domingo - 16/06/2013 - 09:03h

Jornalista tem complexo de elite

Por Cynara Menezes

Quando eu trabalhei na Folha de S.Paulo pela primeira vez, em 1989, fui demitida porque confundi fisicamente o irmão de PC Farias, Luiz Romero, com o cientista político Bolívar Lamounier (parece bizarro, mas eles eram de fato parecidos). Na época, fiquei muito triste porque me pareceu uma bobagem diante dos furos que tinha dado em minha passagem-relâmpago por lá, e me senti como a namorada que é chutada no auge da paixão.

Depois, refletindo, vi que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido ao meu ego de fedelha de 22 anos que já estava se achando, em pleno início de carreira, uma das maiores jornalistas do país.

Também foi importante por me fazer perder rapidamente a ilus ão de ser imprescindível e não apenas um parafuso na engrenagem deste grande negócio que se chama imprensa. Descobri cedo qual era o meu lugar.

Quatro anos mais tarde, quando o jornal me convidou para voltar, eu era outra. Meu entusiasmo e a vontade de fazer reportagens interessantes continuavam intactos, mas havia morrido dentro de mim aquela sensação de “pertencer” a alguma empresa que contratasse os meus serviços, de ser “querida” na casa ou de integrar uma “família”.

Para mim, meu empregador passara a ser apenas meu empregador. E eu, uma mera operária da palavra, que estava por ali fazendo o meu melhor, mas que tinha claro que podia ser descartada a qualquer momento.

Até porque, no Brasil, quanto mais você se torna experiente e se destaca numa empresa jornalística, e consequentemente ganha mais, não passa a ser o menos visado na hora dos “cortes”, e sim o oposto.

Esta visão pragmática não me tornou, entretanto, insensível ao descarte de vários contemporâneos que presenciei ao longo dos anos. Cada vez que um deles é chutado, ao contrário, sinto uma revolta ainda maior do que senti naquela primeira (e felizmente única) demissão. É como se fosse comigo.

Sinto raiva quando lembro da vez que um amigo, excelente texto, foi dispensado, após 13 anos como repórter, e o primeiro que comentou foi: “Puxa, e olha que nunca dei um ‘erramos’”. Ou do que aconteceu recentemente com um fotógrafo querido, que comemorou pela manhã no Facebook os 20 anos de jornal e, à noite, voltou para publicar em seu mural que havia sido demitido.

A empresa certamente nem se deu conta de que o fazia justo naquele dia. Na planilha de custos, aquele profissional impecável se resumia a alguns dígitos numa folha de pagamentos.

A esmagadora maioria dos jornalistas que conheci na minha já longa carreira são, como eu mesma, pés-rapados que ascenderam socialmente em virtude do seu trabalho, apurando, entrevistando, escrevendo, editando, fotografando. Infelizmente, com a ascensão social (somada ao convívio com o poder), os mal nascidos jornalistas se iludem de que passaram a integrar a elite, senão financeira, intelectual do País. É por isso que, como diz Mino Carta, “o Brasil é o único lugar onde jornalista trata patrão como colega”.

Boa parte dos jornalistas acha mesmo que os patrões são colegas: colegas de classe. Patrões e jornalistas estariam lado a lado na elite. Não é à toa que tantos não se constrangem em escrever reportagens que representam uma classe a qual não pertencem de origem: se mimetizaram com ela.

É claro que jornalistas ficam abalados e tristes, sim, quando um companheiro de redação é demitido, mas não a ponto de fazer protestos ou de se organizarem para questionar as “reestruturações”.  E por que é assim?

Eu acho que, no fundo, os jornalistas não reagem quando alguém vai parar no olho da rua porque, de certa maneira, se sentem solidários também com o dono, seu “colega”, na fria e corriqueira justificativa de de que “era preciso cortar os custos”. Como se a empresa onde batem ponto diariamente fosse um pouco sua, ao mesmo tempo que sabem que serão os próximos. Aquela bendita demissão 24 anos atrás me livrou de sentir esta síndrome de Estocolmo.

Não sei o que vai acontecer, no futuro, com o jornalismo impresso, em crise no mundo –e mais em um país de pouca leitura como o nosso. Não acredito que as demissões que se tornarão cotidianas sejam capazes de provocar na categoria uma consciência de classe que nunca teve e que, ao meu ver, nunca terá.

A minha esperança é que a mesma internet que tem causado a fuga de leitores e os consecutivos cortes nos jornais proporcione um novo modelo de empresa de comunicação, alguma experiência individual, quiçá conjunta ou até cooperativa, em que possamos ser patrões de nós mesmos, para variar. As crises costumam ser boas para reconstruir.

Oxalá nasça daí um jornalismo onde s aibamos melhor nosso lugar na sociedade e a quem estamos servindo ao ganhar, com a notícia, o pão de cada dia.

Cynara Menezes é jornalista

* Texto originalmente publicado no site da revista Carta Capital

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Categoria(s): Artigo / Comunicação

Comentários

  1. naide rosado diz:

    Carlos.
    O texto é muito bom pq retrata uma realidade. Todavia, ficou faltando ressaltar o importante lugar do JORNALISTA numa sociedade bem ou mal estruturada. O jornalista que passa credibilidade é figura imprescindível até para iniciarmos o nosso dia. A leitura matinal de periódicos é necessária pq precisamos das informações diversas que contêm. Ora, pela modernidade, a informação pode vir por aqui, pela Internet. Mas quem vai enviá-la? O advogado? Então teremos notícias exclusivamente jurídicas. O médico? Teremos, diariamente aulas de medicina. O comerciante? saberemos bastante sobre compra e venda. Estes profissionais podem ser consultados, sim, e é bom que sejam, em matérias que são de sua alçada.
    Agora, o jornalista, além da capacidade da escrita e preparo, precisa ter a característica de sua profissão. Não queria usar esta palavra, mas é a que cabe preciosamente:o jornalista tem que ter “feeling”. A notícia importante para o dia, a notícia da hora, a informação necessária. Ele sabe onde obter dados! corre atrás e divulga corretamente e com precisão. Seja pela imprensa escrita, falada, televisada, seja por aqui, é fundamentalmente necessária a figura do jornalista.Aproveito para falar dos jornais das pequenas cidades. PRECISAM SOBREVIVER, não podem acabar. Neles estão as notícias que se relacionam com cada pequena cidade e com as nacionais e internacionais. Então, o poste caído na Rua Um, precisa ser consertado. Seu Casimiro do Banco está adoentado. O restaurante de Zé do Vale, vai transmitir os jogos de futebol da Copa das Confederações. A presidente encontra-se hoje com…Situação econômica dos países europeus leva ao desemprego em massa.Cada cidadão lendo o seu jornal…na porta de casa, sentado num banquinho…Usos e costumes da cidade. Carlos, saí do assunto principal. Risossssssssssssssss…sou prolixa. E, aqui é meu cantinho! Um abraço,
    Naide

  2. Elves Alves] diz:

    Antes que eu me esqueça, sempre tive para mim que jornalismo é a profissão dos que não têm profissão. E qual seria, então, a profissão de talentos como Drummond, Millôr, Joel Silveira, Davi Nasser, Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Dorian Jorge Freire, Otto Lara Resende, Franklin Jorge, Edgar Barbosa…? Es-cri-to-res, num continente tropical que se exubera por seu analfabetismo, funcional ou absoluto. Gente culta e humanista, capaz de distinguir oxo de oxum, não se deixa derramar na vala putrefata das manjadas redações de imprensa. Eles têm, no mínimo, uma realidade paralela, muito mais digna de seus esforços.

    • Gilmar diz:

      Boas perspectivas, o Elves. Sempre leio seus comentário – são bons!
      E por falar em Franklin Jorge, daqui mando um alô pra esse grande jornalista que tive a oportunidade de conhecê-lo, por serendipidade, nessas vias ciburbanas. A saber, conheci o FJ muito laborioso n@ domínio VIRTUAL dO seu Santo Ofício.
      Tenho dificuldades em acessar o blogue do franklin, mas sei que a inquisição dO seu Santo Ofício tem transformado em cinzas muitas manobras políticas impopulares nesta urbe e em todo RN.

  3. Elves Alves] diz:

    Antes que meu silêncio me agrida: e quando a Assembleia Legislativa e a Câmara Municipal de Natal vão deixar de se configurar nos maiores ‘cabides de emprego’ de jornalistas por metro quadrado do Rio Grande do Norte? E quando estas mesmas CMN e AL vão, afinal, promover o primeiro concurso público para preencher as vagas de jornalistas em suas respectivas TVs públicas? E quando o inoperante Sindjorn vai parir uma inédita e improvável “nota à opinião pública” assumindo sua máxima consciência culpada em silenciar ante tais absurdos?

  4. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Leitura recomendável a muitos que nos jornais e nos microfones se sentem iguais aos ocupantes do poder a quem consideram amigos incondicionais.
    Leitura OBRIGATÓRIA a todos os estudantes de Comunicação Social.
    ////
    CUSCUZ COM OVO SEM CAFÉ É SERVIDO NA MERENDA ESCOLAR.
    O UNIFORME ESCOLAR AINDA NÃO FOI DISTRIBUÍDO EM MOSSORÓ.

  5. Marcos Pinto. diz:

    Amigo Carlos, será que você está imune à esse complexo ? kkkkkk. Abraço.

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Meu querido Marcos, bom dia. Não sou melhor do que ninguém. Tenho me esforçado para ficar melhor como indivíduo e profissional. Tive uma experiência há cerca de 19 ou 20 anos, num jornal da cidade, que modificou meu modo de ver a imprensa e a relação entre patrão e empregado. Acho que já contei em algum artigo ou crônica nesta página. Se não contei, certamente vou contar. O episódio me provocou impacto parecido com o que é narrado por essa jornalista e graças a Deus me ajudou muito a ser repórter e gente. Abração.

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