Por Bruno Ernesto
Embora nos últimos tempos tenha se mostrado uma forma de ostentação involuntária para a maior parte da população, ir ao supermercado ainda é umas das coisas das quais sempre gostei de fazer, nem que seja para aplacar o calor com o ar condicionado e passar o tempo, se for preciso.
Dia desses, após descer do Uber – aos gritos -, uma passageira caiu desfalecida bem na porta do condomínio.
Foi perturbador; um desespero para quem presenciou aquela cena. O porteiro chamou o SAMU e avisou ao síndico.
Alguém gritou que tinha visto quando o Uber, mesmo vendo os acenos e gritos a plenos pulmões daquela passageira, e sabedor que seria rastreado pelo próprio aplicativo, arrancou em direção ignorada.
Coitada, aos prantos, a pobre mulher falou ao socorrista que esqueceu no banco do carro a sacola com dois pacotes de café que acabara de comprar no supermercado.
– Moço, era da nespresso!
A internet não perdoa. Memes e vídeos humorísticos sempre arrancam as maiores gaitadas do público.
Entretanto, pelo menos em Mossoró, nada melhor do que ir ao mercado da Cobal. Preferencialmente, o mais cedo possível. Tem coisas que a xepa não compensa.
Aquele furdunço de gente, os cheiros, as cores, os sons e os personagens são instigadores.
Tem de tudo. Mas prefiro os doidos e os vendedores sem paciência. Nada como perguntar repetidamente a um vendedor carrancudo, quase como numa maiêutica socrática, e, ao final, dizer que está caro ou pedir desconto.
Bem, antes que você ache que é brincadeira, relembre a estória acima. Não se pode esquecer mais nem um moi de coentro ou cebolinha no Uber. Tudo está não só pela hora da morte; mas também da missa, do enterro e da ressurreição.
Ah, claro! O estacionamento é terrível.
Tem vendedor que não faz muita questão de lhe vender. Se você pedir desconto, é capaz de apanhar.
Passei um bom tempo sem ir regularmente ao mercado da Cobal, além do que nem sou frequentador assíduo, a ponto de conhecer nominalmente os comerciantes ou alguns personagens, pois só vou quando preciso de algo bem específico – Lembre, caro leitor: o estacionamento; o estacionamento é terrível. -, mas é um excelente local para se frequentar e comprar delícias.
Como gosto de cozinhar e adoro comida sertaneja, numa sexta-feira dessas, já me deitei para dormir pensando no almoço do sábado: farofa d´água, arroz de leite da terra – cozinhado só com leite -, feijão de corda com cebola roxa, nata e um bom punhado de cebolinha e coentro – com talo e tudo; bem picado. -, vinagrete bem azedo, carne de sol assada e uma bela pururuca.
A noite quase não passa. Roncamos eu e meu estômago, num dueto em si…se tivesse fava seria uma boa ideia. Talvez no outro sábado.
Outro dia fui à Cobal em busca de queijo de coalho e nata e, de longe, vi um amontoado de gente em frente a um box fincado bem nomeio da Cobal.
Encostei nele, e vi que estava repleto de produtos do sertão: queijo de manteiga, de coalho, nata, manteiga da terra, castanhas das mais variadas, mel de abelha e de engenho, leite e ovos caipiras. Cada coisa mais linda que a outra.
O balcão – tão organizado que, certamente quem o organiza ou é do signo de Virgem ou tem TOC – reluzia num amarelo intenso feito um altar de igreja banhado de ouro. Mas, ao contrário do altar santo, só despertava o pecado da gula.
Quem despachava era uma senhora por volta dos seus 65 anos de idade, muito ligeira, de voz firme, concentrada e de pouca conversa. Só estendia o assunto se fosse para rebater qualquer tentativa de desconcentrá-la.
Enquanto esperava a minha vez para ser atendido naquele amontoado de gente em frente ao box, um rapaz que tentou furar a fila sorrateiramente foi surpreendido com um olhar fulminante dela, que disparou sem hesitar:
– Vá pra fila. Tô atendendo ele!
Naquele instante, ela me arrebatou como cliente para o resto da vida. Gostei de pronto.
Pedi a ela queijo de coalho, nata e perguntei “como era a bandeja” de ovos caipiras.
– 30 ovos fica R$30,00. Amanhã deve passar para R$50,00. Do jeito que a coisa anda, segunda deve custar R$80,00!
Disse que uma bandeja com 30 ovos era muito pra mim. Perguntei se poderia ser só a metade.
– Pode.
Para descontrair, pedi que colocasse só dos ovos bons.
– Todos aqui são bons!
Dobrei a aposta e disse, prendendo a gaitada: pois coloque os melhores.
Ela se virou e disse ao ajudante que estava lá pra dentro:
– Atenda ele aqui!
Na verdade, ela se virou para cortar o queijo de coalho que pedi.
Enquanto somava o meu pedido, tripliquei a aposta e perguntei se ela sabia quem foi Tenório Cavalcanti, o famoso “Homem da capa preta”, que foi deputado federal do Rio de Janeiro nos anos 1950 e 1960, que tocou o terror na Baixada Fluminense e cuja história virou até filme, estrelado pelo saudoso ator José Wilker, por esconder debaixo de sua capa preta uma submetralhadora modelo MP-40, para se proteger dos seus inimigos.
Séria, me fitou e disparou:
– Não, por quê?
Enquanto ela me olhava, perguntei se poderia pagar via PIX, pelo que ela apenas apontou para uma plaquinha de acrílico posta em cima do balcão, contendo um QRCode e o seu nome: Lourdinha.
Já com as minhas compras em mãos ela me reforçou a pergunta:
– Por quê?
Sorri pra ela e, apontando para a plaquinha, disse que Tenório Cavalcanti chamava sua submetralhadora carinhosamente de Lourdinha.
Ela deu uma gaitada e emendou:
– Por isso que o nome combinou!
Bruno Ernesto é advogado, professor e escritor
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