor foi a curiosidade de conhecer Mossoró. Estou bastante interessada! Você fez uma narrativa linda da sua cidade! Quão grandiosa é ela! E vocês estão de parabéns! O Rio Grande do Norte é forte: o primeiro voto feminino em eleição, foi desse belíssimo estado.
Querida Bernadete Lino,
Volto a dizer que você, a exemplo de alguns leitores deste Blog do Carlos Santos, representa uma inspiração a mais para a gente seguir com a escrevinhação. Grato pelo estímulo de sempre. Que bom que gostou do “guia turístico”.
Abraços, muita saúde e paz.
Querido Marcos,
Lembro muito bem do lançamento do seu livro A Hora Azul do Silêncio na livraria Café & Cultura, que, salvo engano, foi fruto de uma premiação.
Estamos “órfãos” de lugares aprazíveis como o mencionado acima, que exalavam cultura, onde tínhamos o prazer de ler, encontrar os amigos para colocar os assuntos em dia, ainda por cima regados a um saboroso e perfumado café.
Maravilhosa e saudosista crônica!
Obrigada por nos presentear todo domingo com esta deliciosa leitura!
Grande abraço!
Minha querida professora Simone Martins Quinane,
É uma grande honra ter sido seu aluno, e ter sempre recebido de você incentivos para seguir com estes meus escritos, e hoje poder contar com você como leitora da minha produção literária neste espaço do Blog Carlos Santos.
Muito obrigado por tudo.
Abraços.
Ótima crônica, parabéns ao autor. Só uma observação a fazer: esta estória de Jararaca virar “São Jararaca”, foi invenção do jornalista escritor Fenelon Almeida que escreveu um livro sobre o ataque de Lampião a Mossoró. O livro lançado em 1981 com o título “JARARACA: O CANGACEIRO QUE VIROU SANTO”, só tem meia página falando num suposto milagre deste “SANTO”. Portanto partindo desta prisma, acho que quem fez canonização do bandido, foi o PAPA FENELON I.
Caro Chagas Nascimento,
Muito obrigado por sua leitura e opinião neste espaço. Seu conhecimento sobre a questão do cangaceiro ter virado santo milagreiro devido à referida obra do Fenelon Almeida é muito interessante. Deixo a pesquisa para os estudiosos do cangaço, mas realmente agradeço por sua abordagem sobre o assunto da “canonização” pelo “papa” Fenelon.
Abraços, muita saúde e paz.
E lembrar que Mossoro ja foi cotada (ao menos nos disseram isso) para ser a Capital Nacional da Cultura.
Caro Pedro Rodrigues,
Esse é outro detalhe importante: Mossoró – Capital Brasileira da Cultura. Só se for, como costumo dizer, a cultura do pão e circo, onde há cada vez menos pão. Obrigado pela leitura e comentário.
Abraços.
É, seu Marcos, Mossoró tem dessas coisas… Para começar houve até julgamento e Jararaca foi absolvido, pode acreditar. E tudo de verdade. Mas são essas contradições que tornam Mossoró, não uma cidade, mas sim, um país. E que país! Contudo, sinto saudade do antigamente… O Clube Ipiranga era massa. Claro, antes, o Beco das Frutas, para tomar uma meiota com Coca. Já entrava turbinado. Enchia com Rum Montilla e mais Coca. E na volta, Bar dos Doidos ou Seu Fransquim, com o famoso cachorro quente ou o pastel com caldo de cana. Cine Pax e as famosas revistas na calçada, porém só depois da missa na Catedral, que a gente nem assistia (botava o mais novo para assistir e a gente ficava jogando bilhar no bar ao lado, por ali onde hoje em dia tem um café, acho. Ah, e mais essas coisas que você falou aí. Com destaque para o Alto do Louvor. Quem quisesse se iniciar na vida adulta, como homem, tinha que passar pelas meninas do Alto. Na ida já levava um Tetrex como garantia. Eita Mossoró cheia de histórias para contar!
Amigo escritor Raimundo Antônio de Souza Lopes,
Seu conhecimento sobre a história de Mossoró é ainda maior e mais colorido do que a desse intrometido “guia turístico”. Facil e rapidamente você recordou uma porção de coisas do passado desta pretensa capital brasileira da cultura, conforme candidatou-se certa vez vendendo pão e circo por cultura. Mas a pirotecnia fracassou diante da verdade. Grato por sua leitura e opinião.
Abraços.
Nossa Mossoró, cheia de História, mas preferem estórias e suas manipulações.
Forte abraço meu amigo, escritor, poeta e prosador!
Ótimo texto, repassarei para meus amigos professores de História que lecionam em Mossoró!
Na correria, estive meio atrasado na leitura dos seus escritos, mas voltei, rs…
Obrigado, amigo professor e escritor Tales Augusto. Agradeço, também, pela gentileza de compartilhar minha crônica. Um grande abraço para você, saúde e paz.