Por Marcos Ferreira
Diante da tela fluorescente do computador, sentado à escrivaninha, penso no que escrever para hoje. Vêm-me à cabeça algumas possibilidades, alguns retalhos de memória que talvez (espremendo meus quarenta ou cinquenta neurônios) resultem em uma crônica ao menos sofrível. Memória, porém, é algo de que atualmente não posso me valer muito ou contar vantagem. Possuo, para ser franco, vagas lembranças de coisas que eu gostaria de narrar, fragmentadas passagens de minha vida.
Penso que seria oportuno compor uma página trazendo à baila um episódio que vivenciei no tempo em que cursava a segunda ou terceira série primária no Instituto Dom João Costa. Daquela época, entre outras coisas, lembro do mingau fumegante de milho com coco que serviam na hora da merenda. Aquilo representava um manjar para o menino fora de faixa que tinha ali a oportunidade de aplacar a fome.
O mingau nos era entregue naqueles copos azuis de plástico. Eu ia soprando e tomando o mais rápido possível no intuito de conseguir um segundo copo, antes da campainha soar. De tão quente, entretanto, no mais das vezes isso não era possível.
Houve um dia, contudo, em que consegui, quase queimando a língua, repetir o delicioso mingau. Então, bucho cheio, arrematei a proeza com a água geladinha do bebedouro. Quero supor que foi o choque térmico o responsável pela tragédia que me aconteceria dali a mais alguns minutos naquela manhã.
Minha barriga começou a fazer uns barulhinhos. Imaginei que fosse ficar só nisso. Coisa nenhuma! Logo vieram as cólicas e um suor frio se apresentou no meu rosto. Desconfortável, tímido e sem coragem de pedir à professora (por quem eu era apaixonado) para ir ao banheiro, pois fazia pouco tempo que estávamos de volta, fiquei me segurando, ainda na expectativa de que as cólicas cessassem.
Devido à timidez, eu costumava escolher as últimas cadeiras. Então me sobreveio a imparável necessidade de soltar uma flatulência. Foi a gota d’água. A merda veio fininha, morna e abundante, ensopando minha calça curta. Depressa o fedor empestou a sala.
Fiquei estático, o suor aumentando juntamente com o mau cheiro. Como se não bastasse, para amplificar meu vexame, nem cueca eu tinha naqueles verdes anos. Senti o tecido colando na cadeira. A meninada maldizia a fedentina. Decerto por conta do período chuvoso, não tardou para que as moscas me denunciassem. Até que o gorducho Lucinho, sentado junto a mim, alarmou para a sala inteira:
— Tia Emília, Marcos está todo cagado!
Senti-me assim como se meu espírito houvesse saído do meu corpo. A gritaria e as vaias explodiram. Com carinho, enfrentando o odor, a jovem e bela professora veio em meu socorro. Disse mais ou menos que eu não ficasse com vergonha porque aquilo podia acontecer com qualquer pessoa; pegou-me por um braço e me levou para o banheiro. Notei que a bosta escorria pelas minhas pernas.
Uma faxineira da escola foi convocada pela professora para auxiliá-la, aumentando dessa forma o meu constrangimento. Tiraram minha roupa, deram-me um meio banho e a faxineira ainda teve a bondade de lavar minha calça, que vesti mesmo molhada. Naquele dia retornei para casa bem mais cedo. Passei o resto da semana sem pisar na escola e nunca mais repeti o mingau de milho.
Marcos Ferreira é escritor
Essa foi de lascar. Todo cagado e todo envergonhado. Tudo por tudo, em miúdo fluído. Desde o ano 2000 resido quase em frente ao saudoso Colégio Dom João Costa. Mas desde 1975 frequentei o dito Educandário, por ter uma das minhas feiosas irmãs estudado lá. Lembro-me da linda Professora e também da Diretora, muito exigente, solteirona e feia, que omito o nome porque ainda é viva, lúcida e recatada. Confesso que certo dia provei da dita guloseima, que, de sorte, só me causou flatulência. Foi demolido em 2020 e reconstruído com a réplica da antiga fachada. Reminiscência com gosto suave de nostálgica saudade. É isso aí prezado xará e amigo. Recordar é viver novamente com as instigantes tintas oriundas do âmago da alma em êxtase. Parabéns pelas contextualizantes e emblemáticas crônicas. Feliz e profícua semana. Abraçaço.
Grande Marcos Pinto, seu comentário estar perfeito! como sempre vossa inteligência criativa estar provocando risos no coração e mente do nosso fabuloso cronista e vosso xará Marcos Ferreira. Parabéns!
Lembrei-me de costumeiro adágio popular : “…Vai dar em merda “. Num é que deu mesmo !. O certo é que o mingau exalava um forte e gostoso cheiro que despertava o mais profundo pecado da gula. Vou Ateu pedir a minha “dona Onça” pra ela fazer um mingau igualzinho ao do referido Colégio. Vai ser um chuá de bom. Ora se vai ser !.!
O perigo vai ser o desenrolar dos famosos
movimentos peristálticos O diabo é que não
sei se Estomacais ou intestinais. Alô Dr. Lair Solano !.
Que maravilhosa professora, parabéns. Gosto da perspectiva de Paul Zomthor quando afirmava que a memória é sempre um polimento dos fatos ocorridos, esta perspectiva me parece genial, pois coloca o passado em permanente atualização. Então meu amigo, o escritor Jorge Luis Borges também está com vc, quando afirmava que o esquecimento é a mais alta forma da memória. Delicia de texto, obrigado.
Contado assim, depois do lapso temporal, parece uma coisa engraçada; a gente chega a rir. Contudo, imagino o trauma que você viveu; a humilhação pública. Sem contar que crianças são cruéis; divertem-se com as coisas mais inusitadas. Mas você não está sozinho; acontece com qualquer pessoa. A timidez é uma barreira nessas situações. Eu já passei um estresse numa viagem de ônibus e desci alegando que queria vomitar. Estava com uma amiga que me prestou suporte, procurando papel na minha bolsa. Foi quase! A sorte é que a estrada estava bem contornada de vegetação porque, se não tivesse onde me esconder, todos teriam presenciado. Aqueles momentos agoniados que antecederam à parada do ônibus, para que eu descesse, pareceram-me uma eternidade. Todo mundo tem um momento difícil ou constrangedor pra colocar na biografia.
Que situação, Marcos! Dessa vez não escapou. Nem fedendo. Virou história, literalmente. Um forte abraço!
Caro Marcos Ferreira, nessas, eu diria, reminiscências de um tempo das merendas escolares em pleno aprendizado de como ter disciplina ao se alimentar, sua experiencia gastro/digestiva ao ingerir quase simultaneamente alimento quente/frio, não só causou uma intolerância alimentar, como poderia ter resultado outros incidentes graves à partir do chamado choque térmico.
Como disse a Fessora, isso acontece com qualquer pessoa..
Eu, inclusive, já tive experiencia muito parecida, ao comer um pratão de um famoso Salpicão…!!!
Segundo os especialistas, o choque térmico se caracteriza por uma mudança brusca de temperatura em nosso corpo à partir da imersão em água extremamente quente ou fria, ou até mesmo quando da ingestão de alimentos com temperatura extrema de forma digamos automática, especialmente quando a necessidade e a fome de comer superam a razão e a ordem pratica da sobrevivência.
Nesses casos, quando impomos ao organismo uma mudança brusca de temperatura, seja de quente para frio ou vice versa. Não raro, o corpo perde a capacidade de se auto regular e pode apresentar sintomas como: Náuseas, Vertigem, Oscilação de Pressão, Desmaios etc.
No seu caso, a experiência, se revelou não tão perigosa do ponto de vista médico, haja vista que a equação do problema se deu através do intestino grosso, por mais que pra ti, tenha se revelado, naquele contexto, digamos vergonhosa, estética e olfativamente mais que desagradável.
Kkkkkkkkkkkkkkkkk
Imagino o suor fluindo dos poros e a força hercúlea que o estimado amigo Marcos tentou administrar para não deixar o retentor anal abrir para jogar fora o mingau putrefato que o intestino humano tem a capacidade de produzir.
Pois bem… numa certa madrugada em que viaja com destino a nossa capital Natal, para cumprir minhas tarefas inerentes a função de Chefe de Gabinete Parlamentar, ao me aproximar da cidade de Lajes na região central do nosso estado, senti umas pontadas no pé da barriga, resisti a primeira, a segunda com mais veemência, mais quando a terceira chegou, esta veio me ordenando ou você pára ou vai se cagar agora… meu Deus, olhei para Daniel, motorista profissional de minha inteira confiança, e solicitei que ele parasse o veículo, pois a merda estava prá explodir, ele rindo de minha expressão verídica, solicitou que me controlasse pois já estávamos avistando o prédio do restaurante aonde costumeiramente saboreavamos um bom e gostoso café com as goluseimas do sertão. Não me fiz de rogado, apenas afirmei para Daniel, ou você pára este carro ou eu cago nele agora! Como o cara bem me conhecia, parou o veículo e eu saí quase correndo para dentro do mato. Pois bem, a merda saía abundantemente acompanhada do pipocar de peidos produzidos pelos gazes.
O pior começava exatamente após a merda sair, pois me apercebi que não havia levado papel para a devida faxina bundal… respirei fundo coloquei minha criatividade para o momento e lembrei das meias escondidas pelos sapatos que usava e as transformei em material de higienização, pois as folhas dos arbustos que serviam como paredes para proteger-me de olhares indesejados, eram poucas e pequenas, se as usasse iria ser um desastre total, pois não havia água para lavar as mãos.
Voltando ao carro, com a cara de desconfiado, pois além de Daniel, o motorista, seguiam para Natal, mais três passageiros, e quando me acomodo na cadeira do veículo, Daniel mostrou, amigo você não levou papel, e aí? olhei para ele e disse olhe os meus pés! Daniel caiu na risada ligou o carro e seguimos viagem.
Pra completar minha cagada iniciada em Lajes, ao aproximarmos do município de Santa Maria, as benditas pontadas no pé da barriga voltaram e com mais força, novamente solicitei para Daniel parar o carro, ele se fez de rogado, parou prontamente, a carreira foi mais rápida e novamente sem levar o papel, depois de mais poucos e merda, novamente usei da criatividade e foi embora a cueca.
Voltando ao carro, já sentado e pedindo desculpas aos meus companheiros de viagem, foi aí que Daniel me perguntou pelo bendito papel higiênico, e desta vez apenas olhei pra ele e falei, amigo siga a viagem com mais velocidade, se não eu vou chegar nu em Natal! neste momento todos riram, e eu falei pra Daniel, amigo eu saí de Mossoró pronto pra ir direto pra Assembléia Legislativa, mais me deixa no apartamento pois preciso me recompor para poder trabalhar.
Amigo Marcos Ferreira, li atentamente sua aflição motivada pelo choque térmico intestinal por conta do mingau quente !
E eu até hoje não sei o motivo da minha desastrada caganeira na BR 304, trecho Mossoró/ Natal.
Sua crônica de hoje me inspirou e muito! PARABÉNS!
Ótima crônica lhe rendeu agora o ocorrido. A autoficção está cada vez sendo o caminho para romper a bolha onde aprisionaram os leitores.
Mais uma vez, fiz um comentário quilométrico.
O culpado é Marcos Ferreira, pois o mesmo me provoca assim proceder.
Kkkkkkkkk
Querido poeta, lembro desse mingau! Adorava! Pena q tenha provocado esse vexame todo em você… mas não tenha vergonha… boa história pra contar e fazer os outros rirem.
Beijos!
Já diz o ditado: “Todo castigo para pobre é pouco” Assim como diria aquele filósofo subcelebridade: ” Faz parte! Valeu poeta e escritor Marcos Ferreira…
Vixe, lembrei-me de uma passagem assim… É constrangedor. E saber contar, como você sabe, transforma-se em deliciosas recordações.