Por Odemirton Filho
A Lei n. 12.965/14 estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e tem como um fundamento o respeito à liberdade de expressão. Há vários princípios norteadores, como a proteção da privacidade, proteção dos dados pessoais, responsabilização dos agentes de acordo com as suas atividades, além do que, os princípios expressos na Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Debruçando-se sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na semana passada o julgamento de recursos em relação ao Marco Civil da Internet, julgando se as plataformas digitais podem responder por conteúdos publicados por usuários. O cerne da questão é o Art. 19, o qual reza:
“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Em um dos recursos, o ministro Dias Toffoli defendeu que nos casos conteúdos ofensivos ou ilícitos, como racismo, as plataformas digitais devem agir a partir do momento que forem notificadas de forma extrajudicial, pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de se aguardar uma decisão judicial. Em casos mais graves, as plataformas devem retirar o conteúdo, independentemente de notificação; não o fazendo, seriam devidamente responsabilizadas. Na mesma linha, apreciando outro recurso, o ministro Luiz Fux defendeu os argumentos de Toffoli.
Por outro lado, o ministro André Mendonça abriu divergência e entendeu que não é possível responsabilizar diretamente a plataforma sem prévia decisão judicial quando se está diante de ilícito de opinião, votando pela constitucionalidade do Art.19.
Com efeito, é inegável que a liberdade de expressão deve ser a tônica em um Estado democrático de Direito. No mundo contemporâneo a internet é uma realidade vivenciada por bilhões de pessoas, fazendo parte do nosso dia a dia. Desse modo, qualquer espécie de censura fere de morte a liberdade de pensamento, a pluralidade de ideias e o bom debate. Democracia, ressalte-se, é o respeito à convivência dos contrários.
Nesse sentido, a professora Ana Cristina Azevedo P. Carvalho, no seu excelente livro Marco Civil da Internet no Brasil, ensina-nos:
“As transformações das sociedades contemporâneas foram intrinsicamente marcadas pela evolução das tecnologias da informação e comunicação: o espaço virtual se tornou um importante lócus, viabilizando, em graus e modalidades variáveis, o exercício da cidadania por meio de troca de informações e opiniões com velocidade jamais observadas anteriormente, possibilitando o fortalecimento da participação cidadã. O espaço virtual passa a ter, assim, um papel decisivo paro o acesso às informações, que conduzem à organização dos cidadãos e às mobilizações sociais que almejam a instauração de regimes democráticos ou o seu fortalecimento, com maior transparência e controle social, bem como, novas formas de representatividade”.
A liberdade irrestrita sem a devida responsabilização das plataformas digitais seria um salvo-conduto para a prática dos mais variados crimes, com ofensas à honra e à privacidade das pessoas atingidas por conteúdos nocivos.
Imaginemos o cidadão que tem uma postagem ofensiva a sua imagem e honra. Se for ajuizar uma ação e esperar uma decisão do Judiciário, mesmo em caráter de tutela de urgência, poderá ocasionar sensíveis prejuízos à sua reputação, pois há todo um tramite processual que demandará um tempo razoável.
Em razão disso, muitos entendem que cabe às plataformas digitais exercer a moderação dos conteúdos publicados, vez que possuem recursos tecnológicos para coibir, imediatamente, conteúdos ofensivos e criminosos, sem a necessidade de esperar uma notificação judicial ou extrajudicial.
No tocante ao entendimento dos tribunais pátrios, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está amplamente consolidada no sentido de afirmar que a responsabilidade dos provedores de aplicação de internet, por conteúdo gerado por terceiro, é subjetiva e solidária, somente nas hipóteses em que, após ordem judicial, negar ou retardar indevidamente a retirada do conteúdo.
Assim, a discussão gravita em torno da constitucionalidade ou não do Art. 19 do Marco Civil da Internet. Os provedores de internet devem ser responsabilizados somente se não tornarem indisponível o conteúdo infringente, após ordem judicial? Ou devem ser responsabilizados quando notificados, mesmo extrajudicialmente?
Creio que o STF formará maioria pela inconstitucionalidade do Art.19 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Aguardemos.
Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos
Em meu parco conhecimento jurídico e modesta opinião de cidadão e advogado, assim como está expressamente consignado na legislação, o artigo 19 da Lei do Marco Civil, efetivamente é uma porta aberta para o faroeste digital. Sendo, portanto, bastante plausível que o S.T.F, o considere inconstitucional, na razão direta dos fatos atrelados ao uso indiscriminado das redes digitais para o cometimento de crimes continuados, bem como do atual e turbulento contexto político, inclusive no plano internacional.
Nesse sentido, é sabido que vários países da Europa, Ásia e África já buscaram atualizar suas respectivas legislações, exatamente para para prevenir maiores danos à coletividade, esta, ao mesmo tempo beneficiária dos inúmeros avanços tecnológicos e paradigmáticos do mundo digital, também vítima deste mesmo sistema, quando do uso e abuso de parte daqueles que querem fazer o mundo real retroagir à idade média, tanto nos costumes quanto na economia.
A propósito, a atual e suposta polêmica envolvendo o caso do suposto humorista Leo Lins com suas piadas deliberadamente preconceituosas e criminosas, mais que evidencia a profunda ignorância e a triste realidade desinformacial a que está submetida parcela majoritária da sociedade brasileira, diretamente à partir do conteúdo disseminado por essas mesmas redes digitais, sobretudo ao dar algum crédito a cantilena, manjada cantilena de liberdade de expressão, quando em verdade, a juíza responsável pelo julgamento do Processo em pauta, tão somente aplicou a Lei 7.716/08.
Vivemos e vivenciamos um tempo sem paralelo e de profundas modificações no cotidiano das pessoas e seus relacionamentos em sociedade, em que processos intermitentes da inserção, da interação digital e do IA, efetivamente ressignificam e redefinem parâmetros outros na compreensão e construção de um mundo novo.
Todavia, o respeito as leis e princípios como a da dignidade da pessoa humana, não podem ficar a reboque e à mercê dos caprichos, das ideologias e ganância infinita de meia dúzia de mega empresários do vale do silício e afins.
Como somos sabedores, a Constituição da Republica Federativa do Brasil, esta, promulgada em 1988, garante a liberdade de expressão, mas veda o discurso de ódio disfarçado de piada. Em resumo, a liberdade de expressão constitucionalmente assegurada, não pode e nem deve ser um passaporte irrestrito para o cometimento de crimes, inclusive de parte dos eleitos pelo povo e que estão no Parlamento, seja Municipal, Estadual e (ou) Federal.
Nessa teia, oportunizando que o web-leitor/cidadão passe a ter consciência social dos aspectos mais que deletérios e nocivos propagados pelo suposto humorista Leo Lins, transcrevo abaixo algumas das supostas piadas do delinquente travestido de humorista, vejamos:
PEDOFILIA:
“Uma vez eu estava num evento, o garçon chegou pra mim: ‘Você quer um uisque doze anos com energético? ‘Eu falei, tá maluco, rapaz? O uisque pra mim tem que ser igual mulher. Puro e com 12 anos. ”
“Sou totalmente contra Pedofilia, sou mais a favor do incesto, se for abusar de uma criança, abusa do sua filho, ele vai fazer o quê? Contar pro pai ?”
“Uma vez eu vi uma enquete na internet escrita assim: ‘O que vocês flama quanto terminam de transar? Aí eu fui lá e escrevi: Não conta pra tua mãe que eu te dou uma Boneca. Me xingaram muito… esse dia dia eu fiquei muito mal. Eu só fiquei melhor no dia seguinte, quando eu fui no parquinho olhar as crianças.”
RACISMO:
“Coisa terrível é usar os negros como escravos, graças a deus isso acabou e agora usam os bolivianos.”
“Se o dia da consciência negra é feriado pelos negros, então Quarta-Feira de cinzas , devia ser Judeus.”
“O preconceito, para mim, é uma coisa primitiva que não devia existir. Que nem o índio. Chega! Não precisa mais.”
“NEGRO RECLAMA QUE NÃO TEM EMPREGO, MAS NA ESCRAVIDÃO RECLAMAVA E ESTAVA EMPREGADO.”
Em síntese, o “profissional do humor” que atende pelo nome: Leo Lins, não pode e não deve continuar usando e abusando das piadas como verdadeiros habeas corpus preventivo para o cometimento de crimes continuados. Afinal, contar piada não virou crime, mas não se permite mais o cometimento de crimes sob o escudo da piada.