Por Bruno Ernesto
Tal qual Ariano Suassuna, não gosto de estrangeirismos. Entretanto, utilizar o lema da revolução francesa convém neste texto, especialmente pelo fato de que ela é um marco para a liberdade individual que, até hoje, podemos desfrutar; embora, claro, a deusa da liberdade não esteja tão cintilante como na famosa tela pintada por Eugène Delacroix, que a retratou em comemoração à Revolução de Julho de 1830, após ser testemunha ocular da revolução que culminou com a queda de Carlos X.
Consta na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, resultado da Revolução Francesa, que a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem.
De forma simples, direta, e em vernáculo claro: a sua liberdade acaba quando encontra o direito do outro.
Entretanto, caro leitor, há outra forma de liberdade que muitas vezes é relevada e, por vezes, terrivelmente combatida por cidadãos de bem, na esperança de que o caminho da paz e da concórdia depende da compreensão ao próximo e do respeito à lei.
Em outras oportunidades, registrei que uma das coisas que mais admiro são o sarcasmo e a ironia. Especialmente em forma de charge e tirinhas, pois nos permite ter um grau de liberdade para fustigar o debate, ou mesmo a reflexão, sobre qualquer tema, sem que desperte ódio visceral em quem não esteja disposto a enfrenta-lo de uma forma tão direta; e se o tem, o autor tem a liberdade de propor a forma inicial de como será debatido ou refletido.
Lembre-se, contudo, que as revoluções, seja ela qual for, historicamente, não podem contar com a compreensão do próximo, e que foi na praça da Concórdia, em Paris, durante a revolução francesa, que foi instalada a guilhotina.
Quem não conhece o adágio popular de que a educação de casa vai à praça? Pois bem. O próximo, a que me refiro, é o opositor; pois até mesmo a contracultura é revolucionária por essência, se não por atos, mas por outras formas.
Aqui no Brasil, temos o famoso lema da Inconfidência Mineira, “Libertas quae sera tamen”, que embora seja erroneamente traduzido como “Liberta que será também” significa em verdade, “Liberdade, ainda que tardia”, e que também traduz o sentimento de que é melhor ter um instante, ainda que final, de liberdade, que morrer sem tê-la.
Ora, no mundo em que vivemos, podemos ver uma série de situações nas quais alguém diz que fulano é sem paciência, pavio curto, incompreensível e agoniado.
De modo contrário, há quem diga que beltrano é calmo demais; passivo demais; nunca foi visto perdendo a paciência.
Quando escuto alguém falando essas coisas, pondero ambas as situações.
Quem nunca perdeu a paciência uma vez na vida não é normal. Ninguém é pacífico e passivo ao extremo, de forma a jamais ter saído da linha, perdido a compostura, ter rodado a baiana, ou blasfemado.
Desculpe-me, não acredito nisso. E nem precisa se dar ao trabalho de me convencer, pois todo mundo tem uma vida pública, particular e uma secreta.
O que pode ocorrer, acredito, é que se dê apenas numa frequência menor que o habitual das pessoas tidas como pavio curto.
Entre uma xícara e outra de café, num descontraído bate-papo, ainda há quem se espante quando digo odeio positividade tóxica, e que vez ou outra é bom viver o caos.
Se numa roda de conversa alguém se lamenta a dizer que não quer dar trabalho para morrer e que morte é um problema para os familiares providenciar o enterro, eu digo que quero morrer no dia mais inconveniente possível, de preferência numa véspera de feriado e na boca da noite.
Aos que se espantam e não compreendem, em arremate, digo mais: não há nada mais libertador de que mandar uma pessoa ir para aquele canto. Nem que seja de maneira elegante e com urbanidade. Se é que pode ser feito de tal forma; embora a vontade seja utilizar linguagem coloquial, para não se dizer outra. Há quem mereça, pode acreditar.
Assim, embora a minha liberdade termine onde o direito do outro começa, como não gosto de estrangeirismos, prefiro o lema de nossa Inconfidência Mineira.
Liberdade, ainda que tardia. Experimente.
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
Também prefiro o lema da Inconfidência Mineira. Parabéns pelo texto, Bruno! 😉