Por Marcos Araújo
No ano de 1936, quando o cinema ainda era em preto e branco, Charles Chaplim dirigiu e protagonizou o clássico Tempos Modernos. O enredo é a vida de um trabalhador comum, que está em busca de se estabelecer tanto profissionalmente quanto como indivíduo em uma sociedade cheia de inovações tecnológicas e contradições. A história começa com Carlitos sendo operário em uma fábrica. Lá, o trabalho é cansativo e desinteressante, pois sua única função é rosquear parafusos.
O filme retrata a preocupação e a disposição dos donos dos meios de produção em conseguirem lucrar cada vez mais explorando trabalhadores. A desumanização do homem trabalhador fica evidente numa cena em que Carlitos acaba sendo “engolido” pela máquina e entrando nas suas engrenagens, quase como se fosse uma peça mecânica.
Se há quase um século a industrialização era o inimigo visível da humanidade, hoje a adversariedade humana é enxergada no desenvolvimento tecnológico. Cientistas do mundo inteiro (entre eles Steve Wozniak, fundador da Aplle) têm feito alerta sobre o risco do uso indiscriminado das IA´s (Inteligência Artificial). Para listar os mais comuns: i) falta de transparência nos seus sistemas; ii) a coleta de dados pessoais dos usuários, levantando questões relacionadas à privacidade e segurança; iii) não há como incluir valores morais e éticos em sistemas de IA, especialmente em contextos de tomada de decisão com consequências significativas; iv) os riscos de segurança associados ao seu uso indevido, com hackers e agentes mal-intencionados explorando vulnerabilidades em sistemas; v) a dominação por um pequeno número de grandes corporações e governos exacerbando a desigualdade; e, vi) a dependência de IA, levando à perda de criatividade, habilidades de pensamento crítico e intuição humana.
Quanto a perda de criatividade e habilidades, constata-se que: poesia, letras de música, desenhos, artes gráficas, provas, trabalhos e design, são, em sua maioria, feitos por Inteligência Artificial. A informação escrita nos meios de comunicação é padronizada, os textos jornalísticos são copiados e repetitivos, elaborados por um ghost writer (escritor-fantasma) digital. Discute-se atualmente até se é possível a Inteligência Artificial ter direitos autorais…
Os usuários do Chat GPT4 não se cansam de exaltar as suas virtudes. E eu de rejeitá-las. Aliás, vivo confundindo (de propósito!) o Chat GPT4, implantando respostas falsas. Perguntei outro dia quem havia descoberto o Brasil. A resposta veio “Pedro Alvares Cabral”. Eu replicava dizendo que não. Colocava que teria sido Pedro Alcântara de Souza. Na 15ª pergunta, a resposta veio Pedro Alcantara de Souza. Venci o Chat GPT!
Com estas guerras em curso, percebemos a diferença – e vantagem! – de quem possui tecnologia. O “Domo de Ferro” israelense contra os “Walkie- Talkies” do Hezbollah; as bombas acionadas por frequência modulada.
Outro dilema do avanço acelerado da tecnologia é sentido na crescente dependência da comunicação e interação dos usuários dos aplicativos de redes sociais, levando à diminuição da empatia, das habilidades sociais e das conexões humanas.
Existe um paralelo entre a industrialização de Chaplin e a época presente, com bem maior gravidade. A industrialização do século passado envolvia trabalho exclusivamente mecânico/físico. A máquina tinha estrutura visível (correias, ruelas, parafusos). A tecnologia atual reclama uso da inteligência e está longe da visão e compreensão dos mortais (são algoritmos, estrutura de dados, programação…).
No Brasil, temos um percentual, segundo as estimativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da União Internacional de Comunicação, de que apenas 24% dos brasileiros possuem o letramento digital. Estamos falando que 4/5 da população brasileira não tem o letramento, não sabe o que está fazendo, como está sendo manipulado, não sabe identificar o que é verdadeiro e o que é falso. Nós estamos vivendo essa combinação de uma modernidade da transformação digital com um atraso brutal. Hoje, nós temos uma massificação dos brasileiros que opera nas redes sociais mais vulneráveis à manipulação do que aqueles da época de Carlitos.
Podemos chamar isto de retrocesso ou de modernidade social? Chico Anysio tem um monólogo espetacular chamado “Maldito tempo moderno”, bem propício para retratar este cenário. Nas suas palavras: “mascarando maracutaias / majestoso manicômio / mentiras, mazelas, misérias, massacres, maior maldade mundial, maltrapilhos morarão modestamente / malocas metropolitanas / mocambos miseráveis / menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo / mundo maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares mandões, mundo medíocre, milionários montam mansões magníficas, melhor mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania / mundo maluco, máquina mortífera, mundo moderno melhore, melhore mais, melhore muito, melhore mesmo / merecemos, maldito mundo moderno, mundinho merda!”
Não adianta mais tentar travar o “progresso”. Que venha o poderio das máquinas.
Adeus, humanidade!
Marcos Araújo é advogado, escritor e professor da Uern
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