Por Odemirton Filho
Há tempos eu procurava entre os poucos livros da minha “biblioteca”, o livro Os Dias de Domingo, de autoria do Jornalista Dorian Jorge Freire. Em vão. Entretanto, um dos meus cunhados, Raphael Valério, fez-me a gentileza de adquirir um exemplar, num desses sebos virtuais. Para um apaixonado por crônicas, não ter no acervo o mestre Dorian é erro crasso, imperdoável.
Aliás, abro um parêntese em relação às crônicas. Alguns dizem que existem três ciclos históricos. O primeiro, de 1852 a 1897, tendo como fundadores: Francisco Otaviano, José de Alencar e Machado de Assis. O segundo, de 1897 a 1922, com: Olavo Bilac, João do Rio, Lima Barreto e Orestes Barbosa. O terceiro, de 1922 a 1945: Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Antônio de Alcântara Machado, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles. E o último ciclo, de 1945 até a década de 1970, com Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Sérgio Porto, Antônio Maria e José Carlos Oliveira.
Pois bem, voltemos a Dorian, que, para mim, está entre os cronistas do último ciclo. Sim, eu li o livro há muitos anos, agora, reli. Conforme já disseram, “temos que abrir o livro, aí eles despertam. Ler e reler. Reler melhor do que ler”. E Dorian continua insuperável na arte de escrever torneando frases, resgatando lembranças de tempos idos.
Numa de suas crônicas sobre Mossoró, revolvendo fatos pretéritos, ele escreveu:
“Mas a cidade mudou. Que mudou. Mudou. Por mais que eu procure nos becos e vielas, nas ruas da merda, no beco do pau não cessa, extensão do beco de Jeremias cego, não encontro sinhá Maria o boi bebeu. E nas caladas da noite de minha praça da Redenção, nunca mais voltei a ouvir o cantochão de Zé Alinhado”.
E continua a navegar no mar de lembranças:
“E o Bar Brahma? E Casablanca? Cadê todo o meretrício que ganhou de Américo de Oliveira Costa o nome de Art Nouveau, embora os seus exercícios fossem velhos como o mundo? Art Nouveau, Alto Nu Vou, Alto Louvor, rasga, lá em cima. Tudo desaparecera. Sumira. Mergulhara terra adentro, na sepultura aberta pela modernidade”.
O Alto do Louvor não foi do meu tempo de rapaz. Na minha época de estripulias estava decaído. Todavia, alguns leitores mais experientes do que eu, devem lembrar.
Já os meus dias de domingo, à época da minha infância e juventude, foram vividos na rua Tiradentes, no centro de Mossoró. De lá, sobejam lembranças. Quais? A vitrola do meu vizinho, Cesário, de dona Odete, a tocar músicas de Nelson Gonçalves e Lupicínio Rodrigues; o almoço em família (carne de sol com arroz de leite ou galinha); os primos que se esbaldavam na pequena piscina; depois do banho, saboreávamos o bolo de leite preparado por minha estimada Socorro.
Ah, e o pé de seriguelas do quintal da minha casa. Talvez, ele tenha sido o mais querido, o mais alegre, o mais terno amigo de minha infância, diria Rubem Braga.
À tarde, eram os vesperais no Cine Pax. Boquinha da noite, juntamente com meus pais, íamos à sorveteria do Juarez; à pizzaria de Patrício, o português; sem esquecer das Missas na Catedral de Santa Luzia. Ao término da Celebração Eucarística, a turma jovem ficava na praça, flertando, para usar uma expressão de antigamente. Nas cidades interioranas, sobretudo nas menores, a praça da Igreja Matriz sempre foi um local de encontro. E todos eram conhecidos, sabíamos quem era filho de fulano ou beltrano.
Por derradeiro, permita-me transcrever um fragmento do prefácio do livro de Dorian, escrito por Nilo Pereira:
“Lendo (ou melhor relendo) as crônicas de Dorian Jorge Freire, sinto que estou diante de um fenômeno diversificado: há o cronista propriamente dito, o homem de luta e de convicção, o observador inteligente da vida, o filósofo, o cristão, o escritor, sempre voltado para as agonias do nosso tempo”.
Eu assino embaixo. E dou fé.
Odemirton Filho é colaborador do Blog Carlos Santos
Que belíssimo texto, Odemirton! Enquanto lia, passou um filme na minha cabeça. Parece minha infância. Até o pé de seriguelas tinha no quintal lá de casa. Até hoje, quando passo ali na quina, entre a catedral e o Banco do Brasil, lembro da pequena sorveteria de Juarez. De arremate, com sua certidão de fé, nem de cartório precisa para validar o registro! Um forte abraço!
Obrigado, meu dileto amigo. Como você sabe, adoro resgatar fatos do passado, faz um bem danado.
Um abraço fraternal. Tenha uma semana abençoada.
Eu também assino embaixo a sua crônica de hoje. E dou fé. Mais uma excelente página, meu querido Odemirton. Abraços.
Um texto meu, ratificado por você, é motivo de alegria para mim.
Obrigado pela leitura e gentileza do comentário.
Fique em paz, meu estimado amigo.
Um abraço afetuoso.
Emocionante. Infelizmente não vivi essa Mossoró do inesquecível Dorian!
Obrigado pela comentário, meu caro Inácio.
Tenha uma semana de muita paz e luz.
Abraços!
Belíssima crônica, grande Odemirton!
Falta-nos Dorian e suas crônicas domingueiras, porém, você, Marcos Ferreira, Bruno Ernesto e Honório Medeiros substituem-no com o mesmo brilho.
É “parada” obrigatória do domingo uma pausa para a leitura dos seus bem “talhados” textos.
Obrigado pela leitura e comentário, meu caro Marcos Araújo. Você também faz parte do nosso time. Sempre é enriquecedor ler os seus textos.
Um grande abraço.
Parabéns pelo instigante e emocionante texto. Sem o intento de melindrar os bons Cronistas mossoroenses, devo ressaltar que o Dorian é o intelectual mossoroense que mais me identifico nas paralelas da intuição cognitiva da prosa. Lendo-o, encontro similaridades intrínsecas com o meu contexto espiritual, restritos ao cadinho do meu contrito e cismado coração sertanejo. Ave Dorian !.
Valeu, meu dileto Marcos Pinto. Seus comentários são sempre bem-vindos. E seus escritos, também.
Abraços!
…Enquanto isso, vou rangendo precisão notívaga abrindo e fechando PORTEIRAS DA SAUDADE.